A tragédia a seguir é descrita por um dos melhores jornalistas que conheço, íntegro, humilde e generoso. Está há quase 30 anos em Roraima. Só não virou índio porque índio na tem paralisia infantil. Mas virou Deus. É sério. Diga, Plínio:
“A quem queira conhecer e viver a verdadeira Cuba aconselho hospedar-se em casas de família nas cidadezinhas do interior. Nelas se conhecem o povo na sua essência: pobre e necessitado. Porque na ilha de Fidel falta tudo, menos médicos e professores.
Nas vezes em que visitei meus filhos, estudantes universitários, me hospedei em casas de família. Em Matanzas, com Norka Echevarria, doutora em Comunicação pela Universidade Autônoma de Madri, professora universitária; em Santa Clara, com Letitzia Gaizka, cirurgiã cardiovascular, com dois doutorados, em Moscou e em Berlin, médica do Cardiocentro ‘Ernesto Che Guevara’.
Hospedando turistas amigos, elas e suas famílias podiam pagar em dólares no mercado negro por itens simples, como remédios e produtos de higiene que não encontravam nas prateleiras vazias das farmácias e mercados populares: de Melhoral a papel higiênico, de pomadas a sabonete. Envergonhadas, Norka e Letitzia pediam desculpas por me sujeitarem ao uso de jornal como papel higiênico. Por outro lado, era assim, cortando em tiras as edições do ‘Gramma’, diário oficial do Partido Comunista, que se vingavam dos fidelistas pela penúria em que vivem. Eles limpam com jornal, até quando não é Natal.
Numa dessas viagens fiquei gripado e na falta de medicamentos, fui tratado com chá de malva e mastruz e emplastro feito com bengay, uma árvore cujas folhas têm exatamente o cheiro e as mesmas propriedades do vick vaporub. Ângela Ávalos, a enfermeira que cuidou de mim, disse que, além dos remédios populares, os mais humildes também usam as crendices da santeria, o candomblé cubano, e as rezas das benzedeiras.
Certo dia, a caminho de Pinar del Rio, dei carona a Karina Petrovich Montaño, filha de cubana e de um engenheiro russo. No caminho, contou que era médica e morava em Consolación del Sur, 10 mil habitantes, a pouco menos de 30 km de Pinar. Chegamos à cidadezinha, me convidou para entrar, entrei e ela me apresentou a mãe. Rosália, também médica, me recebeu com um sorriso triste no rosto fragilizado pela doença. Enfrentava um câncer, já sem esperança alguma, pois era impossível encontrar em Cuba medicamentos básicos, como vitamina A, para se tratar.
No meio da conversa, contendo lágrimas furtivas dos seus olhos azuis, Karina me implorou para que, quando eu voltasse ao Brasil, fizesse a caridade de enviar-lhe comprimidos da vitamina. Emocionei-me com a vida dramática que ambas levavam. De nada adiantava haver dois médicos por bloco, um em cada esquina. Faltava o essencial: remédio. Mandei, mas delas não soube mais nada.
Apelo de quem conhece a ilha e viveu a realidade de sua gente. Além da bagagem normal, leve itens corriqueiros: sabonete, creme dental, papel higiênico e... Melhoral. É melhor e não faz mal.”
Pregado no poste: “E você, preocupado com a falta de paracetamol...”