crianças com deficiências

MEC incentiva separação de alunos

Decreto presidencial é considerado discriminatório e um retrocesso nas políticas de inclusão

Estadão Conteudo
Estadão Conteúdo
02/10/2020 às 08:37.
Atualizado em 27/03/2022 às 23:30
Ministro Milton Ribeiro afirmou que 'muitos estudantes não estão sendo beneficiados em classes comuns' (Isac Nobrega/PR)

Ministro Milton Ribeiro afirmou que 'muitos estudantes não estão sendo beneficiados em classes comuns' (Isac Nobrega/PR)

Decreto presidencial assinado por Jair Bolsonaro ontem incentiva que haja salas e escolas especiais para crianças com deficiências, transtornos do desenvolvimento, como o autismo e superdotação. O documento está sendo considerado um retrocesso nas políticas de inclusão no País e discriminatório porque abriria brechas para que as escolas passassem a não aceitar alunos com essas características. Entidades e parlamentares já se movimentam para barrar a medida. "Muitos estudantes não estão sendo beneficiados em classes comuns", disse o ministro da Educação, Milton Ribeiro, no lançamento ontem da Política Nacional de Educação Especial, que teve presença do presidente e da primeira-dama Michelle Bolsonaro — fluente na Língua Brasileira de Sinais e que se apresenta como defensora dos direitos das pessoas com deficiência. O decreto prevê recursos para redes públicas que quiserem adotar a política e também para entidades, como Apaes, institutos para surdos e outras, que ofereçam educação especial. Atualmente, cerca de 90% dos estudantes com deficiência ou transtornos do desenvolvimento estudam em escolas regulares no Brasil, um número que vem crescendo desde 2008 quando houve a política de inclusão. Desde então, instituições para atendimentos especiais perderam recursos do governo. Especialistas dizem que há problemas ainda na inclusão, mas que o foco dos recursos do governo deveria ser o de formar melhor os profissionais e dar mais estrutura para o atendimento nas escolas regulares, em vez de separar as crianças. Os alunos, porém, nunca deixaram de poder se matricular também em serviços especiais. O País é signatário de convenções internacionais de direitos das pessoas com deficiência que defendem a inclusão como benefício tanto para elas como para criar uma sociedade mais justa e que saiba conviver com a diferença. "Em uma sociedade moderna, isso é inconcebível, é querer separar pessoas em caixinhas. Temos que trabalhar nas barreiras que impedem essa pessoa de ter acesso e participação no mundo e não em acentuar suas diferenças", diz a coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença, da Unicamp, Maria Teresa Mantoan, sobre o decreto. Para ela, o governo está voltando o País aos anos 90 com políticas como essa. Segundo nota divulgada pelo laboratório, o decreto pretende que sejam "ofuscados ou esquecidos os ganhos obtidos pelos alunos que, em razão da inclusão escolar, puderam seguir trajetórias de vida jamais imaginadas no tempo em que era vigente no País a concepção que agora o governo federal busca desenterrar". O Leped e outras entidades da sociedade civil pretendem entrar na Justiça contra a medida. Em seu twitter, a deputada deferal Maria do Rosário (PT-RS) informou que ingressou com um projeto para tentar barrar o decreto do executivo. "Quando a gente pensa que está caminhando vem esse retrocesso enorme", disse a coordenadora do Instituto Rodrigo Mendes, Luiza Correa. A entidade sem fins lucrativos defende a educação inclusiva para pessoas com deficiência. Para ela, o governo "perverte" o conceito de inclusão ao dizer que ela acontece em salas segregadas com recursos especiais. "É uma incoêrencia falar que vai preparar melhor o estudante para a vida e, ao mesmo tempo, estimular a discriminação. Como ele vai aprender a viver em sociedade depois de adulto?" questiona. "Numa sociedade em que as pessoas são diferentes, é preciso que essas diferenças estejam em convívio e possam alimentar umas às outras", diz o jornalista Cassiano Elek, pai de Ulisses, de 3 anos, que tem Síndrome de Down. Para ele, o decreto é uma atrocidade. "É inimaginável pensar que eu, como pai, não deva lutar para que meu filho possa conviver com os perfis mais variados, é um estímulo vital para ele. Ao conviver com pessoas que tenham mais facilidade para executar tarefas x ou y, ele é estimulado a se espelhar em outras crianças".

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