pior que EUA

Bolsonaro: sem voto impresso, teremos problema

Após a invasão do Congresso americano, ele voltou a levantar suspeitas sobre urnas eletrônicas

Estadão Conteudo
Estadão Conteúdo
08/01/2021 às 07:56.
Atualizado em 22/03/2022 às 13:40
Presidente Jair Bolsonaro fez comentários sobre eleições brasileiras ao ser questionado sobre a invasão ao Capitólio, nos EUA, na quarta-feira (Roberto Schmidt/AFP)

Presidente Jair Bolsonaro fez comentários sobre eleições brasileiras ao ser questionado sobre a invasão ao Capitólio, nos EUA, na quarta-feira (Roberto Schmidt/AFP)

Após extremistas invadirem a sede do Legislativo americano para interromper a confirmação da eleição nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro voltou a levantar dúvida sobre a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e a pressionar pela instituição do voto impresso. Sem citar diretamente o ataque ao Capitólio, Bolsonaro afirmou que o modelo eletrônico pode levar o Brasil a ter um problema pior que os EUA. A declaração foi tratada como "ameaça" pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Novamente sem qualquer referência a provas que possam sustentar suas afirmações, Bolsonaro repetiu que houve fraude nas eleições americanas. As declarações foram feitas em conversa com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, na manhã de ontem. Nos Estados Unidos, a invasão ocorreu após discurso do atual presidente, Donald Trump, em que ele prometeu que jamais admitirá a derrota eleitoral. Apesar do ataque, o Congresso confirmou a vitória do democrata Joe Biden.

"O pessoal tem que analisar o que aconteceu nas eleições americanas agora. Basicamente qual foi o problema, causa dessa crise toda? Falta de confiança no voto. Então lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos Correios por causa da tal da pandemia e houve gente que votou três, quatro vezes, mortos votaram, foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí. E aqui no Brasil, se tivermos o voto eletrônico em 2022, vai ser a mesma coisa. A fraude existe”, disse.

Bolsonaro fez referência à falta de apresentação de provas sobre fraude nas eleições american, dizendo que não responderia mais à imprensa, a quem chamou de "canalhas".

Bolsonaro ainda reclamou do fato de Trump ter suas contas em redes sociais bloqueadas após o americano elogiar os apoiadores que invadiram o Capitólio e fazer afirmações sem provas de fraude nas eleições do país. "Bloquearam o Trump nas redes sociais, um presidente eleito. Ainda presidente, tem suas mídias bloqueadas", disse o presidente brasileiro.

Mais uma vez sem apresentar provas, Bolsonaro voltou a alegar que as eleições de 2018, da qual saiu vencedor, registraram fraudes que lhe tiraram uma vitória em primeiro turno. "A minha foi fraudada. Eu tenho indício de fraude na minha eleição, era para ter ganho no primeiro turno", declarou.

Na noite de quarta-feira, também ao interagir com apoiadores, Bolsonaro já havia comentado os atos de vandalismo no Legislativo americano. "Eu acompanhei tudo hoje. Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual a minha resposta aqui. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás e a imprensa falou: 'sem provas, presidente Bolsonaro falou que foi fraudada as eleições americanas'".

Durante visita aos Estados Unidos, em 9 de marçode 2020, o próprio Bolsonaro disse que apresentaria provas de que as eleições de 2018 foram fraudadas, o que nunca fez. A tese de fraude já foi rebatida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que garantiu a segurança da urna eletrônica. "Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos", disse o presidente.

Reações

A declaração do presidente Bolsonaro destoou do tom adotado por autoridades dos Poderes Legislativo e Judiciário brasileiros, que condenaram a invasão nos EUA

Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), as declarações de Bolsonaro indicam que ele não aceitará uma eventual derrota nas eleições de 2022. "Como Trump, me parece que Bolsonaro é um jogador que não admite uma derrota e ele já vai organizando o campo das ameaças com dois anos de antecedência. Certamente já tem avaliações internas de que vai ter muita dificuldade na sua reeleição", disse. "É também um somatório de ataques às instituições. Primeiro, Congresso e Supremo e, agora, ataque claro ao poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)", disse. Maia classificou o ataque ao Capitólio, nos EUA de "desespero de uma corrente antidemocrática que perdeu as eleições".

O presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), chamou o episódio de tentativa de insurreição.

"As imagens da invasão ao Congresso americano, em uma tentativa clara de insurreição e de desprezo ao resultado das eleições por parte de um grupo, são inaceitáveis em qualquer democracia e merecem o repúdio e a desaprovação de todos os líderes com espírito público e responsabilidade", escreveu Alcolumbre.

Presidente chama Bonner de 'canalha' e 'sem vergonha'

O presidente Bolsonaro chamou o jornalista William Bonner de "canalha" e "sem vergonha" em conversa com apoiadores ontem. Ele ainda atacou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e o youtuber Felipe Neto.

"Pessoal da imprensa, sem vergonha, William Bonner, sem vergonha, vai ter seringa para todo mundo. William Bonner, por que seu salário foi reduzido? Porque acabou a teta do governo. Vocês têm que criticar mesmo", disse.

Na conversa exibida em um canal de Youtube, Bolsonaro continuou: "Vocês falam que não comprei seringa agora. Por quê? Porque quando fui comprar, o preço dobrou. Se eu compro, vão falar que eu comprei superfaturado. Não dou essa chance para vocês. Brasil é um dos países que mais produz seringas. Não vai faltar seringas", disse. No final, Bolsonaro voltou a atacar Bonner: "Agora estão dizendo que vai faltar seringa para outras doenças. São canalhas. Bonner, você é o maior canalha que existe. O tempo todo mentindo".

Bolsonaro criticou ainda o youtuber Felipe Neto, que recentemente jogou uma partida de futebol com amigos e, posteriormente, admitiu ter errado devido à pandemia da Covid-19. "A gente está vendo artistas globais correndo na praia, jogando futebol... O Filipe Neto né? Daí ele coloca no tuíte dele: 'Quando eu saía do gol e ia para frente, eu botava máscara'", disse.

Em relação ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Bolsonaro criticou a recomendação no período inicial da pandemia, para não ir a hospitais com sintomas leves. "Aqui o pessoal fala que não pode hidroxicloroquina e invermetina, mas vai oferecer o que? Vão dar uma de Mandetta? Quando tiver falta de ar vai para o hospital? Ô Mandetta, fazer o que no hospital se não tem remédios", disse.

'É um alerta à democracia brasileira', diz Fachin

O vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, afirmou ontem que a violência cometida contra o Capitólio deve colocar em alerta a democracia brasileira.

Ao destacar a realização das eleições presidenciais no Brasil em 2022, Fachin afirmou "quem desestabiliza a renovação do poder ou falsamente confronta a integridade das eleições deve ser responsabilizado em um processo público e transparente". "A democracia não tem lugar para os que dela abusam", disse, em nota divulgada pelo gabinete.

"Na escalada da diluição social e institucional dos dias correntes faz parte dessa estratégia minar a agenda jurídico-normativa que emerge da Constituição do Estado de Direito democrático. Intencionalmente, desorienta-se pelo propósito da ruína como meta, do caos como método e do poder em si mesmo como único fim. O objetivo é produzir destroços econômicos, jurídicos e políticos por meio de arrasamento das bases da vida moral e material", afirmou Facchin.

A invasão do Capitólio também foi duramente criticada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso. "No triste episódio nos EUA, apoiadores do fascismo mostraram sua verdadeira face: antidemocrática e truculenta. Pessoas de bem, independentemente de ideologia, não apoiam a barbárie. Espero que a sociedade e as instituições americanas reajam com vigor a essa ameaça à democracia", escreveu Barroso no Twitter.

Barroso também reagiu às declarações do presidente Bolsonaro sobre fraudes nas eleições brasileiras. "O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, lida com fatos e provas, que devem ser apresentadas pela via própria. Eventuais provas, se apresentadas, serão examinadas com toda seriedade pelo Tribunal", diz a nota enviada por sua assessoria. A tese de fraude já foi rebatida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que garantiu a segurança da urna eletrônica.

Jurista considera que fala do presidente é criminosa

O presidente Jair Bolsonaro voltou a cometer crime de responsabilidade ao afirmar ontem que haverá um motim no Brasil se as eleições de 2022 forem eletrônicas. É o que afirma a jurista Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal, especializada em Processo Penal e Criminologia.

Segundo ela, a declaração de Bolsonaro se configura como incitação ao crime. "Numa análise rápida, vemos que a fala dele se enquadra nos artigos 4 e em quatro incisos do artigo 7 da Lei 1079/50. É clara a incitação à violência e ao crime contra as instituições democráticas", analisa a jurista Jacqueline Valles.

A mestre em Direito Penal esclarece que as afirmações do presidente se configuram em um atentado contra a Constituição Federal. "Podemos encaixar a fala dele como uma ameaça à segurança interna do País, conforme previsto no inciso IV do artigo 4 da Lei 1079, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento."

De acordo com ela, essa lei estabelece como crime de responsabilidade impedir, por violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto; utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral; subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social; e violar qualquer direito ou garantia individual constante dos artigos 141 e 157 da Constituição. "Ao ameaçar motim caso não seja implantando o voto impresso, além de irresponsável, a fala do presidente pode ser enquadrada nos referidos artigos da Lei de Responsabilidade", afirma.

Para Jacqueline Valles, "o chefe do Executivo não pode ter um comportamento tão desrespeitoso em relação às instituições civis, nem pode incitar a violência. O que aconteceu nos Estados Unidos é muito grave e incitar uma base de apoiadores a fazer o mesmo no Brasil se não houver retrocesso ao voto impresso é igualmente grave", finaliza. (AAN)

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