Com a recomendação do uso de máscaras caseiras para proteção contra o novo coronavírus, artesãos não dão conta da demanda
Um novo hábito se impôs entre nós: o uso de máscaras. Com a mudança de orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, as máscaras passaram a ser recomendadas, a todos, como forma de barreira às gotículas de saliva que disseminam o vírus da Covid-19. Na falta das cirúrgicas, devido à dificuldade de importação, a recomendação é deixar as máscaras profissionais para os trabalhadores de Saúde e adotar as caseiras, feitas em tecido. Não demorou para a criatividade – e a solidariedade – da população se manifestar. Nas últimas semanas, muita gente arregaçou as mangas para produzir o equipamento de proteção. A professora de Ioga Maria Aparecida (Tuka) Torres começou a fazer máscaras há um mês, a pedido de uma cliente dos seus produtos de patchwork – que ela confecciona e vende em feirinhas e nas redes sociais. Com a mãe hospitalizada, a cliente precisava usar a proteção. “Era o começo desta história do coronavírus. Uma amiga dela viu, depois a irmã, e de boca em boca foram chegando os pedidos”, diz Tuka, que também postou uma foto no Instagram e a procura não para. Para as primeiras peças ela utilizou o tecido dos sapatinhos de bebê que já confeccionava. “Está uma loucura de tanto pedido. Falta matéria-prima, porque está tudo fechado, mas consegui tecido com uma aluna que tem loja. Também comprei pela internet”, descreve Tuka, que tem se desdobrado no trabalho em sua máquina de costura caseira e nos cuidados com a mãe, de 90 anos; e o pai, de 91. Enquanto ela produz cerca de 25 unidades por dia, a filha Ana Carolina Torres ajuda nas vendas e na divulgação em redes sociais. “Ela pega os pedidos, corta o tecido, esteriliza e embala. Vai tudo lacrado.” A quarentena em família resultou em uma nova atividade e nova renda. Lavável Tuka produz dois modelos diferentes: o bico de papagaio, “vai mais tecido e dá mais trabalho, demora um pouco mais”, que vende por R$ 18,00; e a proteção simples, com prega e tecido duplo, por R$ 10,00. Todas são feitas em tecido de algodão puro, que após cada uso devem ser lavadas e esterilizadas com ferro quente. “Não precisa usar solução de hipoclorido de sódio, porque estraga o tecido. Para esterilizar basta passar ferro”, explica. Tuka já teve academia de ginástica após concluir sua formação em Educação Física e antes de ter suas duas filhas. Quando retornou ao trabalho, especializou-se em Ioga e hoje dedica-se a esta prática, além de produzir peças de patchwork que vende em feiras e pelo Instagram (@artedaskamelias). “Eu queria achar um jeito de ajudar. Pensei em fazer aventais para médicos, mas veio o pedido da máscara e não parei mais. Às vezes vejo idosos na rua sem máscara, na vizinhança, e levo uma.” A professora de costura Gláucia Aparecida de Melo Ferreira também seguiu a intuição e o coração. As aulas foram suspensas na ONG Associação Anhumas Quero-Quero (AAQQ), onde ensina as mães das crianças assistidas a costurarem, mas ela continuou em atividade na própria ONG, que agora produz e vende máscaras, assim como também passou a produzir peças em casa e fazer a sua venda, com a ajuda do marido (na entrega) e da filha de 9 anos (que desdobra o tecido). “Tem sido uma renda importante. Eu não imaginava tanta encomenda.” Mais de mil Gláucia lembra que antes da orientação dos órgãos de Saúde para o uso da máscara, que é uma proteção pessoal e também protege o outro da transmissão, ela pressentiu que logo essa necessidade chegaria aqui entre nós, somando-se ao isolamento, distanciamento e higienização. “O Ministério não tinha falado ainda que podia usar máscara de tecido, mas eu já via que lá no Oriente todo mundo usa.” Na ONG, ela e mais quatro pessoas atendem à demanda, que cresce a cada dia. Só uma encomenda é de mil unidades para uma emissora de televisão. “Está uma doideira. Em casa, faço cerca de 30 por dia. Algumas pessoas vêm buscar, outras nós entregamos”, diz Gláucia, que precisou comprar elástico pela internet. Apesar de ser professora de costura, Gláucia nunca havia feito máscara. Bastou pesquisar na web para pegar os modelos e soltar a criatividade. “Testei vários modelos. Optei por um que achei mais bonito e que protege. Uso tricoline 100% algodão e algumas têm reforço com TNT, porque pedem. Todas são laváveis. Eu espero que acabe logo a pandemia, mas eu estou fazendo o que sei e gosto de fazer.” Uma de suas alunas de costura também faz sua produção caseira e mantém a atividade como uma renda alternativa. Para o músico e ator Deo Piti, quem deu o “click” foi a amiga Vilene Braga, depois de uma brincadeira que ele fez com o bojo de um sutiã, publicada na internet. Na vida artística há mais de 30 anos, com o grupo Último Tipo, Deo também trabalha com a confecção de saias e possui sua própria marca, a Saia Diferente. Depois que começou a fazer as máscaras, a demanda também tem sido incessante. Ele produz sozinho cerca de 30 unidades por dia, às vezes 40. Deo tem duas máquinas profissionais e uma caseira. Para alegrar “Uso estampas bem legais, com dupla face, pra variar. O momento é difícil, então tento dar alegria pelo menos no momento que você olha para o rosto de alguém”, diz o artista, que trabalha com o tecido tricoline, “não esquenta muito e é lavável”. Deo lembra que as máscaras caseiras são um paliativo, mas são importantes neste momento e indicadas agora por médicos. Ele confecciona um único modelo, bico de papagaio com dupla face, vendido por R$ 15,00, mas com descontos progressivos: acima de três unidades, cada uma custa R$ 12,00; acima de cinco, R$ 10,00. “Tem me ajudado tanto na questão financeira quanto na psicológica, porque ficar parado é muito pior. Agora eu só penso nos pedidos, mudei o foco. Máscara é legal, mas eu espero voltar logo à vida artística e a fazer minhas saias. Pode ser que as máscaras continuem, que vire hábito como no Japão, não sei, mas quero que as coisas voltem ao normal, seja lá o que passar a ser normal. Minha visão é otimista”, afirma Deo Piti. A artesã Regina Cintra também começou a fazer máscaras depois do toque de uma amiga. “Minha cunhada deu a ideia no domingo, e na segunda eu já produzi quatro e postei na internet. Não parou mais de chegar encomenda”, comemora. Regina fez uma pesquisa e incluiu no seu produto uma série de recomendações de como usar a máscara. “Oriento como deve usar. Ela não protege totalmente, mas ajuda a evitar que você coce o nariz ou o olho, ou coloque a mão na boca.” Ajuda mútua Acostumada a fazer jogo americano há cinco anos, Regina ficou preocupada com sua renda neste período de quarentena e isolamento. “Eu pensei: e agora, como vou sobreviver? Não tenho filhos e fiquei viúva há um ano e meio. Agora, as máscaras estão me ajudando.” Suas peças são feitas em tecido de algodão, com duas camadas e em dupla face. As encomendas são diárias, muitas vezes pedem à noite. “São de 20 a 30 por dia. Sigo a ordem de pedido, porque sozinha eu não consigo fazer muitas. Estou trabalhando 12 horas por dia. Mas chamei um amigo artesão, que também estava precisando, e nós unimos forças. Um ajuda ao outro”, conta Regina, que na produção de cada pedido, sempre reserva algumas unidades para doação. “Do mesmo jeito que estou sendo ajudada nesta situação, eu procuro ajudar. Assim vira uma rede mesmo, um ajudando ao outro”, diz Regina. SERVIÇO - Tuca Torres: Instagram: @tuka.torres e @artedaskamelias Whatsapp: (19) 98232-7060 - Gláucia Aparecida de Melo Ferreira: Instagram: @oficinacriativabyglaucia Whatsapp: (19) 98825-0574 Facebook Associação Anhumas Quero-Quero: @Anhumas Quero-Quero - Deo Piti Whatsapp: (19) 98111-0983 - Regina Cintra Whatsapp: (19) 99949-7949