ZEZA AMARAL

O beijo da vitória

Zeza Amaral
12/05/2015 às 15:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 13:59

Começou o campeonato brasileiro de futebol. E tudo é o mais do mesmo: times retrancados e buscando contra-ataques, o que não se configura em gols, essa coisa que a gente gosta tanto.   E difícil foi achar no rádio notícias da gloriosa Ponte Preta contra o Grêmio, às onze horas da manhã. Os altos contrafortes da Serra da Mantiqueira e as grossas nuvens de chuva impediam a sintonização e, é claro, bem atestavam o quão estamos sempre próximos da barbárie tecnológica, ou do paraíso de uma roça sem antenas parabólicas, celulares e satélites transmissores. O Brasil ainda é um país a ser descoberto, ainda digo agora.   E a manhã seguiu com as nuvens mineiras se aguerrilhando por sobre as terras paulistas, São João da Boa Vista, São Sebastião da Grama, Divinolândia, Casa Branca, Aguaí e, é claro, Vargem Grande do Sul, a Pérola da Mantiqueira. Vieram elas gordas de chuvas, ventos e raios. E sumiu do rádio a voz de um locutor que se achava no Rio Grande do Sul, envolta em estáticas e pequenas marolas de frases pipocadas, quase uma tortura para um amante que desejava apenas notícias de uma Ponte Preta. E fiz o que qualquer bom vivente faria: desliguei a máquina de tortura e tratei de conversar com quem bem sabe da vida, com a senhora Emília, mãe da minha companheira, matriarca da família dos Ribeiro, noventa e quatro anos de lembranças domésticas e musicais, testemunha auricular da Rádio Nacional do Rio de Janeiro que, naqueles tempos de 1940, transmitia a todo o Brasil as vozes de Carmem Miranda, Isaurinha Garcia, Orlando Silva, Francisco Alves, Marlene, Emilinha Borba, com os auspícios do Talco Ross, Vale Quanto Pesa e Melhoral... e sessenta anos depois não consigo sintonizar uma emissora capaz de transmitir um simples jogo de futebol!   Valeu a frustração radiofônica pela alegria da matriarca Emília, lembrando seus tempos de Rainha do Carnaval, 1940, e, tamanha memória!, cantando dezenas de marchinhas e velhos sambas de então, sem contar as canções de serestas que ainda enfeitam seus harmoniosos ouvidos — um natural pendrive que não carece de computador nem de cabo USB: apenas de boa conversa memorial e, é claro, de sincera amizade, assim como os velhos alto-falantes das quermesses anunciavam naquelas festas juninas e de santas novenas.   Só soube do resultado da Ponte Preta e Grêmio em Campinas. Betinha, a companheira, e que não gosta de futebol vibrou com o resultado, que ela pegou no Fantástico. Ela me deu os parabéns pelo empate fora de casa. E eu a beijei sem que ela soubesse que ela é a minha Nega Veia...

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