Telemedicina se expande e ganha volume nos difíceis tempos de isolamento social
A telemedicina já estava em debate no Brasil quando a pandemia do coronavírus chegou. No final de março, o Senado aprovou e há dez dias o Executivo sancionou o Projeto de Lei (PL) 696/2020 que, em caráter provisório, regulamenta o atendimento de pacientes a distância por intermédio de recursos tecnológicos, como a videoconferência. Neste momento de isolamento, esta modalidade de prática médica se tornou a alternativa que pode salvar vidas, desafogar hospitais e aliviar dores de todos os tipos. Uma nova relação entre médico e paciente começou a se construir. Em seu consultório no Jardim Chapadão, em Campinas, diante da tela do computador e com fone de ouvidos, o médico urologista Moisés Terrazas Garrett atende seus pacientes diariamente por teleconferência; quando chega em casa muitas vezes dá continuidade ao atendimento. “Neste momento, o médico acaba sendo também aquele que conforta, porque o cenário gera medo e ansiedade, e às vezes o paciente precisa apenas ouvir do médico que ele está bem. A telemedicina é uma ferramenta auxiliar. Mas nada substitui o exame”, explica Garrett. Em casos de urgência, quando o médico identifica a necessidade de um exame, Garrett combina com o paciente que ele vá ao consultório, cumprindo as medidas de prevenção ao vírus, como uso de máscaras e higienização com sabão e álcool em gel. “A experiência e o conhecimento que tenho do meu paciente me permitem identificar a necessidade ou não, neste momento, do exame presencial”, afirma o médico. Os casos mais comuns que ele têm atendido na sua especialidade são de cólica de rim, infecções de urina, dores genitais, além das orientações sobre o coronavírus. Nesta nova forma de se relacionar com o paciente, Garrett diz que sente maior responsabilidade. “Examinar é fundamental. A telemedicina não substitui uma consulta normal. Mas ela é muito importante para acolher o paciente”, afirma o urologista que atua na área há 25 anos e nunca imaginou que viveria uma circunstância como a que se vive agora. “Há uma preocupação muito grande em acertar o diagnóstico.” Para superar suas próprias angústias, Garrett diz que conta com a resiliência aprendida com a prática médica. “Para nós médicos é um pouco mais fácil porque somos obrigados a ser resilientes, aprendemos a nos recompor mais rápido para conseguir dar o suporte humanizado ao paciente.” Com cerca de 30% de redução nas consultas, ele chega mais cedo em casa, mas continua atendendo. O volume de trabalho, portanto, continua intenso. “Fica mais pesado porque as pessoas estão com sintomas exacerbados, a situação desencadeia cansaço, dores de cabeça e outros efeitos. Eu preciso estar presente para minha família e meus pacientes”, diz Garrett, que investiu em equipamentos para fazer telemedicina em casa, além de ter feito curso on-line sobre telemedicina e estar adequado à lei. “É provisório.” Reconhecida neste momento pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a prática da telemedicina não tem a permissão para emissão de receitas. Missão Covid No âmbito da pandemia alastrada pelo novo coronavírus, muitos serviços on-line também estão sendo criados para colaborar com a população e desafogar os hospitais. Criada há um mês por médicos voluntários, a Missão Covid atende gratuitamente, por teleconsulta, todo paciente que estiver com sintomas da Covid-19, em qualquer lugar do País ou do mundo. Mais de 20 mil pessoas já foram atendidas. Em menos de 30 dias, formaram uma equipe de 900 médicos voluntários que realizam cerca de 700 atendimentos diários por teleconferência. Com a demanda crescente, a Missão Covid convida ainda mais médicos a se juntarem à plataforma (missaocovid.com.br). “Diante da preocupação com a superlotação dos hospitais, pensamos em uma forma de aliviar, atendendo as pessoas em suas casas. Queríamos fazer alguma coisa”, lembra o médico cardiologista Leandro Rubio, um dos idealizadores do projeto, junto com o médico oncologista Raphael Brandão e o CEO de empresa de Tecnologia da Informação (TI) Cristiano Kanashiro. “Ao mesmo tempo, a telemedicina estava provisoriamente autorizada.” Em apenas três dias a plataforma estava pronta, menos de uma semana após o primeiro caso de morte por Covid-19 anunciado no Brasil, em meados de março. Inicialmente, os médicos Leandro e Raphael começaram a prestar atendimento sozinhos, no dia 23 de março. Divulgaram no canal Médico do Futuro (@medico.do.futuro) que já tinham no Instagram e os voluntários foram surgindo. Os médicos foram cadastrados e receberam os protocolos de atendimento. Não há especialidade específica. Segundo Rubio, o número de voluntários foi grande e rápido, mas como a demanda tem sido muito grande, a plataforma precisa de ainda mais médicos. “Só atendemos pacientes com Covid-19. Cerca de 12% deles foram orientados a procurar um hospital, e a grande maioria nós conseguimos dar assistência em casa pela telemedicina. Um robô faz a triagem do paciente e em caso de sintomas leves, como apenas uma tosse, o próprio robô passa as orientações”, explica Rubio, que além de ter chegado a cidades muito pequenas e distantes do Brasil, “alguns lugares que nunca ouvimos falar”, também alcançou brasileiros em todo o mundo, em mais de 64 países. “A Saúde é muito cara para um imigrante e muitos brasileiros que estão fora também não podem pagar.” Além do voluntariado da equipe médica, há mais de 25 profissionais voluntários de outras áreas trabalhando na plataforma, como advogados, assessores de imprensa e administradores de empresa. Rubio tem dedicado seu tempo integral ao projeto. “Tem sido transformador, porque estou exercendo algo que sou apaixonado, que é cuidar do ser humano, usando tecnologia e inovação, e praticando a solidariedade. É pesado, mas é desafiador. Estamos vendo o que está acontecendo no País e muitas vezes é doloroso, a maioria dos pacientes é muito simples, portanto é gratificante ver o que já realizamos em um mês”, descreve o cardiologista intervencionista, que teve todas as suas cirurgias suspensas no Hospital Samaritano de Higienópolis, em São Paulo, onde trabalha. “Acordo às 6h e fico até quase meia-noite na plataforma. E tenho uma filhinha de um ano e dois meses para cuidar. Faço tudo com ela, e pratico a telemedicina em casa.” Várias frentes na Unicamp Atuando em 11 frentes diferentes de diversas áreas, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também trabalha no combate ao coronavírus com um enorme contingente de voluntários. A articulação interdisciplinar pode ser acompanhada pelo site especialmente criado para a divulgação das ações: ftcovid19.unicamp.br. No período de um mês, além de esclarecer dúvidas, já foram desenvolvidos desde equipamentos e respiradores, até testes de detecção do Covid-19. Há também um site para quem desejar participar voluntariamente ou por meio de doações ( http://www.direitoshumanos.unicamp.br/form/participe) nas frentes distribuídas em: Diagnóstico, Pesquisa Básica, Comunicação, Captação de Recursos, Articulação, Ensaios Clínicos, Modelagem e Epidemiologia, Pesquisa e Desenvolvimento, Engenharia Biomédica, Tecnológica, e Ações Sociais. Iniciativa privada Com o objetivo de atuar na prevenção, no monitoramento de casos e na informação, o convênio médico privado Unimed criou o serviço de Teleorientação pelo número 0800 8924 888 e pelo hotsite unimedcontraocoronavirus.com.br, com funcionamento 24 horas por dia, sete dias por semana. A plataforma dispõe de uma equipe técnica composta por médicos da família, clínicos, pediatras e enfermeiros. Pacientes que apresentam um ou mais sintomas de Covid-19 - como febre, dor de cabeça, coriza e dificuldade para respirar - recebem as instruções indicadas pelos profissionais e, em situações de maior gravidade, são orientados a procurar o pronto atendimento ou hospitalar. No portal unimedcampinas.com.br/novidades, há dados sobre a doença no Brasil, as formas de cuidado e a prevenção.