Cezar Bitencourt afirmou que seu cliente confirmou em depoimento ao STF que o ex-presidente da República tinha conhecimento do que estava sendo tramado
Cezar Bitencourt e Mauro Cid em depoimento do militar à CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal: delator disse que Bolsonaro tinha conhecimento sobre preparação do golpe (Antônio Cruz/Agência Brasil)
O advogado do tenente-coronel Mauro Cid, Cezar Bitencourt, afirmou ontem que não é possível negar que Jair Bolsonaro sabia da movimentação para o golpe de Estado, porém, não se pode dizer que o ex-presidente tinha conhecimento do plano para executar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. As declarações ocorreram em entrevista à GloboNews.
"Olha, o plano de golpe de Estado, nem sei se estava em curso, porque eu sei que havia uma turbulência, digamos assim, administrativa no governo, nas proximidades do governo. Claro que ele, Jair Bolsonaro, tinha conhecimento" sobre o golpe, afirmou Bitencourt, que disse não saber sobre qual tipo de plano de golpe se tratava. "Agora, tinha o interesse", afirmou, "no que estava acontecendo naqueles dias. O presidente sabia".
O advogado de Cid disse também que Bolsonaro tinha contato permanente com o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, que foi um de seus principais auxiliares no governo. No decorrer da entrevista, demonstrando certo incômodo, questionado sobre detalhes apontados na delação de Mauro Cid, Bitencourt se esquivou e tentou por algumas vezes encerrar sua participação. No entanto, ele admitiu que "delação é muito difícil" e é contra esse instrumento. "Temos que andar no fio da navalha", frisou.
AGENDA
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou ontem que o indiciamento de Jair Bolsonaro pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado não deve interferir na agenda do governo no Congresso. Segundo ele, o Legislativo mantém o compromisso com a pauta econômica do Executivo.
"Eu sinto no Congresso Nacional um compromisso muito grande com a agenda econômica do governo", afirmou Padilha à CNN Brasil, agenda em que, acrescentou, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, irão fazer a "poda adequada" para a "árvore" continuar dando frutos, em referência aos cortes de gastos e ao crescimento econômico do País, respectivamente. Ele disse que esse "compromisso" do Legislativo vai se manter
O ministro avaliou também que alguns parlamentares podem tentar fazer uma paralisação, por conta do indiciamento do ex-presidente, mas que isso não atrapalha "a condução da agenda prioritária", que seria a "econômica e social".
Padilha relatou que quando ele e os ministros souberam da tentativa de execução do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, ficaram "indignados". Ele disse ainda que o chefe do Executivo demonstra confiança na PF para a apuração do ocorrido.
REPERCUSSÃO
O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas, acusadas pela Polícia Federal (PF) de terem planejado e executado ações para um golpe de Estado, está repercutindo entre políticos e autoridades. Um dos primeiros a se manifestar foi o advogado-geral da União, Jorge Messias, que exaltou o combate a tentativas de violar o regime democrático.
"A notícia de indiciamentos pela PF do ex-mandatário e de integrantes do núcleo de seu governo pela prática dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa oferece ao país a possibilidade de concretizar uma reação eficaz aos ataques à nossa democracia, conquista valiosa e indelével do povo brasileiro", disse Messias.
No início da tarde de quinta, a PF confirmou o envio ao Supremo Tribunal Federal (STF) do relatório final da investigação. Além de Bolsonaro, entre os indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa estão o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos; o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin); o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; e o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, Walter Souza Braga Netto.
"A gente vê com absoluta perplexidade e indignação as informações que foram relevadas pelo inquérito, onde a gente encontra o próprio expresidente da República no topo da cadeia de comando da organização criminosa, generais, coronéis, servidores públicos do governo federal que faziam parte do núcleo da campanha e do governo Bolsonaro. Tramando contra a democracia com uma audácia quase que inacreditável, sem qualquer tipo de limite, ao ponto de tramarem contra a própria vida do presidente Lula, do vicepresidente Alckmin e do (ex) presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes. São crimes muito graves, são acusações muito sérias", afirmou o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta.
Já o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro e aliado próximo de Bolsonaro, atribuiu os indiciamentos a narrativas construídas nos últimos anos. Ele ainda pediu que a Procuradoria Geral da República (PGR) analise com cautela o inquérito da PF.
"Diante de todas as narrativas construídas ao longo dos últimos anos, o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro, do presidente Valdemar Costa Neto e de outras 35 pessoas, comunicado na presente data pela Polícia Federal, não só era esperado como representa sequência a processo de incessante perseguição política ao espectro político que representam. Espera-se que a ProcuradoriaGeral da República, ao ser acionada pelo Supremo Tribunal Federal, possa cumprir com serenidade, independência e imparcialidade sua missão institucional, debruçando-se efetivamente sobre provas concretas e afastando-se definitivamente de meras ilações", afirmou.
O senador ainda prosseguiu: "Ao reafirmar o compromisso com a manutenção do Estado de Direito, confiamos que o restabelecimento da verdade encerrará longa sequência de narrativas políticas desprovidas de suporte fático, com o restabelecimento da normalidade institucional e o fortalecimento de nossa democracia."
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu pena de prisão para os acusados de golpe de Estado. "O indiciamento de Jair Bolsonaro e sua quadrilha, instalada no Planalto, abre o caminho para que todos venham a pagar na Justiça pelos crimes que cometeram contra o Brasil e a democracia: tentar fraudar eleições, assassinar autoridades e instalar uma ditadura. Prisão é o que merecem! Sem anistia!", postou.
Antes da entrega do relatório da PF, o presidente Lula comentou, durante um evento no Palácio do Planalto, os planos revelados pelos investigadores sobre a tentativa do seu assassinato, em 2022, no contexto da preparação do golpe de Estado elaborado por militares e integrantes do governo anterior. "Eu tenho que agradecer, agora, muito mais porque eu estou vivo”.