ratko mladic

Açougueiro dos Bálcãs é condenado à prisão perpétua

Detido em 2011 após 16 anos foragido, o militar corpulento e arrogante virou um idoso doente. Mas seu julgamento não mudou a forte convicção, expressa em sua primeira aparição no Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia

France Presse
22/11/2017 às 11:11.
Atualizado em 23/04/2022 às 02:47
General servo-bósnio símbolo dos horrores da guerra (Divulgação)

General servo-bósnio símbolo dos horrores da guerra (Divulgação)

O ex-chefe militar dos sérvios na Bósnia, Ratko Mladic, apelidado de "Açougueiro dos Bálcãs", foi condenado à prisão perpétua pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII), nesta quarta-feira (22), por genocídio, crimes contra a Humanidade e crimes de guerra. Ele foi declarado culpado de dez acusações. "Por ter cometido estes crimes, a câmara condena o senhor Ratko Mladic à prisão perpétua", declarou o juiz Alphons Orie. Seu filho, Darko Mladic, presente no tribunal, indicou que vão recorrer da condenação. "Esta pena é injusta e contrária aos fatos. Vamos apelar para provar que este julgamento foi uma farsa", declarou em coletiva de imprensa. Logo depois do anúncio do veredicto, a presidente da Associação das Mães dos Redutos de Srebrenica e Zepa disse não estar inteiramente satisfeita. "Estou parcialmente satisfeita. É mais do que para [Radovan] Karadzic, mas não o declararam culpado da acusação de genocídio de vários povoados", disse Munira Subasic à AFP. Quase 8.000 homens e crianças morreram no massacre de Srebrenica em julho de 1995. O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos saudou a condenação, classificando a decisão de "vitória crucial para a Justiça". "Mladic é a essência do mal. Mladic comandou alguns dos crimes mais sombrios cometidos na Europa depois da Segunda Guerra Mundial", afirmou Zeid Ra’ad Al Hussein, que pertenceu à Força de Proteção da ONU para a ex-Iugoslávia entre 1994 e 1996. Já o presidente sérvio, Aleksandar Vucic, pediu a seus compatriotas que "olhem para o futuro, pensem em nossos filhos, na paz e na estabilidade da região", enquanto o procurador do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII), Serge Brammertz, considerou o veredicto "uma etapa importante para a Justiça internacional", tendo sido uma das primeiras pessoas indiciadas e a última a ser condenada. 'Eles mentem' Alguns instantes antes de sua condenação, Ratko Mladic foi retirado da sala de audiência do TPII em Haia, após se levantar e gritar contra os juízes. O juiz Orie determinou a retirada de Mladic, depois de se recusar a ceder ao pedido da defesa de interromper a sessão por conta da pressão alta do acusado. "Eles mentem, vocês mentem. Não me sinto bem", gritou Mladic. Ele foi instalado em uma sala adjacente para ouvir o restante do julgamento, enquanto a defesa pedia que sua pressão arterial fosse novamente verificada, após ter tentado, em vão, adiar esse veredicto histórico. Mais de 20 anos após a guerra da Bósnia (1992-1995), que deixou mais de 100 mil mortos e 2,2 milhões de deslocados, o homem de 74 anos se apresentou ao tribunal, depois de fazer suspense sobre sua presença. Ao chegar, o "Açougueiro dos Bálcãs" fez sinal de positivo com o polegar e sorriu para os fotógrafos. Depois, recusou-se a se levantar quando os juízes entraram na sala de audiência, cumprimentando apenas sua família. Após 40 minutos de audiência, pediu uma pausa para ir ao banheiro, com seu advogado interrompendo o juiz Alphons Orie em plena leitura. "Estou muito preocupado com sua saúde", declarou seu filho à AFP. "Eles estão verificando sua pressão arterial", completou. O juiz havia começado a enumerar os fatos, descrevendo, por exemplo, a morte de 24 detentos por asfixia, privados de água e forçados a consumir sal antes de serem levados para um centro de detenção. "Muitos daqueles que capturaram muçulmanos bósnios demonstraram pouco, ou nenhum respeito, pela vida humana e pela dignidade", declarou o juiz, ressaltando que "as circunstâncias eram brutais". "Aqueles que tentaram defender suas casas enfrentaram uma força impiedosa. Execuções em massa ocorreram, e algumas vítimas sucumbiram após serem espancadas", acrescentou. 'É lixo' Desde o início da manhã, um pequeno grupo de manifestantes - sobreviventes e parentes das vítimas da guerra na Bósnia - estava reunido em uma praça em frente ao tribunal. "Dou graças a Deus, em nome dos nossos filhos", reagiu Nedziba Salhovic, mãe de uma vítima de Srebrenica. "Mladic vai morrer em Haia! Estou feliz, feliz com a Justiça", expressou. Logo no começo da leitura do veredicto, lágrimas corriam nos rostos de várias mulheres, e os gritos se elevavam cada vez que Mladic se irritava. "Não é um homem, é lixo", declarou uma dessas mulheres. Na praça, foram expostas as fotos de 300 jovens, maridos e filhos, mortos pelas forças de Ratko Mladic. O TPII foi criado em 1993 para julgar os responsáveis por crimes de guerra durante os conflitos nos Bálcãs. Entre herói e açougueiro Ainda hoje, Mladic divide opiniões na Bósnia. Acusado em Haia de ser o "autor intelectual do assassinato de milhares de pessoas", ainda é um "ídolo" na Republika Srpska, a entidade dos sérvios da Bósnia. Ratko Mladic, junto com seu alter ego político Radovan Karadzic, é considerado o "arquiteto de uma política de limpeza étnica" de parte da Bósnia, de acordo com Brammertz. Foi indiciado em 25 de julho de 1995, dias após o massacre de cerca de 8.000 homens e meninos muçulmanos em Srebrenica. Ele também é acusado do sequestro de funcionários da ONU e do cerco de Sarajevo, que durou 44 meses, durante o qual 10 mil pessoas foram mortas. Preso na casa de um primo após permanecer foragido por 16 anos e transferido para Haia, seu processo durou cinco anos.

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