Comer & Beber

Na taça, vale ser infiel

Sem exclusividade: José Lúcio Natali, da Tokay, é apaixonado pelo vinho brasileiro, mas defende a "infidelidade" nos brindes; provar novas uvas e conhecer rótulos de variados países, afinal, rende ótimas surpresas

Érica Araium
28/07/2015 às 16:45.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:40
"Custa caro colocar uma boa safra no mercado. Além disso, o custo geral de operações no País é muito alto. A logística é complicada. Se o preço do produto final fosse mais atraente, certamente, o consumo cresceria no Brasil" (Adriano Rosa/Especial para a Metrópole)

"Custa caro colocar uma boa safra no mercado. Além disso, o custo geral de operações no País é muito alto. A logística é complicada. Se o preço do produto final fosse mais atraente, certamente, o consumo cresceria no Brasil" (Adriano Rosa/Especial para a Metrópole)

Foto: Adriano Rosa/Especial para a Metrópole "Se o preço do produto final fosse mais atraente, certamente, o consumo cresceria no Brasil" Se, por um lado, houve redução no número de lojas dedicadas aos vinhos na região do Cambuí, centro estratégico em Campinas, por outro, houve um movimento do empresariado em busca de alternativas à equalização da oferta de rótulos: novos pontos de venda se abrem onde o potencial consumidor está. “Ao mesmo tempo, em função das variações cambiais do dólar e do euro, o vinho ficou mais caro. A própria Tokay, que nasceu no Cambuí há 14 anos, teve uma segunda unidade no Gramado e, há cinco, seis anos, fechou sua primeira loja”, situa o empresário José Lúcio Natali. O mercado se renova e, com ele, as estratégias de oferta de produto. A que ele ponderou para seu negócio (a loja funciona no Gramado Mall) abarca três frentes.  A primeira fita o treinamento de pessoal e a ampliação de repertório, tanto das equipes de restaurantes, empórios e afins, quanto dos consumidores finais. “Quando se conhece um pouco mais sobre a bebida, você se anima a descobrir rótulos diferentes. Contrariamente ao amor, com vinhos a infidelidade é fundamental. Provar novas uvas e conhecer safras de rótulos distintos, de variados países, faz com que se dê mais valor”, sintetiza. Uma série de eventos, como jantares harmonizados e workshops com especialistas, inclusive da The Wine School, já cativaram levas de apreciadores no último ano e meio. A segunda frente é mais empática. Foi criada na loja uma área de “descomplicação do vinho”, normalmente vendido sobre salto alto, o que termina por inibir o iniciante. “Os rótulos foram divididos por preços e escalonados por complexidade de uma maneira bastante acessível. Se o vinho é encorpado, leve ou médio, isso está bem sinalizado”, explica Natali, destacando que o consultor deve estar mais inclinado em conhecer o gosto do cliente. Já a terceira leva em conta a possibilidade de co-branding, graças à implantação do conceito store in store, comum nos Estados Unidos. A primeira experiência foi com a Bufalat Cambuí, especializada em queijos finos. “A ideia é que as pessoas encontrem produtos acessíveis e de qualidade num só lugar. A previsão é levar essa proposta a outros bairros, como Castelo, Alphaville e Parque Prado, em breve”, adianta.Taça brasilis Natali é engenheiro industrial por formação, atuou fortemente nas áreas de informática e telecomunicação. Até há pouco, foi executivo de grandes empresas, caso de Taho e Comsat. “Um dia, achei que meus cabelos brancos me ajudariam noutra área”, brinca. A relação com os vinhos, no sentido comercial, uma vez que é apreciador e estudioso da bebida faz tempo, começou pela influência de um amigo pernambucano. Sem demora, ele situa nesse resgate a importante parcela do semiárido brasuca que vem enchendo nossas taças. “Fui e sou amante e defensor do vinho nacional. E há uma região no Nordeste, próxima ao Rio São Francisco e a Petrolina (Vale do São Francisco), em que, há 30 anos, começou-se a plantar uvas de mesa. Há uns 20, um imigrante italiano apostou em uvas viníferas e criou por lá a vinícola Milano (Vinhas da Milano, atualmente Botticelli). Passou a fabricar vinhos e não só criou uma nova fronteira dos vinhos do Brasil, como também mudou o panorama da inclusão social daquela região”, conjectura. O encantamento do empresário foi tanto que passou a pesquisar a fim de compreender como se dava a inclusão de rótulos em mercados, empórios e afins. “Passei uns cinco anos estudando técnicas de vendas. Tracei um plano de negócios e comecei a atuar. Depois que fiquei viúvo, abri um wine bar (Uva Bar). Em seguida, comprei a Tokay (fundada em 2003) e me apliquei em tornar a cultura do vinho e ele próprio mais acessíveis”, explica. Clubes como o Wine.com (e-commerce que evoluiu da seleção de rótulos modestos aos de bom custo-benefício e à consultoria mais acertada) e outros mais recentes e regionais, incluindo os de menor escala, como o engendrado por ele para a Tokay, estreitaram essa ponte com o consumidor. “Quem se inibia em comprar vinhos em lojas físicas, muitas delas escuras, sofisticadas e frias, deixou de se acanhar com a ajuda da internet e de bons consultores”, avalia.Do sofrer à safra A paixão de Natali pelos vinhos nacionais se estende às bandas do Rio Grande do Sul. Marcadamente à região de Bento Gonçalves, para onde imigraram os alemães, fugindo da fome na Europa, depois da primeira guerra, e, coisa de cinco anos mais tarde, os italianos. “Esses não passaram a produzir vinhos na região da Serra Gaúcha por estratégia, mas por contingência. A produção heroica, que resiste apesar de condições desfavoráveis, é a que mais me encanta”, pondera. Ela se assemelha à das próprias videiras, tão afeitas ao estresse hídrico e tão engenhosas para captar os melhores minerais e se renovar em frutos de safra em safra. “E quanto mais velhas as vinhas, melhores os vinhos”, completa o empresário. Ao matutar sobre tendências, considera a relevância da Campanha Gaúcha, região estratégica desde o início da empreitada e crescente em qualidade graças ao empenho das associações de produtores. Pondera, contudo, que o mercado mundial deve ser chacoalhado quando os chineses entrarem nele para valer. “Hoje, já existem mais de 70 châteaus de Bourdeaux comprados por chineses. Quando eles passarem a consumir bons vinhos, a ampliar a pesquisa sobre castas importadas e seus terroirs e a produzir rótulos de qualidade, haverá uma nova revolução”, aposta. E traça um paralelo com o que ocorreu nos Estados Unidos, que passou a produzir bebidas excelentes, imediatamente absorvidas pelo mercado interno. Por ora, o que precisaria melhorar em nossas bandas? “A estrutura de financiamento para viticultores e vitivinicultores. Custa caro colocar uma boa safra no mercado. Além disso, o custo geral de operações no País é muito alto. A logística é complicada. Se o preço do produto final fosse mais atraente, certamente, o consumo cresceria no Brasil”, pondera. 

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