LEI ROUANET

Ação prende 14 por desvios de R$ 180 milhões

Grupo que atuava no governo desde 2001 financiou até festa de casamento de luxo com dinheiro público

Estadão Conteúdo
28/06/2016 às 23:00.
Atualizado em 22/04/2022 às 23:43
Grupo que atuava no governo desde 2001 financiou até festa de casamento de luxo com dinheiro público (Divulgação )

Grupo que atuava no governo desde 2001 financiou até festa de casamento de luxo com dinheiro público (Divulgação )

A Polícia Federal (PF) deflagrou nesta terça-feira (28) a Operação Boca Livre, que apura o desvio de R$ 180 milhões em 250 contratos de projetos culturais que captaram recursos a partir da Lei Rouanet desde 2001. A descoberta de fraudes no mecanismo de incentivo fiscal para estimular o apoio privado a atividades artísticas, criado em 1991, fez o governo anunciar que os ministérios da Cultura e da Justiça prepararão uma portaria interministerial revendo a legislação e adotando novos parâmetros de auditoria. A PF realizou buscas no Ministério da Cultura (MinC) e indicou falha de fiscalização da pasta. Ao todo foram cumpridos 14 mandados de prisão temporária e mais de 30 de buscas em 10 empresas de grande porte de São Paulo, Rio e Distrito Federal. Segundo a investigação, os suspeitos teriam se beneficiado de um esquema montado pelo Grupo Bellini Eventos Culturais, de São Paulo. O dono do grupo, Antônio Carlos Bellini Amorim, foi preso. A 3ª Vara Federal Criminal em São Paulo deferiu o pedido de bloqueio de valores e o sequestro de bens de alguns dos investigados como imóveis e veículos de luxo. O juiz Hong Kou Hen determinou ainda a inabilitação temporária das empresas pertencentes ao grupo investigado perante o MinC e a Secretaria de Cultura de São Paulo. A suspeita é de crimes como organização criminosa, peculato, estelionato contra União, crime contra a ordem tributária e falsidade ideológica. “As investigações constataram que eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até mesmo uma festa de casamento foram custeados com recursos de natureza pública, obtidos por meio da Lei Rouanet”, afirmou a Polícia Federal. O casamento de Felipe Amorim — filho do dono do Grupo Bellini —, realizado na praia Jurerê Internacional, em Florianópolis, no dia 25 de maio deste ano, seria um dos eventos bancados com verbas da Lei Rouanet. Valores desembolsados com toda a produção da cerimônia não foram revelados. O artista convidado pelos noivos, o sertanejo Leo Rodriguez, cobraria entre R$ 50 mil e R$ 70 mil por show. O inquérito policial foi instaurado em 2014, após a PF receber documentação da Controladoria-Geral da União sobre o desvio de recursos relacionados a projetos aprovados com o benefício fiscal da Lei Rouanet. Segundo a PF, há indícios de que as fraudes ocorriam de diversas maneiras, como a inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços e produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às empresas patrocinadoras. “A investigação mostrou que eles (os projetos) não foram fiscalizados. A razão vamos determinar nessa segunda fase do inquérito, a partir da análise do material apreendido e dos depoimentos”, disse o delegado Rodrigo de Campos Costa. Além da Bellini e do MinC, são citados nas investigações o escritório de advocacia Demarest e as empresas Scania, KPMG, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristália, que tem sede em Itapira, Lojas Cem, Nycomed Produtos Farmacêuticos, Intercapital e Cecil. ‘Boca livre que nós pagamos’, diz Moraes O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou ontem que o problema não é a Lei Rouanet, mas sim a “ausência de mecanismos preventivos”. “Nós vimos a gravação de um vídeo do casamento, uma festa boca livre que nós pagamos. No meu casamento, eu paguei. Por sinal, fiquei pagando um ano ainda. No casamento desse senhor que pagou com a Lei Rouanet foi em um hotel cinco estrelas em Florianópolis com direito a vídeo gravado. Nós achamos que tivessem sido contratados modelos para fazer o vídeo. Eram os convidados mesmo, champanhe sendo aberto e isso com a Lei Rouanet”, declarou. O casamento do filho do empresário Antonio Carlos Bellini Amorim, do Grupo Bellini, em Jurerê Internacional, em 25 de maio deste ano, seria um dos eventos bancados com verbas da Lei Rouanet. Em dois vídeos sobre o evento, divulgados em redes sociais, um no dia anterior ao casamento e outro na cerimônia, é possível ver os convidados com taças de bebidas. A Lei Rouanet foi criada no governo Fernando Collor (PTC-AL), em 1991 (confira quadro ao lado). (EC) A operação indica que o grupo que supostamente promovia os eventos captava os recursos “com facilitações” no MinC. “O ministério não só propiciava as condições ideais para a aprovação desses projetos forjados como também exercia uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que esses projetos plagiados, copiados, repetidos, não fossem identificados como tais”, disse a procuradora Karen Kahn, que integra a força-tarefa da Boca Livre. Segundo a Polícia Federal, o grupo fraudava a Rouanet desde 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na época, o ministro era Francisco Weffort. Desde então, a pasta foi ocupada por outros cinco nomes: Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda, Marta Suplicy e Marcelo Calero.Com a investigação sob sigilo, a PF sequer citou os nomes dos envolvidos no esquema. Ministro da Cultura sai em defesa da legislação Após a Polícia Federal deflagrar a Operação Boca Livre, o ministro da Cultura, Marcelo Calero, afirmou ontem que o escândalo não pode ser utilizado para “demonizar” o instrumento de fomento à cultura. Nas palavras do ministro, os responsáveis pelas fraudes são “bandidos que formaram uma quadrilha e se valeram do instrumento para finalidades não previstas na própria Lei Rouanet”. Calero, que se reuniu mais cedo com o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, disse que as duas pastas vão preparar uma portaria interministerial com novos parâmetros de auditoria para a Lei Rouanet, que serão estabelecidos a partir das investigações da Boca Livre. “A lei sai fortalecida para aqueles que a utilizam da maneira como deve ser utilizado”, disse Calero. Ele negou, no entanto, que os atuais métodos de fiscalização sejam fracos. “Esses casos só são descobertos na medida em que a gente faz uma auditoria bem feita.” “Tivemos a demonstração latente de que as instâncias de controle estão funcionando”, acrescentou Calero. Isso significa, concluiu o ministro, que os cerca de 3 mil projetos atualmente inscritos na Lei Rouanet não devem ser “criminalizados por conta de desvios perpetrados por bandidos”. 

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