ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

Eleição na Venezuela altera equilíbrio geopolítico global

Pesquisas eleitorais na Venezuela apresentam resultados divergentes em relação ao pleito presidencial marcado para o próximo domingo (28)

Do Correio.com
23/07/2024 às 15:44.
Atualizado em 23/07/2024 às 15:44
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, declarou que o país pode enfrentar um "banho de sangue" e uma "guerra civil" caso não seja reeleito para um terceiro mandato (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, declarou que o país pode enfrentar um "banho de sangue" e uma "guerra civil" caso não seja reeleito para um terceiro mandato (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

As pesquisas eleitorais na Venezuela apresentam resultados divergentes em relação ao pleito presidencial marcado para o próximo domingo (28). Enquanto algumas enquetes indicam uma vitória com ampla margem para o principal candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, outras apontam para a reeleição do atual presidente Nicolás Maduro, também com vantagem confortável.

Institutos de pesquisa como Datincorp, Delphos e Meganálisis apontam a vitória de Edmundo, da Mesa da Unidade Democrática (MUD), apoiado pela política María Corina Machado. Ela era a favorita da oposição após vencer as primárias, mas teve sua candidatura vetada por condenações judiciais.

Por outro lado, pesquisas do Centro de Medição e Interpretação de Dados Estatísticos (Cmide), Hinterlaces e Internacional Consulting Services (ICS), entre outros, indicam que Nicolás Maduro deve se reeleger para um terceiro mandato, segundo informações da Telesur, veículo estatal do país.

DIVERGÊNCIAS 

O sociólogo, economista político e analista venezuelano Luis Salas em entrevista à Agência Brasil, ressaltou que as pesquisas eleitorais na Venezuela historicamente favorecem o voto opositor. “Historicamente, desde que o chavismo chegou ao poder, as pesquisas sempre sobrevalorizaram o voto opositor. Desde que Chávez foi presidente, e depois Maduro, os principais institutos de pesquisa erram e favoreceram o voto da oposição”, afirmou.

A especialista Carmen Beatriz Fernández, diretora da DataStrategia, alertou para os problemas na medição de votos na Venezuela. “Por que falham as pesquisas eleitorais? Basicamente por três razões: por causa da volatilidade do eleitorado; por falhas metodológicas e porque não são pesquisas, se não pseudopesquisas feitas para desinformar e serem usadas como propaganda”, destacou em uma rede social.

O venezuelano Francisco Rodriguez, professor da Universidade de Denver, reforçou a pouca confiança nas pesquisas do país. Segundo ele, desde 2017, sete institutos de pesquisas vêm sobrevalorizando o voto opositor. “Esses mesmos inquéritos sobrevalorizaram o voto da oposição, em média, nos últimos 10 anos, em 27,8%. Se corrigirmos esse viés, teríamos um virtual empate técnico [entre Maduro e Edmundo González]”, afirmou em uma rede social.

CONTEXTO ELEITORAL E ECONÔMICO

No próximo domingo, cerca de 21 milhões de venezuelanos deverão eleger o próximo presidente, que governará o país sul-americano entre 2025 e 2031. O atual presidente, Nicolás Maduro, no poder desde 2013, enfrenta nove concorrentes. Esta é a primeira eleição desde 2015 em que toda a oposição aceitou participar. Desde 2017, os principais partidos de oposição vinham boicotando as eleições nacionais.

A Venezuela enfrenta um bloqueio financeiro e comercial desde 2017, quando potências como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e União Europeia passaram a não reconhecer a legitimidade do governo Maduro. O país também passou por uma grave crise econômica, com hiperinflação e perda de cerca de 75% do PIB, resultando na migração de mais de 7 milhões de pessoas.

Desde meados de 2021, a Venezuela vem mostrando alguma recuperação econômica. A hiperinflação foi controlada e a economia voltou a crescer em 2022 e 2023, porém, os salários continuam baixos e os serviços públicos deteriorados. Desde 2022, o embargo econômico vem sendo parcialmente flexibilizado e um acordo entre oposição e governo foi firmado para as eleições deste ano. Contudo, denúncias de prisões de opositores e recusas de alguns candidatos da oposição em assinar acordo para respeitar o resultado eleitoral geram dúvidas sobre o período pós-votação.

Implicações Geopolíticas

O fato de a Venezuela ser um país petroleiro, dono das maiores reservas comprovadas do mundo, e de o atual governo manter relações tensas com potências ocidentais e proximidade com China, Rússia e Irã, faz com que a eleição tenha amplas implicações geopolíticas, segundo especialistas consultados pela Agência Brasil.

Alexandre Pires, professor de relações internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), ressaltou que a permanência de Nicolás Maduro no poder manteria o bloco de países formado por China, Rússia e Irã com um importante parceiro no continente sul-americano. Por outro lado, se a oposição vencer, a tendência é de o país retomar um alinhamento político com os Estados Unidos. “É claro que o contato e as parcerias provavelmente seriam mantidos, especialmente no nível econômico, mas a Venezuela entraria em uma situação de maior normalidade, talvez conseguindo restabelecer laços com os Estados Unidos, país do qual inevitavelmente são muito dependentes”, afirmou.

Pires lembrou ainda que a vitória da oposição poderia elevar os investimentos no setor petroleiro, ajudando a recuperar a principal indústria do país. “A Venezuela conseguiria também colocar mais petróleo no mercado, influenciando o preço da mercadoria e impactando sua relação com a Opep.”

Estabilidade e Mobilização

O professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Nildo Ouriques, destacou que a questão do petróleo torna o caso venezuelano particularmente importante. Ele acredita que não há possibilidade de estabilidade política na Venezuela, independentemente de quem vença. “A América Latina não pode trabalhar com o conceito de estabilidade política porque estamos submetidos à pressão imperialista. Nenhum país submetido à pressão imperialista pode falar em estabilidade política”, afirmou.

Para Nildo, a capacidade de mobilização dos chavistas será um fator significativo se a oposição vencer. “Se ganhar a oposição, os bolivarianos têm capacidade de mobilização e de esquentar a chapa contra o governo. E, se ganhar Maduro novamente, a luta contra ele, apoiada pela embaixada dos EUA, com apoio dos meios de comunicação, vai continuar”, completou.

Efeito Simbólico

Luis Salas destacou que a vitória da oposição teria um importante efeito simbólico devido ao processo político iniciado em 1999, com a chegada de Hugo Chávez ao poder. “Do ponto de vista geopolítico, a vitória da oposição teria muitas implicações. Um eventual governo de Edmundo González e María Corina Machado significaria um alinhamento com [Javier] Milei na Argentina e com governos reacionários, como o do Equador e o do Peru. Isso significaria para a região uma mudança geopolítica importante, além de simbólica, tratando-se de Venezuela”, afirmou.

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