ZEZA AMARAL

O custo da derrota

Zeza Amaral
17/02/2014 às 22:26.
Atualizado em 24/04/2022 às 16:05

Betinha, fui dormir mais cedo por conta dos fatos. Meu time perdeu e isso é uma dor que você não compreende; futebol é assim mesmo, você vai dizer, alguém ganha, empata ou perde. Mas no futebol é a vitória que importa; e o travesseiro é o ombro melhor pra derrota.Fico pensando no meu time de futebol de botão, invencível, meus zagueiros de botões de capa de gabardine, imensos, segurando o avanço dos laterais adversários, muralhas intransponíveis, apenas ocupando espaços e obrigando adversários a fazer um outro caminho mais longo, agora cansados e agônicos.É belo o futebol e os seus lances inusitados, alguém que domina uma bola que ninguém poderia imaginar, no peito do pé, na pleura do pulmão, e sair rente à lateral, em um minúsculo atalho e lançar a bola para um ponta que a recebe assim como um abraço de mãe e parte para cima de um zagueiro ateu de todas as coisas, pisando a grama como se fosse um boi em ódio, sem direção e música. E o passe explode nas nuvens e sufoca a alegria dos torcedores. Fica ali, no meio da área, o centro-avante perdido pelo poema sem rima, reclamando apenas o tempo e o fôlego, desperdiçados.Ninguém vê que a bola entrou e segue o jogo jogado. A tevê repete o lance amiúde e o gol não é marcado. Comentam todos o gol não marcado e segue o jogo jogado. Segue as nossas dores agora multiplicadas porque o gol não foi marcado. O que faz o árbitro atrás do gol é uma pergunta sem sentido. Ele é apenas mais um a ver o jogo jogado. E segue a vida sendo levada de roldão pelas arquibancadas, onde muitos choram e a mãe não vê, onde o homem vira criança ou besta-fera.Quando a madrugada me acordou pela febre, Betinha, tomei cuidado para sair da cama devagar, e fui comer aquela pizza de calabresa com mussarela, gelada e esturricada, penitência a pagar pelo gol que não veio no último escanteio, naquela suprema e última esperança de uma vitória.Já é tarde da madrugada e um vento amigo trás à varanda do apartamento um borrifo de águas novas que também alimentam o Atibaia e o velho Piracicaba. E o gol perdido é um raio que se dissipa no ar e só faz barulho. E a vida é um futebol que se joga e não se entende; jogo desesperado em não se querer apenas um jogo de homens, mas uma vontade de se querer imortal diante do grande esquadrão da Natureza: a Morte Futebol Clube. E dele ninguém ganha; nem com gol roubado.

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