Nutricionista define o termo criado por ela como uma forma de as pessoas olharem os alimentos com mais amor e menos culpa
A nutricionista Marcia Daskal criou o termo nutrição amorosa para que as pessoas pudessem olhar com mais amor para o alimento e para elas mesmas, respeitando as vontades do seu corpo. Ela conversou com a revista Metrópole falando desse novo olhar para a comida nesse período em que todos estão ficando mais em casa. Na conversa, ela diz que é tempo de observar o que de fato o nosso corpo está pedindo em relação aos alimentos que estamos consumindo. Para ela, esse período pode ser uma forma de nos conhecermos melhor, nos conectarmos e fazermos escolhas mais sábias, inclusive na alimentação. Vale ir para a cozinha para preparar pratos que são receitas de família e usar a alimentação para passar por esse período de uma forma mais leve e prazerosa. Revista Metrópole: O que é a nutrição amorosa? Márcia Daskal: É uma forma de se alimentar que respeita as vontades do corpo. Foi um termo que eu criei para descrever um tipo mais amoroso de relacionamento com a comida. No meu consultório (recomendo.ntr.br) atuo dessa forma. Mas isso não diz respeito só com a comida, mas com a gente mesmo. Se observarmos no mundo inteiro as pessoas têm formas diferentes de comer, então parece um pouco improvável que exista um único jeito certo de comer e todos os outros sejam errados, não é mesmo? Na modernidade a gente foi medicalizando a alimentação e isso virou assunto de médico com estudos e avental. E realmente os alimentos têm um papel impactante na saúde, mas não é possível que nesse processo fôssemos selecionando alguns como bons e outros ruins. Nunca vivemos na história da humanidade uma situação em que tivesse uma abundância tão grande de alimentos diversos do mundo todo que a gente pudesse comer, não só para alimentar. É muito importante que a gente entenda que a comida tem um papel cultural e afetivo. A nutrição amorosa visa tirar esse peso e culpa que acompanham o comer moderno. É claro que seguimos as recomendações alimentares, mas existe uma margem para a gente ser feliz com o que a gente come, poder escolher a comida que nos faz bem. Esse período em que as pessoas estão ficando em casa e cozinhando pode ser visto como uma oportunidade para fazer as pazes com o alimento Acredito que esse período da quarentena é um momento em que podemos olhar para nós mesmos de diversas formas. Vejo muitas pessoas percebendo que acumulam muitas coisas, roupas e objetos e tenho visto outras pessoas podendo aproveitar os livros e discos que compraram e não leram, nem escutaram. Da mesma maneira tenho visto essas atitudes em relação à comida, já que o alimento também tem esse papel afetivo. Estamos ficando mais em casa, estamos mais aflitos por conta dessa situação incerta e tudo bem a comida servir para nos confortar. Isso é muito diferente da gente se jogar no sofá com um pote de sorvete e ficar comendo o que a gente quiser, na quantidade que a gente quiser. A gente pode comer um chocolate e pode também gostar de comer uma salada. Veja bem, não é substituir um chocolate pela salada, mas sentir tanto prazer com um chocolate e também com uma salada. Então, vejo esse momento como uma oportunidade de tentarmos entender algumas questões como qual é a quantidade de comida que o corpo pede, que horas ele pede, por quê está pedindo e exatamente o quê está pedindo? E o que seria entender o que o corpo pede? Por exemplo, em dias mais quentes talvez as pessoas tenham vontade de tomar um chá gelado ou um suco mais refrescante e comer mais salada. Já nos dias mais frios o corpo pede um café quentinho, uma sopa. Entramos no período de quarentena no Verão e agora estamos no Outono. A mudança de tempo interfere em nosso humor para comer, então é muito interessante termos essa oportunidade para se conectar novamente com o corpo e com as vontades dele e o que ele necessita. Eu tenho tido relatos muito interessantes de pessoas que nessa fase que estão mais em casa perderam a compulsão por doces, que chegavam a comer a tarde toda no trabalho, isso porque agora podem ter uma alimentação com mais calma e mais variada, perdeu o impulso de ter que comer o dia inteiro. As pessoas estão percebendo que muito do que elas faziam numa época normal de trabalho e estudo, em casa, onde elas não têm aquela pressão, estão descobrindo quem elas são e o que elas gostam de comer. O que fazer para tentar não engordar nesse período de quarentena? A ideia é tentar comer porções menores e, se não se sentir satisfeito, é só repetir. Evitar usar pratos muito grandes e tentar manter uma rotina de horário de alimentação. As pessoas que atendo têm relatado que estão comendo menos, apesar de comerem mais vezes quando precisam. Também ficamos mais próximos de frutas, iogurtes e outros lanchinhos saudáveis. E se for comer uma pequena porção de doce, chocolate, que seja logo depois de uma refeição, para evitar comer muito. Tentar se mexer um pouco, por exemplo, se tiver quintal pular corda, subir as escadas do prédio, dançar. Que tipo de alimentos pode ajudar no sistema imunológico? Precisamos pensar numa variedade alimentar e numa organização alimentar. Os alimentos coloridos, que no geral são frutas, verduras e legumes, são fontes de vitaminas, minerais e antioxidantes que fortalecem a imunidade e combatem doenças. Além disso, esses alimentos coloridos são fonte de fibras alimentares com potencial e um papel essencial modulando as bactérias do intestino. Quando ingerimos mais fibras a composição da microbiota (conjunto das bactérias intestinais) fica mais variada. Se temos uma microbiota mais variada e uma boa quantidade de bactérias benéficas aumenta a nossa imunidade. Então deveríamos nos esforçar para comer frutas, verduras, legumes e grãos, mais ou menos, metade do nosso prato, assim fica mais fácil de organizarmos. Devemos usar temperos como cravo, canela, louro, cebola, alho, páprica, açafrão. E não esquecer de tomar muita água, principalmente agora que é Outono. O gosto dessas especiarias são substâncias benéficas para a saúde. Vale lembrar que não é momento de fazer uma dieta muito restritiva para não cair a imunidade. O que fazer para tentar fugir 'das fomes' fora de hora? Acho interessante estabelecer uma rotina de horários para tomar café da manhã, almoço e jantar, pois assim o corpo sabe quando ele pode contar com a comida. Lembrar que não estamos de férias. Deixar uma fruteira disponível com opções de frutas, que são fast-food da natureza, é tão rápido quanto abrir um pacotinho. Pegar uma fruta, fazer pipoca, mastigar um pedaço de coco que são alimentos com bastantes fibras. Evitar levar comidas pra frente do computador, televisão e prestar atenção no que está comendo. Como você tem feito para atender seus pacientes durante o distanciamento social? Neste momento tenho atendido pessoas dentro e fora do Brasil com atendimento à distância pela internet. Tem sido uma experiência bem bacana tanto para mim, quanto para os pacientes.