CECÍLIO

Mundo órfão de mãe

Cecílio Elias Netto
08/03/2013 às 05:01.
Atualizado em 26/04/2022 às 01:42
ig-cecílio (AAN)

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Lá me vou, eu, novamente, intrometer-me em assunto espinhoso. Mas que fazer, se há realidades milenares ainda sem respostas definitivas? A mulher, eis um dos mistérios. Ou o mais complexo dos mistérios humanos.

Para mim, se for honesto consigo próprio, o homem dirá de seu deslumbramento com o e diante do feminino. E, então, desaparecerá a visão dual entre homem e mulher. Ora, a feminilidade me deslumbra. Pois, com o tempo, dei-me conta — pelo menos para meu aprendizado de viver — de o homem ser uma criatura dependente da mulher, construído, na verdade, à sua imagem e semelhança. Mulheres constroem homens. Homens complementam mulheres. Ao se entender isso, o macho e a fêmea tornam-se pessoas humanas respeitosas e respeitáveis.

Ora, é óbvio haver, atualmente, uma crise de identidade, tanto da mulher quanto do homem. Muitos querem sejam tão iguais que já os tratam como se fossem unissex. Há similaridades. No entanto, pouco existe de tão diferente como um homem e uma mulher. Iguais em dignidade, diferem em quase tudo. Talvez, a mais significativa demonstração disso esteja numa das interpretações da origem das duas palavras, homem e mulher. O masculino, o másculo, surge de “musculus”. E mulher, do “mollis”, com o significado de macio, brando, tenro. A confusão começa quando a mulher se masculiniza e o homem se efemina. Quem é quem? Quem é o quê?

Uma das ironias de tudo isso está — pelo menos para mim — na celebração do Dia Internacional da Mulher. Ainda agora, discute-se se a homenagem nasce da luta das mulheres soviéticas, se de vítimas femininas de um incêndio em fábrica nos Estados Unidos, e outras versões. A motivação — em qualquer das hipóteses — ocorreu em decorrência de direitos do trabalho, de direitos humanos. O fato é que a ONU confirmou a data como sendo uma deferência e um reconhecimento internacionais.

Mas há um outro lado, talvez, mais notável, mais humano, mais reverencial à importância das mulheres no Mundo. Na Antiguidade Romana, havia o “femine kalender”, que ocorria exatamente no primeiro dia de março. E, nessa data, as mulheres, todas elas, eram homenageadas com presentes. Justamente num tempo em que mulheres quase não tinham quaisquer direitos civis, eram, elas, reconhecidas com um dia todo especial, carinhoso, inspirado por essa brandura e tenrice femininas. Não se tratava de direitos, mas de reconhecimento a algo mais nobre e até mesmo misterioso do que a vida social.

É óbvio que — nestes nossos tempos quase que totalmente materialistas — as exigências do mercado levam homens e mulheres a uma luta sem tréguas apenas para sobreviver. E — quando pararem para pensar mais agudamente — eles nem saberão o porquê de tanta luta. E para quê. Ouvi — há poucos dias — a reflexão aturdida de uma mulher que chegara à aposentadoria em alto cargo: “Lutei a vida inteira por meu emprego, por cargos, por segurança e não vi meus filhos crescerem. Agora, estou sem emprego e sem filhos, que se foram embora.” Pois é.

Alguns dizem que o homem — ao longo da história — sempre tentou oprimir a mulher por sentir inveja dela, de seu poder de gerar vida. Pode ser uma hipótese, sei lá. No entanto, reafirmo: o homem é dependente da mulher. Chego a crer seja, até mesmo, uma predestinação. Adão não soube viver sem mulher. Sendo solitário, foi incapaz de estar sem a companheira, sem a cuidadora, sem a nutriz.

Ora, o homem é plantado no ventre de mulher. Nele, é alimentado, desenvolve-se, adquire formas, ganha corpo — enquanto ela, a mãe, deforma o seu para produzir vida. Ao nascer, é levado direto ao colo e aos seios da mulher. Alimenta-se de seu leite. É acarinhado, protegido, alimentado, cuidado, lavado por mulher. A mulher ensina-o a gatinhar, a dar os primeiros passos, pegando-o pelas mãos, dirigindo-o, orientando-o. Pela mãe, é levado à escola para os cuidados de outra mulher, a professora. As primeiras palmadas e advertências — que o acompanharão pelo resto da vida — são-lhe dadas por mulher. E suas feridas, pensadas por ela. E suas lágrimas, também por ela enxugadas.

O mundo continua, ainda, masculino. E, por isso mesmo, atormentado por guerras, por lutas fratricidas, por selvagerias e crueldades, por apetites egoísticos — frutos do “musculus”. No entanto, desse mesmo mundo — e de tempos sem identidade — vem o clamor por uma lufada de brisa leve, de uma pausa de paz e de segurança, clamor por um retorno à espiritualidade perdida. Estas são características do feminino: a delicadeza, a brandura, a generosidade, a doação, o amor, o cuidado desinteressado.

O mundo, órfão de mãe, geme. À espera de o feminino reocupar seu espaço insubstituível.

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