líbano

Beirute vive um cenário apocalíptico

Um dia após as violentas explosões, praticamente metade da capital libanesa estava destruída

France Press
06/08/2020 às 08:11.
Atualizado em 28/03/2022 às 19:32
Região destruída no porto de Beirute: epicentro das violentas explosões (AFP)

Região destruída no porto de Beirute: epicentro das violentas explosões (AFP)

Beirute vivia ontem "uma situação apocalíptica", um dia depois de duas enormes explosões provocadas por toneladas de nitrato de amônia armazenadas no porto da cidade, que deixaram mais de 100 mortos, milhares de feridos e milhares de desabrigados. Segundo o último balanço do Ministério da Saúde, 113 pessoas morreram, dezenas estão desaparecidas, e há mais de 4.000 feridos. Declarada "cidade sinistrada" pelo Conselho Superior de Defesa, a capital libanesa acordou em choque e enlutada. Segundo as autoridades, cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amônia, armazenadas "sem medidas de segurança" no porto de Beirute, são a origem das potentes explosões - as mais graves já registradas na capital libanesa. O governo decretou estado de emergência por duas semanas em Beirute e pediu a prisão domiciliar dos responsáveis pela armazenagem do nitrato de amônia. De acordo com o governador de Beirute, Marwan Abbud, até 300 mil pessoas estão desabrigadas. Até o momento, os danos estão estimados em mais de US$ 3 bilhões e atingem, segundo ele, quase metade desta cidade de dois milhões de habitantes. "Quase metade de Beirute está destruída, ou danificada. A situação é apocalíptica. Beirute nunca viveu isso em sua história", disse o governador. "Parecia um tsunami, ou Hiroshima (...). Foi um verdadeiro inferno. Algo me atingiu na cabeça, e todos os objetos começaram a voar ao meu redor", contou à AFP Elie Zakaria, morador do bairro de Mar Mikhail, famoso por seus bares noturnos e que se encontra voltado para o porto. "É um massacre. Fui para a varanda e vi gente gritando, ensanguentada. Estava tudo destruído", relatou. A potência das explosões foi tão intensa que os sensores do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês) as registraram como um terremoto de 3,3 pontos na escala Richter. A onda de choque dessas deflagrações foi sentida até na ilha do Chipre, a mais de 200 quilômetros de distância. No epicentro da tragédia, o panorama é desolador: lixeiras parecem latas de conserva retorcidas, e carros estão incinerados pelas ruas. Com a ajuda de policiais, os socorristas passaram a noite em busca de sobreviventes e mortos sob os escombros. As operações continuam. Os hospitais da capital, que já lidam com a pandemia do coronavírus, estão saturados. Moradores feridos buscavam atendimento ao longo de toda noite. O primeiro-ministro Hassan Diab decretou dia de luto nacional para esta ontem. Ele prometeu que os responsáveis vão "prestar contas" e pediu ajuda aos "países amigos" do Líbano. "É inadmissível que um carregamento de nitrato de amônia, estimado em 2.750 toneladas, esteja há seis anos em um armazém, sem medidas preventivas. Isso é inaceitável e não podemos permanecer em silêncio sobre o tema", declarou o primeiro-ministro durante a reunião do Conselho Superior de Defesa. Nitrato de amônia A substância é um sal branco e inodoro, usado na composição de certos tipos de fertilizantes na forma de grãos, altamente solúveis em água. Também é usado na fabricação de explosivos e já causou vários acidentes industriais. Uma fonte dos serviços de segurança disse à AFP que o nitrato de amônia havia sido apreendido em um navio avariado há seis anos e colocado no armazém número 12 do porto, "sem qualquer monitoramento". Nas ruas de Beirute, soldados evacuavam moradores atordoados, muitos ensanguentados, com camisas amarradas ao redor da cabeça para conter os ferimentos. As forças de segurança isolaram a região portuária. O acesso está autorizado apenas para os serviços de Defesa Civil, as ambulâncias e os bombeiros. Nas redes sociais, os libaneses voltaram a expressar sua irritação com a classe política, a qual acusam de corrupção, estimando que a explosão foi resultado de sua má gestão e negligência. Comovidos, vários países enviam ajuda Muitos países começaram a enviar, ontem, ajuda ao Líbano, atendendo ao “apelo urgente a todos os amigos e países irmãos" feito pelo primeiro-ministro libanês, Hassan Diab.  O presidente francês Emmanuel Macron anunciou o envio de médicos, um destacamento de segurança civil e de "várias toneladas de material sanitário". Canadá, Reino Unido e Estados Unidos também se declararam dispostos a ajudar o povo libanês, assim como a Alemanha, que conta com membros de sua embaixada em Beirute entre os feridos. Países do Golfo - alguns com estreitas relações diplomáticas e econômicas com o Líbano - também ofereceram sua ajuda prontamente. Apesar de estar tecnicamente em guerra com o Líbano, Israel também ofereceu "ajuda humanitária e médica ao governo libanês". A ONU começou a enviar kits de traumatologia e cirurgia de seu armazém regional em Dubai. O papa Francisco pediu "orações pelas vítimas, por suas famílias e pelo Líbano" e o envio de "ajuda da comunidade internacional". O Brasil que abriga cerca de 10 milhões de libaneses, entre nativos e descendentes, exprimiu seu pesar através de um post no Twitter do presidente Jair Bolsonaro: " Manifesto minha solidariedade às famílias das vítimas fatais e aos feridos", escreveu. Catástrofe piora ainda mais a precária situação do país Para os libaneses que assistiam desamparados o colapso de seu país, vivendo as consequências de uma precarização nova para eles, as explosões mortais e devastadoras são a catástrofe que faltava. Há vários meses, cada vez mais libaneses afetados pelo colapso econômico se voltam para organizações humanitárias, que atendem principalmente os dois milhões de refugiados sírios e palestinos que vivem no país. Mas depois das explosões que destruíram casas e deixaram milhares de pessoas nas ruas, as ONGs temem o pior. Nos últimos meses, os libaneses da classe média, professores, funcionários públicos ou enfermeiros, sofreram com a queda histórica da moeda e o aumento dos preços, em um contexto de demissões em massa e cortes salariais. ONGs de distribuição de alimentos, temem uma explosão de insegurança alimentar porque o porto é o principal ponto de entrada para o país que importa 80% de seus alimentos. A inflação da cesta básica disparou 109% entre setembro e maio, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos.  Este cenário tornou ainda mais dramática a situação de cerca de metade dos libaneses que vivem na pobreza, de acordo com estatísticas oficiais. Com estoque para menos de um mês, fome ameaça O principal local de armazenamento de grãos do Líbano, no porto de Beirute, foi destruído na explosão o que deixou o país com menos de um mês em reservas de grãos, embora ainda haja farinha suficiente para evitar uma crise, disse ontem o ministro da economia, Raoul Nehme.  Um dia depois da devastadora explosão, Nehme afirmou que o Líbano precisa de reservas para pelo menos três meses, a fim de garantir a segurança alimentar, e que estava olhando outras áreas para armazenamento. A economia já estava desabando antes do incidente, com importações de grãos desacelerando, à medida que o país enfrentava dificuldades para obter moeda forte para as compras. "Não há crise de pão ou farinha", disse o ministro. "Nós temos estoques suficientes e barcos a caminho para cobrir as necessidades do Líbano no longo prazo". Ele afirmou que as reservas de grãos no restante do Líbano são suficientes para "pouco menos de um mês", mas disse que o silo destruído (estrutura utilizada para o armazenamento de grãos) estava com apenas 15 mil toneladas de grãos, muito menos que sua capacidade, que um oficial descreveu como de 120 mil toneladas. (Agência Brasil)

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