tempestade à vista

Fim do auxílio ameaça a retomada

Medida atenuou efeitos da pandemia, mas término do programa pode provocar nova crise econômica

Da Agência Anhanguera
11/10/2020 às 14:08.
Atualizado em 27/03/2022 às 23:03
Desde abril, as pessoas que já fizeram o cadastro no sistema podem retirar o auxilio emergencial nas agências da CEF e casas lotéricas; em Campinas, o movimento foi intenso (Wagner Souza/AAN)

Desde abril, as pessoas que já fizeram o cadastro no sistema podem retirar o auxilio emergencial nas agências da CEF e casas lotéricas; em Campinas, o movimento foi intenso (Wagner Souza/AAN)

Estudo realizado por especialistas do Núcleo de Estudos de Conjuntura (NEC) da Facamp, de Campinas — com base em contas nacionais divulgadas pela IBGE — reconhece o impacto positivo do auxílio emergencial na economia, mas faz um alerta. Para eles, a medida atenuou os efeitos da pandemia de forma significativa, mas o fim do programa, previsto para dezembro, pode provocar nova crise e estagnação econômica em 2021. O estudo avalia que o pacote emergencial brasileiro foi rápido em algumas ações – especialmente as voltadas à gestão da liquidez nos mercados financeiros – mas tardou na resposta em algumas áreas – como o socorro aos Estados e Municípios. Em relação às medidas fiscais, é destaque o peso (61%) do Auxílio Emergencial no montante total das medidas adotadas até o momento. As parcelas de R$ 600 ou R$ 1.200 pagas para mais de 60 milhões de brasileiros geraram efeitos positivos tanto no rendimento médio quanto no consumo das famílias. Considerando apenas o mês de junho e a renda média de todos os tipos de trabalho, a renda com o auxílio emergencial superou em 24% a renda pré-pandemia. Em julho, o ganho de renda foi ainda maior, em torno de 29%. A ausência do programa emergencial, por sua vez, acarretaria numa perda média de renda de 18% em junho. No caso dos trabalhadores informais o ganho de renda em junho foi de 50% em relação à renda usual pré-pandemia. Este montante da renda emergencial é superior a pacotes adotados por economias emergentes, mas distante do injetado pelo G-20. A queda de 9,7% do PIB no segundo trimestre de 2020 ilustra a profundidade dos efeitos da pandemia sobre a atividade econômica, especialmente em abril, mas poderia ser ainda maior sem o auxílio emergencial. O professor de macroeconomia da Facamp, Saulo Abouchedid, coordenador do NEC, explica que há pontos positivos com o auxílio emergencial no cenário econômico da pandemia no país, mas adverte que por ser um programa com fim previsto para breve, há a necessidade do que chama de “políticas anticíclicas” de longo prazo, que possam sustentar a retomada de crescimento econômico. Segundo ele, medidas anticíclicas têm o objetivo de estabilizar a flutuação econômica. Estima-se que o montante injetado pelo auxílio emergencial terá um impacto de 2,5% do PIB em 2020 comparado a 2019. O impacto sobre a demanda agregada pode ser analisado pelos seus efeitos sobre o varejo e a indústria. Nesses dois setores, grande parte dos subsetores ligados ao comportamento da renda (alimentos, móveis e eletrodomésticos, artigos farmacêuticos, médicos e de higiene pessoal, material de construção, etc.) encontra-se num patamar superior ao registrado no período pré-pandemia, refletindo o acréscimo na renda média proporcionado pelo auxílio emergencial. O varejo mais positivamente impactado foi o das regiões mais pobres do país, como Norte e Nordeste. Segundo Abouchedid, a análise do comportamento da economia neste período aponta que faltou uma diversificação de medidas, como, por exemplo, de apoio às pequenas e médias empresas, que ficaram sem capital de giro e sofreram as maiores perdas nos primeiros trimestres, com grande demissão e encerramento de pequenos negócios. “O apoio foi lento e chegou tarde demais, apesar de agora haver sinais de que este crédito chegou ao pequeno comércio e para os serviços. O governo precisa sinalizar que vai adotar outras medidas de maior alcance para diminuir as incertezas dos empresários e das famílias a partir principalmente de 2021”, adverte o professor. Os impactos da crise sanitária de fato foram mais dramáticos para as empresas menores. Mais da metade da redução de vagas foi concentrada nas empresas de pequeno porte (até cinco funcionários). Foram 4,8 milhões de postos de trabalho a menos para as empresas de um a cinco funcionários, 1,8 milhões de vagas cortadas nas empresas acima de 50 funcionários e pouco menos de 2,5 milhões nas empresas entre seis e 50 funcionários. Mesmo tendo a maior redução em termos absolutos, a variação percentual ante 2019 foi maior para as empresas de 6 a 10 empregados, devido à menor participação dessas empresas no total de vagas ofertadas no mercado de trabalho. Para os analistas, a retomada depende, entre outros fatores, do quanto as empresas estão aumentando seus investimentos (em máquinas, equipamentos e material de construção, por exemplo). Hoje, o nível de investimento está 20% menos que em 2014, mesmo cenário antes da crise sanitária, por falta de estímulos e pelo baixo investimento público. Este aumento do investimento público será ainda mais relevante para a retomada dos investimentos em geral, avalia o estudo. Mercado de trabalho sugere atenção O mercado de trabalho ao longo do segundo trimestre sugere dois pontos de atenção para os próximos meses. O primeiro é a retomada das ocupações informais num ritmo superior em relação às vagas formais. A persistência desse quadro, pode indicar um aumento da já elevada precarização do mercado de trabalho. O segundo ponto diz respeito à assimetria na recuperação das vagas entre o setor de serviços e os demais setores. A crise sanitária afetou de maneira mais profunda o setor de serviços e impactou a cesta de consumo das famílias brasileiras, beneficiando certos setores do comércio (especialmente e-commerce) e da indústria. No entanto, o dinamismo do mercado de trabalho brasileiro concentrou-se cada vez mais, nos últimos anos, na atividade de serviços, especialmente pequenas empresas dos setores de alimentação, transporte e informação. As incertezas em relação à retomada do setor de serviços nos próximos trimestres ainda serão os principais entraves para a recuperação sustentável da atividade econômica como um todo. E essa recuperação é mais dependente do auxílio emergencial e de outros programas de transferência de renda. (com Estadão Conteúdo)

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