RECRUTAMENTO

A jornada de uma francesa atraída e traída pelo EI

Com o aval das autoridades turcas, Nadia aceitou explicar, sob anonimato, como foi recrutada, sua viagem à Síria pela Turquia e sua vida em Raqa

France Press
24/06/2015 às 11:02.
Atualizado em 28/04/2022 às 15:42

Nadia queria imigrar para uma terra onde reinavam as leis de Alá, mas foi parar na Síria, onde encontrou um mundo de brutalidade, onde as mulheres são tratadas como objetos e os valores do Islã não são em absoluto respeitados.Nadia (nome falso) é uma estudante francesa de 21 anos que passou três meses em Raqa, o reduto na Síria do grupo Estado Islâmico (EI). Foi detida em 1º de junho pela polícia turca quando voltava deste país.Quando falou com a AFP, esperava em um centro de detenção de Gziantep, no sul da Turquia, sua expulsão à França.Com o aval das autoridades turcas, Nadia aceitou explicar, sob anonimato, como foi recrutada pelo EI, sua viagem à Síria pela Turquia e sua vida em Raqa, para evitar que outras meninas embarquem em sua infeliz aventura."Falo para abrir os olhos das meninas jovens que vão para lá pensando 'Sim, o Ocidente está contra nós e o Daesh (o acrônimo em árabe do EI) é o califado", explica, denunciando que, na realidade, o grupo não passa de uma seita.A mulher, de cabelo castanho escondido sob um véu e que veste uma saia longa e um casaco de lã, explica com voz pausada sua história, o caminho que a levou a se radicalizar através das redes sociais até decidir que precisava ir à Síria."Foi um pouco uma lavagem cerebral", afirma a estudante. "Nos diziam 'Você vive em um país onde não há Islã, onde o Islã está proibido, se morrer vai para o inferno' e tivemos medo", explica."Posteriormente você se fecha em si mesma, está sozinha. E no fim diz 'de acordo, vou fazer isso, vamos imigrar para terra onde as leis de Alá regem'".O homem que o recrutou, cujo nome aparece em várias investigações sobre as filiais jihadistas, enviou a ela um cheque de 1.800 euros. No dia 4 de março a jovem viajou a Genebra, onde pegou um voo a Istambul. Casar para sair de casa No aeroporto era aguardada por dois homens que a camuflaram com um niqab (véu integral). Juntos pegaram um ônibus a Sanliurfa, no sul do país."No dia seguinte, percorremos 50 quilômetros de carro", explica Nadia. "Caminhamos durante 20 minutos, saltamos uma cerca e depois vieram nos buscar para nos levarem a Tall Abyad", uma localidade já na Síria.No dia 7 de março chegou a Raqa, a menos de 100 quilômetros da fronteira turca, onde o EI estabeleceu seu quartel-general na Síria. Ali foi instalada em uma casa junto a dezenas de mulheres e teve os documentos de identidade e o telefone confiscados."Disseram-me: 'Se quiser sair desta casa tem que se casar, caso contrário ficará aqui por toda a sua vida, não sairá' (...) Era proibido telefonar aos pais, ter acesso à internet, tudo era proibido (...) nos disseram que era para a nossa segurança".Após 15 dias, decidiu se casar com seu "recrutador", de língua materna francesa, mas só durou um dia. "No dia seguinte cancelei o casamento, fui embora e o rapaz me apresentou a duas francesas, com quem fui viver".As complicações começaram quando os jihadistas a acusaram de "trabalhar para a polícia francesa" e a mandaram à prisão. "Todos os dias me ameaçavam dizendo 'vai morrer, vamos te matar'". Repouso do guerreiro "Disse a eles que havia muita injustiça (em Raqa), que para mim não era o Islã (...) Ali não há Corão, só há armas (...) e as mulheres só são usadas para o repouso do guerreiro".Segundo seu relato, conseguiu convencer seus carcereiros de que era inocente e que a deixassem voltar à França. Foi acompanhada até a fronteira por um homem que devolveu seus documentos e a ajudou a entrar ilegalmente na Turquia. "Disse-me 'Volte à França, mas feche a boca e esqueça tudo'".No entanto, a história desta libertação gera muitas perguntas. Segundo os especialistas consultados pela AFP, p relato parece muito improvável, e lembram que poucos jihadistas, muito menos mulheres, conseguem deixar o EI sem seu consentimento.Poucas horas depois de seu retorno à Turquia, Nadia foi detida em Sanliurfa graças à informação que seu pai havia dado à polícia francesa e na terça-feira foi enviada à França, onde está detida."A maioria (dos filiados ao EI) são convertidos, praticam muito pouco o Corão, se interessam mais pelo ódio e na guerra", afirma com a intenção de denunciar a verdadeira face dos jihadistas."Agora vou avançar em minha religião, mas corretamente. Vou viver corretamente, como as meninas francesas da minha idade", conclui.

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