'Sem a prática de off label, diversas doenças não teriam tratamento'
Presidente Jair Bolsonaro se mantém em isolamento devido à Covid-19 e deve fazer novo exame esta semana (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender, na manhã de ontem, o uso de medicamentos sem comprovação científica ou necessidade de seguir orientações da bula no tratamento de doenças. Desde o início da pandemia, Bolsonaro faz propaganda da cloroquina para combater o novo coronavírus. No domingo, o presidente, que está em isolamento após contrair a Covid-19, ergueu uma caixa do fármaco diante de apoiadores e foi saudado por eles. "É importante lembrar que o uso off label (fora da bula) de medicamentos é consagrado na Medicina, desde que haja clara concordância do paciente. E que, sem a prática do off label, diversas doenças ainda estariam sem tratamento", escreveu Bolsonaro no Twitter, ontem, citando trecho de uma publicação da Associação Médica Brasileira (AMB). O texto completo foi compartilhado pelo presidente através de um link. No texto, a AMB trata especificamente sobre a hidroxicloroquina e reforça que "não existem estudos seguros, robustos e definitivos sobre a questão", em referência ao tratamento do novo coronavírus. A entidade também critica o uso político do medicamento, que, na visão da AMB, "deixará um legado sombrio para a Medicina brasileira". "Médicos, entidades, políticos, influenciadores e palpiteiros seguem monitorando estudos sobre o uso de hidroxicloroquina em pacientes acometidos pela Covid-19. Uns procurando provas de que se trata da salvação. Outros, de que é puro placebo. Ou pior: veneno (mesmo diante do fato de que os efeitos adversos são limitados e conhecidos há mais de cinco décadas). Muitos sairão da pandemia apequenados, principalmente médicos e entidades médicas que escolherem manipular a ciência para usá-la como arma no campo político-partidário", diz o texto. "É bastante provável que cheguemos ao final da pandemia sem evidências consistentes sobre tratamentos. E também sobre diversos outros aspectos próprios de uma nova enfermidade. Pois estudos adequados e robustos são caros e demorados. E estamos falando de uma medicação barata, que, portanto, não tem, nem terá financiamento da indústria que suporte os investimentos necessários para minimizar as incertezas", continua a Associação Médica em outro trecho. Ao final, quando faz referência ao uso "off label" de medicamentos, a AMB diz que "não se trata de apologia a este ou àquele fármaco", e sim de "respeito aos padrões éticos e científicos construídos ao longo dos séculos". "Não podemos permitir que ideologias e vaidades, de forma intempestiva, alimentadas pelos holofotes, nos façam regredir em práticas já tão respeitadas. Não se pode clamar por ciência e adotar posicionamentos embasados em ideologia ou partidarismo, ignorando práticas consolidadas na Medicina. Isso é um crime contra a Medicina, contra os pacientes e, sobretudo, contra a própria ciência", conclui a publicação.