Não resisto à tentação de comentar 'Cinquenta Tons de Cinza', o romance da escritora londrina Erika Leonard James, responsável pela insônia de zilhões de leitores galáxia afora. O romance BDSM (sigla de Bondage, Dominação, Sadismo, Masoquismo) proporciona ao leitor uma espécie de transe à medida em que os protagonistas, Christian Grey e Anastasia Steele, vão se conhecendo. Evidentemente, este não é um espaço de crítica literária, muito menos de considerações sobre a natureza dos encontros, mas gostaria discorrer sobre um detalhe que me chamou a atenção na obra.
Sem rodeios, então. O Dominador, Grey, não precisava ser tão, tão, tão... Bem, ele não tem 28 anos, é lindo, forte, cheiroso, inteligente, espirituoso. Basta? Imagine! É um bilionário à frente de uma mega-empresa que passeia por aí a bordo de carrões, pilota seu próprio helicóptero à noite, sabe fazer acrobacias de planador, investe em programas para erradicar a fome no mundo, toca Bach divinamente ao piano de cauda (de madrugada, com o torso nu), é solteiro (não, não é gay). Basta? Imagine! Mima sua namorada, a Submissa, com brinquedinhos, como supercarro zero, computador que nem chegou ao mercado, BlackBerry, viagens em primeira classe, livros antigos de 14 mil dólares...
Tá bom pra você? Tem mais! Agora vem a virtude que interessa aqui. Ele sabe escolher vinhos com elegância e critério (não fique desapontado comigo, pois se continuar falando dos brinquedinhos e das predileções de Grey vou estragar as surpresas do livro). Já esbarrei em citações a vinho em muitos romances. Na maioria das vezes, fiquei com a impressão de que houve esforço do autor para dar um colorido a mais ao personagem, o que sempre soa inconsistente, desnecessário, artificial.
Amalgamar esse tipo de conhecimento a um perfil fictício requer verdade por parte do autor, ou seja, ele precisa gostar de vinho também, ter uma relação cultural com a bebida, pois só assim não cairá na arapuca de ficar salpicando safras raras e rótulos imponentes em toda e qualquer refeição a dois. Um conhecedor de verdade não faz isso. É tolo demais.
No caso do Dominador, os vinhos não só não chamam mais a atenção (apesar do Bollinger Grande Année Rosé 1999 apreciado em xícaras) por uma única razão: Grey é idealizado quase à condição de príncipe encantado. E, se é pra fantasiar, vale tudo, né? Ninguém perguntou, mas vou dizer assim mesmo: uma pitadinha de Nelson Rodrigues seria muito bem-vinda para neutralizar a sensação de Sabrina sadô que o romance transmite sempre quando o casal central está vestido. Saúde!
BRINDANDO COM O DOMINADOR
Nas quase 500 páginas de Cinquenta Tons de Cinza (lidas em menos de 24 horas), o atormentado Christina Grey descontrai sua parceira com vários vinhos. Eis alguns, caso o leitor queira sugestões:
_ Pouilly Fumé: Sauvignon Blanc, produzido no Vale do Loire, França, região conhecida por fazer vinhos brancos e rosés excepcionais. Pouilly vêm da cidade Pouilly-sur-Loire e Fumé significa defumado ou defumação, referência ao aroma de defumado desse vinho.
_ Chablis: sub-região da Borgonha que produz um dos vinhos brancos mais conhecidos e imitados em todo o mundo. Feito com a uva chardonnay, é um clássico francês, extremamente elegante, seco e delicioso. Uma companhia perfeita para ostras frescas.
_ Sancerre: integra a região leste do Loire Central, na França, conhecida pelos seus delicados Sauvignon Blanc. São secos, minerais, com aromas de frutas secas e nozes. De acidez marcante, vão muito bem com frutos do mar, pratos leves e, especialmente, queijos de cabra.
_ Bollinger Grande Année Rosé 1999: pelas façanhas que comete em Cinquenta Tons de Cinza, Christian Grey tem um pouco de 007. Bollinger é o champanhe preferido do famoso espião do cinema. Aqui temos uma versão safrada, muito elogiada pela altíssima qualidade alcançada pela uva pinot noir.