Como é que se enfrenta um tsunami? Não sei. Mas, para sobreviver, tentar é preciso. Fugindo, recuando, recolhendo-se, buscando escapar — algo há que se fazer para não ser destruído pelas ondas. Ou, então, ficar parado e deixar-se levar pela destruição. E, portanto, deixar de ser.Um dos meus confortos é saber da imensurável capacidade humana para adaptações. Não sei se é um dos problemas ou uma das virtudes humanas, mas o homem acaba acostumando-se com quase tudo. E adaptando-se. Mesmo que não goste. A pergunta, porém, que me angustia é: seria por sobrevivência ou incapacidade de resistir? E outra, também angustiante: se há mudanças, por que sempre mudar também com elas? E se forem para pior?No fundo, acho que adaptar-se a tudo é resistir, mas, também, desistir. Fugir. Ou acovardar-se. Ou renunciar-se a si mesmo.Tomo — para minha vida pessoal e tentativa de entendimento — o simbolismo da árvore. Ela tem um princípio primeiro, a raiz. Por isso, consegue transformar-se — no seu aspecto exterior — em cada estação do ano: flores primaveris; securas invernais; frutos outonais; suores de verão. Consegue, transformando-se, sobreviver. Pois é mantida pela raiz, seu princípio primeiro e último. Com o homem, há que ser assim. Diante de mudanças e transformações, raízes próprias serão princípios de sua identidade. Se não as tiver, soçobrará às ventarias ou simples aragens de modismos.Estamos falando — nestes tempos caóticos — em novas famílias e, também, em muitas famílias. Vejo isso acontecer também entre os meus. Ora, há muito deixou de existir a família nuclear, a patriarcal, herança de uma civilização rural. Mas o que se criou depois dela? Quando se fala em muitas famílias numa só, a lembrança que isso me traz — perdoem-me a comparação — é a do cachorro com muitos donos. Ele morre de fome.Recentemente, vi esse mosaico — quase usei a palavra balbúrdia — em minha própria casa. Não sei mais como identificar ou dar nome às pessoas. Limito-me, então, a dizer que filhos quiseram fazer uma festa para celebrar o noivado da filha do primeiro casamento de alguém dessa grande confusão a que se dá nome de família. Ora, estou no meu terceiro casamento: com a mãe de meus filhos, que faleceu; um segundo que, na maturidade, se revelou um equívoco. E o atual, onde o outono já nos aquece à espera do inverno. Pois bem. Quando me dei conta das pessoas na festa, fiquei aturdido. Eram dezenas de pessoas. E nenhuma no primeiro casamento. Um deles tem dois filhos com a primeira mulher. E esta tem três filhos de três uniões diferentes. Todos estavam presentes. E eu não sabia quem era filho de quem, quem era pai de quem. Ora, eu era o quê e quem para toda aquela gente? E, entre si, eles são o quê uns para os outros. Ah! sim, quase me esqueci: aquelas muitas famílias era a nova família. E eu não conseguia vislumbrar nenhuma.Preconceito meu ou apenas confusão, perplexidade? Permito-me, agora, acreditar seja um conceito sólido, definitivo. E, para mim, uma conclusão sólida e definitiva: o casamento, se houver filhos, é, realmente, indissolúvel. O amor pode morrer entre o casal e isso quase sempre acontece. Se não morre, esgota-se. Se, no entanto, há filhos, o casamento permanece para sempre nos frutos que gerou. Digo-o por mim. No meu terceiro casamento, a mulher mais presente em minha vida é, ainda, a falecida mãe de meus filhos. O amor desfalecera, ela morreu.Mas, nos filhos, os vínculos ficaram, permanecem, estão vivos, absolutamente indissolúveis.Naquela reunião festiva, tentei conversar com a mãe que tinha cinco filhos de quatro homens diferentes. De alguma forma, para ela própria, são quatro casamentos. E os filhos, de cada homem, são, portanto, cinco jovens que — por laços parciais de sangue — são irmãos entre si. E mal se conhecem. Não se falam, não se vêem, não convivem. Pertencem, na verdade, a diversas famílias, pois os pais deles já têm filhos com outras mulheres e eles são, também, seus irmãos. Logo, são diversas famílias que acreditam ser a nova família.A essa balbúrdia, pensadores dão, hoje, o nome de “família de conceitos”. Ou seja: a nova família — essa de muitas famílias — é, para eles, um conjunto de conceitos que não pode ser reduzido a um só conceito. Ou seja: muitos conceitos não são conceito algum. E muitas famílias não são família alguma Por que pensadores não perguntam isso a filhos com tantos pais e com tantas mães? Na verdade, na verdade, são filhos, pais e famílias escravas do mercado. E, portanto, sujeitas a compras e vendas, a trocas e descompromissos.O tsunami mercantilista devasta tudo. Quem sobreviver verá.