ZEZA AMARAL

Nossas medalhas

Nossos olhos interiores não nos enganam: não há enganos nesse outro lado dos olhos da alma

Zeza Amaral
14/08/2016 às 06:30.
Atualizado em 22/04/2022 às 23:00

Do outro lado dos nossos olhos moram as palavras que não falamos com as nossas pobres línguas; mas é justamente por esse lado que vemos e ouvimos o interior dos sonhos, das angústias e paixões da morte de todos nós, das nossas dores e dos bons prazeres. É a vida que temos, sem retoques, sem frescuras mundanas. Apenas a vida a ser vivida e honrada – a nós e aos amigos, sobretudo. É com esses olhos interiores que percebemos a fragilidade sensorial dos nossos olhos exteriores que veem apenas o real ou o que assim se assemelha. Nossos olhos interiores não nos enganam: não há enganos nesse outro lado dos olhos da alma, por mais agnósticos que sejam – ou dos pobres ateus. Com esses olhos é que aprendemos a tolerar, enxergando os limites da nossa compreensão e procurando ampliar essa fronteira, se possível para além dos limites do outro, ajudando-o a transpor os muros idiotas que criamos para nos barrar o contraditório, nossas invejas ou deficiências intelectuais. É com esses olhos que observamos a eterna festa dos mendigos, prostitutas e bêbados. E quem não quiser enxergá-los com esse outro lado dos olhos não verá que eles estão em fuga constante, assim como nós, bêbados de fim de semana, mendigando um salário por mês, prostituídos por nossos sonhos dentro do enorme bordel da hipocrisia social. E quem coloca em sua casa o espelho que nos dá a exata dimensão do que somos, hein? E assim, como os nossos olhos naturais, é do outro lado das nossas mãos que residem um outro tapa e um outro carinho: anti à agressão revidada, não é o tapa desfechado em revés que ferirá o rosto do agressor, mas, sim, o gesto de carinho da reconciliação, o aperto de mão. A violência e o carinho têm seus encantos e é preciso saber usá-los; não o ato, mas o próprio encanto da ação - mesmo que isso nos faça sentir que somos um pouco fera e um pouco covarde. É preciso compreender, sempre, que somos iguais ao o que odiamos ou amamos, pois cada homem é o espelho do outro. E é com um outro carinho que temos do outro lado das mãos que tocaremos o rosto das mulheres amigas, oferecendo apenas a essência do outro carinho, sem os desejos e as intenções do instinto dos outros carinhos. E é com esse outro lado das mãos que devemos afagar todos os seres, nem homens nem mulheres nem animais, apenas seres, assim como somos todos que fomos criados pela Natureza, ela, sim, a grande Senhora que, embora incompreendida, se nos revela a Grande Mãe que nos aguardará no ventre da terra - e que seja lá em qualquer lugar do planeta. Para a mulher amada devemos guardar também outros carinhos desse outro lado das mãos, que continuam pelos poros, nossos peitos e nossas bocas - pois esses carinhos não conhecem fronteiras. E de todos os carinhos que trazemos desse outro lado das mãos, esses, os aventureiros, são os mais importantes, pois os cabelos, a boca, o corpo da mulher amada são desconhecidas e imensas terras, mares e cosmos nunca dantes navegados. E assim, como os nossos olhos e nossas mãos, é no outro lado dos nossos corações que devemos guardar os melhores perdões. E que cada um de nós escolha o seu melhor e mais bonito perdão e os ofereça. Que saibam eles todos perdoados pelos erros, mas jamais reverenciados pelos acertos. Que os nossos perdões aqueçam suas almas. Mas que eles entendam o desespero dos injustiçados para, finalmente, serem perdoados. O Brasil é apenas um pedaço do mundo. E o planeta é apenas um pedaço do Universo. E tudo o que está contido nele faz parte da grande paixão que a Natureza terrena nos oferta, sem pedir absolutamente nada, nem mesmo o amor e o ódio que devotamos pelos nossos semelhantes, e tampouco à indiferença que dedicamos às grandes fogueiras que ela acendeu nas Noites Cósmicas, as estrelas, que, penso eu, ainda estarão lá para nos guiar a algum lugar do Desconhecido. E esta crônica não é autoajuda nem nada. Trata-se apenas de uma homenagem aos jovens atletas olímpicos, aos doidos dos músculos e nervos, aos anos que se dedicam para apenas perder ou ganhar uma simples medalha em poucos muitos. São eles os Senhores do Tempo. E sou apenas um passageiro que os admira – e também um atleta da vida. E é isso o que vale. Bom dia. 

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