É DOSE

Quando a ignorância prevalece

Movimento antivacinas no Brasil e em vários países já constitui uma séria ameaça à saúde pública

Da Agência Anhanguera
27/09/2020 às 09:46.
Atualizado em 28/03/2022 às 00:10
Vacinação contra polio começa na segunda-feira (Leandro Ferreira/AAN)

Vacinação contra polio começa na segunda-feira (Leandro Ferreira/AAN)

Existe, atualmente, um movimento antivacinas, não só no Brasil, mas em diversos outros países, que são uma séria ameaça à saúde global. Movimentos como esse podem gerar desinformação e elevar o risco da volta de doenças que já não circulavam mais em determinadas localidades, como o sarampo no Brasil. Um artigo publicado, no dia último dia 10, na revista The Lancet envolvendo 284.381 pessoas em 149 países, mostra que o movimento antivacinas, o extremismo religioso, a instabilidade política, o populismo, as fake news e questões como segurança podem prejudicar as campanhas de vacinação em massa e a confiança nas vacinas em países com esses problemas. As vacinas, saneamento básico, esgoto tratado e água potável são apontados como as melhores ferramentas de saúde pública. De acordo com Luiz Carlos Dias, professor titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da Unicamp no combate à Covid-19, as vacinas são responsáveis pelo aumento da expectativa de vida, foram as principais responsáveis pela diminuição da mortalidade infantil e são um marco na história da saúde humana. "As vacinas salvam cerca de 3 milhões de pessoas por ano, ou 5 pessoas a cada minuto. No Brasil dos anos 1950, cerca de 10% das crianças morriam antes dos primeiros cinco anos de vida. Doenças como sarampo, poliomielite, catapora, caxumba, rubéola, tétano, difteria, rotavírus, coqueluche, estavam controladas. A varíola foi erradicada em 1980", explica. Queda Segundo dados do Programa Nacional de Imunizações para 2019, após 20 anos, o Brasil observa uma queda da cobertura vacinal de crianças e não atinge a meta para as principais vacinas indicadas para crianças de até 2 anos de idade. Dados do Sistema Nacional de Imunização (base Datasus), mostram que a taxa de abandono para nove vacinas no Brasil, como a meningocócica C (duas doses), a tríplice viral (em duas doses contra sarampo, rubéola, caxumba) e a poliomielite (três doses), cresceu cerca de 48% nos últimos cinco anos. “A cobertura vacinal contra poliomielite no país era de 96,5% em 2012 e foi 86,3% em 2018, sendo que o índice de vacinação de 2019 é o pior desde o ano 2000”, destaca o professor. Ainda de acordo com ele, a vacina eliminou o sarampo da população brasileira, mas ele foi reintroduzido no País e em 2019 houve cerca de 18 mil casos em 526 municípios, em 23 estados, resultando na morte de 15 pessoas. São contabilizadas nas estatísticas de abandono, também, as crianças que tomaram uma dose inicial de determinada vacina, mas não voltam para tomar as doses seguintes. "Esses dados são preocupantes e evidenciam a necessidade de que precisaremos de intensa mobilização para ampliar a cobertura vacinal para a Covid-19 no Brasil", aponta. CONFIRA AS CANDIDATAS VACINAIS Universidade de Oxford/AstraZeneca (UK) – AZD1222 – Vetor viral não replicante, adenovírus de chipanzé atenuado, duas doses intervalo de 28 dias Janssen Pharmaceutical Companies (EUA) – AD26CoV-S1 – Vetor viral não replicante, adenovírus humano, duas doses intervalo de 56 dias CanSino Biologics Inc./Instituto de Biotecnologia de Pequim (China) – AD5-nCoV – Vetor viral não replicante, adenovírus humano Ad5, atenuado, 1 dose Instituto de Pesquisa Gamaleya (Rússia) – Sputnik V – Vetor viral não replicante, adenovírus humano, dois vetores, uma dose de rAd26-S e uma dose de rAd5-S após intervalo de 21 dias. Sinovac (China) – CoronaVac – Vírus inativado, duas doses intervalo de 14 dias Sinopharm/Instituto de Produtos Biológicos de Wuhan (China) – Vírus inativado, duas doses intervalo de 14 ou 21 dias Sinopharm/Instituto de Produtos Biológicos de Pequim (China) – Vírus inativado, duas doses intervalo de 14 ou 21 dias Moderna/Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (EUA) – mRNA-1273 – RNA mensageiro, duas doses intervalo de 28 dias Pfizer/BioNTech/Fosun Pharma (EUA e Alemanha) – BNT162 – RNA mensageiro, duas doses intervalo de 28 dia Ensaio clínico vai avaliar eficácia contra Covid Dias explica que apesar de ainda não estar claro qual é o principal marcador de proteção contra a Covid-19, o ensaio clínico de fase 3 tem como objetivo avaliar a eficácia em impedir a infecção e prevenir casos de Covid-19 na população vacinada ou tornar a doença mais branda. “Uma vacina ideal seria aquela eficaz em apenas uma dose, induzindo imunidade esterilizante, imunizando a maior parte dos inoculados, produzindo imunidade de longa duração, com pouca reatogenicidade e poucos efeitos colaterais imediatos ou tardios, facilidade de armazenamento, distribuição e aplicação. Que não precise de rede de frio com temperaturas muito baixas e que seja acessível, disponível e barata", diz. Para ele, com certeza, haverá mais de uma vacina aprovada para a Covid-19 e a Anvisa terá de trabalhar em regime acelerado para registrar as vacinas aprovadas em fase 3, mantendo o rigor científico necessário. Contudo, há entraves que precisam ser pensados. O País tem cerca de 212 milhões de habitantes. Se 80% aderir à vacina, serão cerca de 170 milhões de pessoas. "Se a vacina oferecer proteção em uma única dose, precisaremos de 170 milhões de doses, mas se necessitar de duas doses, precisaremos de 340 milhões de doses", destaca. Haverá desafios logísticos, pessoas que vão tomar a primeira dose e talvez não retornem para a segunda, faltas no trabalho, filas e possíveis efeitos colaterais, como febre, dor e inchaço no local da aplicação, tudo duas vezes, em um período curto de tempo. "É preciso produzir milhões de doses e precisaremos adquirir os insumos e os adjuvantes, de mercados externos, pois o Brasil não produz aqui", lembra. Tudo isso sem contar o transporte, equipamentos de proteção individual, seringas, agulhas, luvas, entre outros. "São muitos os desafios, além de torcer para uma boa eficácia, sustentabilidade e duração da proteção vacinal" diz. Cada vacina demanda um tipo de cuidado na armazenagem e transporte e o Brasil um País gigantesco, com pessoas espalhadas em lugares muito remotos, então as vacinas têm de chegar por terra, água e ar. O professor termina com questionamentos. As candidatas vacinais estão nas mãos dos cientistas, mas e a vacinação? No Brasil, quem vai decidir quem toma primeiro? Quais os mecanismos de decisão? Será uma decisão política? Qual será o protagonismo da ciência nesse momento de decisão? Estamos prontos para a vacinação em massa, pensando em aplicação de duas doses em períodos que vão de 14 a 60 dias? E como será o acompanhamento de possíveis efeitos adversos em fase de farmacovigilância após as aplicações? Eu espero que o planejamento logístico já tenha começado". Fatores que podem causar o declínio na cobertura Ainda de acordo com o professor, a queda na cobertura pode ter várias razões, desde o subfinanciamento das prioridades de saúde pública, questões logísticas como aquisição e distribuição, ausência de campanhas de conscientização da população. Essa redução na cobertura vacinal pode ter sido influenciada também pelo sucesso do programa nacional de imunizações no País, já que algumas das principais doenças foram eliminadas, sem contar a dificuldade de acesso das famílias aos serviços essenciais de saúde. “Precisamos ter informação científica de qualidade disponível, didática, acessível, com linguagem clara para combater o movimento anti-vacinas e negacionista crescente no País, principalmente neste momento de polarização política. Precisamos de pessoas que multipliquem as mensagens e informações corretas sobre a importância da vacinação contra a Covid-19”, destaca. Segundo Dias, entre as razões que vem sendo levantadas nas redes sociais pelos grupos anti-vacinas estão teorias de conspiração, alterações de DNA, Bill Gates, chips nas vacinas, que elas causam autismo, contém mercúrio, fetos abortados, perigo e ineficácia das vacinas. O problema é que muita gente está consumindo essas informações falsas. O professor ressalta que é essencial iniciar uma campanha de engajamento e preparação da população brasileira e da infraestrutura dos SUS para combater este movimento anti-vacinas e impedir seu crescimento. “É preciso incentivar e levar uma mensagem clara para a população brasileira sobre a necessidade e importância da vacinação em massa contra a Covid-19. Temos que agir em várias frentes, a tarefa será complexa, complicada e não podemos demorar para agir, se queremos evitar que os grupos anti-vacina comecem a espalhar mentiras e fake news nas redes sociais sobre as vacinas contra o novo coronavírus”, diz. Ele alerta que a expansão das teorias de conspiração sobre a vacinação também se relaciona com problemas de comunicação entre pesquisadores, cientistas, médicos e outros profissionais da saúde com a sociedade. Nove candidatas vacinais estão na última fase de testes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente existem 192 candidatas vacinais registradas, sendo 146 em ensaios pré-clínicos, 37 em fases 1 e 2 e nove na fase 3. Quase todas precisaram de duas doses nos ensaios de fase 2 para induzir resposta de anticorpos, sendo que algumas induziram também resposta de células T.

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