pandemia

Imunidade coletiva é opção perigosa

Cientistas alertam para os riscos desta estratégia defendida por líderes como Donald Trump

France Press
18/10/2020 às 16:42.
Atualizado em 27/03/2022 às 19:51
Maria Van Kerkhove, da OMS, sobre imunidades: "é possível que os anticorpos se reduzam com o tempo" (Richard Juilliart/AFP)

Maria Van Kerkhove, da OMS, sobre imunidades: "é possível que os anticorpos se reduzam com o tempo" (Richard Juilliart/AFP)

A ideia de deixar o vírus da Covid-19 circular livremente para alcançar a imunidade coletiva, em desequilíbrio no início da pandemia, emerge cada vez mais como uma miragem perigosa - alertam vários cientistas. Trata-se de permitir que uma determinada proporção da população se infecte com o vírus, de modo que a pandemia cesse por conta própria, na ausência de novas pessoas para infectar.  Mas, depois de meses de emergência na saúde, "estamos muito, muito longe" de atingir esse limite, afirma à AFP Frédéric Altare, especialista em imunidade do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica da França. A Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou claro esta semana: "Nunca, na história da saúde pública, a imunidade coletiva foi utilizada como estratégia para responder a uma epidemia, muito menos a uma pandemia. É problemático do ponto de vista científico e ético", disse seu diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus. "Deixar um vírus perigoso livre, do qual muitas coisas nos escapam, é simplesmente contrário à ética. Não é uma opção", insistiu. A OMS calcula que, na maioria dos países, 10% da população pode ter-se contagiado com o SARS-CoV-2. Declarações de Trump a favor Portanto, bilhões de pessoas ainda podem se infectar com esse vírus, mais letal e contagioso que a gripe e para o qual ainda não existe nenhuma vacina. Em maio, a OMS alertou que os países favoráveis a perseguir a imunidade coletiva se envolveriam em "um cálculo muito perigoso". O presidente Donald Trump defendeu essa ideia com frequência. Neste mês, um grupo de cientistas lançou o apelo "The Great Barrington Declaration", a favor de deixar que o vírus circule entre os jovens com boa saúde - e, portanto, suscetíveis a não ficarem gravemente doentes -, para proteger os mais vulneráveis. Um pedido apoiado pela Casa Branca, segundo a imprensa americana. O principal benefício dessa estratégia seria evitar os danos econômicos, sociais e sanitários provocados pela pandemia, por não precisar decretar, por exemplo, novos confinamentos generalizados. É "um erro", responderam 80 cientistas na quinta-feira em uma carta aberta publicada na revista médica The Lancet. "Uma transmissão incontrolável entre os mais jovens seria muito arriscado em termos de saúde e mortalidade para o conjunto da população", afirmam, exemplificando com o risco de saturação dos sistemas de saúde. Limite mínimo A Suécia, que optou por não confinar sua população, nem fechar escolas, bares e restaurantes durante a primeira onda, registra uma mortalidade que a coloca entre os primeiros 15 países do mundo, em relação ao tamanho de sua população, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. Além disso, não se sabe quanto tempo dura a imunidade e há casos, embora raros, de reinfecção. "É possível que os anticorpos se reduzam com o tempo", lembrou na semana passada uma responsável da OMS, Maria Van Kerkhove. "As reinfecções mostram que não podemos nos basear na imunidade adquirida pela infecção natural para alcançar a imunidade de rebanho", escreveu a doutora Akiko Iwasaki, especialista em imunidade da Universidade de Yale. Alguns defensores da imunidade coletiva natural também argumentam que seu limite, estimado geralmente para um vírus entre 60% e 70% da população, seria na verdade menor, porque nem todo mundo contrai a Covid-19. Recentemente, foi descoberto que algumas pessoas já estão protegidas contra o SARS-CoV-2 quando se infectam, apesar de não terem estado em contato com ele anteriormente, segundo Frédéric Altare. Em vez de anticorpos, essas pessoas desenvolvem uma imunidade celular, graças a um determinado tipo de glóbulos brancos. Ao "conhecer" outros agentes infecciosos semelhantes ao SARS-CoV-2, esses glóbulos identificam este último como um perigo e o atacam. "Isso significa que os dados que afirmam que entre 5% e 10% da população já poderia estar imunizada estão certamente subestimados, mas não sabemos até que ponto", continua Altare. No entanto, mesmo levando-se em consideração todos os fatores relevantes, a porcentagem mínima necessária para alcançar a imunidade coletiva "seria de 50%" e, portanto, produziria um número considerável de mortes no caminho, acrescenta.  Sendo assim, a imunidade coletiva deve passar por "vacinas seguras e eficazes", segundo a doutora Iwasaki. Cidade chinesa vende vacina experimental A cidade de Jiaxing, na região leste da China, oferece a alguns habitantes uma vacina experimental contra o coronavírus a 60 dólares, anunciaram as autoridades locais, a primeira operação do tipo no país, que acontece com uma vacina que ainda não foi aprovada.  Os moradores com idades entre 18 e 59 anos e em situações "urgentes" podem seguir até o hospital para uma possível administração da vacina da empresa privada Sinovac Biotech, que as autoridades já aplicaram em grupos como os profissionais da saúde. O centro de Jiaxing para o controle e a prevenção de doenças não explicou o que é considerado situação "urgente". As autoridades não informaram quantas pessoas da cidade já receberam a vacina, aplicada em duas doses administradas com até 28 duas de intervalo e com um custo total de 400 yuanes (59 dólares). Ao mesmo tempo, a China já administrou uma vacina experimental em centenas de milhares de trabalhadores de áreas consideradas essenciais, em portos, hospitais e outros setores de alto risco em todo país, segundo as autoridades.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por