RUBENS MORELLI

Nossos dias de Barcelona

Rubens Morelli
01/08/2013 às 21:56.
Atualizado em 25/04/2022 às 06:49

Naquele tempo, nossa única preocupação era saber se a bola de meia duraria o jogo inteiro. O zelador do prédio não nos deixava chutar as de capotão com medo das vidraças. Bom, a julgar pela quantidade de vezes que íamos buscar as bolas penadas na casa vizinha, ele não perdia a razão. Mas, de tanto pular o muro, fizemos uma espécie de pacto velado para manter a redonda — às vezes, oval — no chão, sem dar chutões para o alto.O jogo era chamado de Matadinha, no qual era preciso matar a bola vinda do chute da dupla adversária para sair jogando. Para nos adaptarmos à realidade do muro baixo, mudamos o estilo de jogo, priorizando os passes e o domínio da bola. Todos os dias, às 16h, depois da escola, do almoço e da soneca da tarde, íamos para o pátio passar mais uma tarde de futebol, numa rotina que se repetiu meses a fio.Até que, certa vez, fizemos um churrasco na AABB e desafiamos o time local de futsal. Nossa primeira vitória oficial aconteceu naquele ginásio e foi de goleada. Lembro que em alguns gols, repetimos a jogada básica treinada no pátio. Nós tínhamos o principal: o entrosamento.Pouco tempo depois, entusiasmados e orgulhosos, rumamos para as quadras do Taquaral. Lá valia a regra dos dois gols ou dez minutos. E, sábado após sábado, ninguém tirava a gente da quadra. Nem mesmo um cara de cabelo estranho, que carregava o time dele nas costas, fazia frente. O Cabelo de Capacete, como o apelidamos, penteava a bola como só ele, fazia jogadas vislumbrantes, dava dribles desconcertantes, mas tudo isso não era suficiente para fugir da nossa marcação pressão.Nosso jogo de troca de passes era imbatível. A bola de meia com a qual crescemos no prédio havia nos transformado em jogadores melhores. A prática diária no reduzido pátio, em jogos de passes curtos e rápidos, tinha feito de nosso time uma máquina de jogar futebol. Eram nossos dias de Barcelona.Mas aí o caminhão de mudanças foi cruel. Levou dois do nosso time para outra cidade. E nos obrigou a jogar desfalcados no sábado seguinte. Curiosamente, para completar o elenco e ter jogo, o cara do cabelo estranho, o Cabelo de Capacete, veio para o nosso lado da quadra. Ele achou ótimo, disse que continuaríamos ganhando, mas a verdade é que o capacete destruiu nosso entrosamento. A troca de passes rápidos não continuava quando a bola encontrava esse cara, pois ele insistia em passar o pé sobre ela, cadenciar o jogo, driblar um adversário, só fazer golaço. Em vez de somar, como dizem por aí, o mané do cabelo estranho dividiu. E nunca mais tivemos uma sequência de vitórias no Taquaral.

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