MOACYR CASTRO

Meu amigo, o Culto

Moacyr Castro
14/04/2013 às 05:05.
Atualizado em 25/04/2022 às 20:25
MOACYR CASTRO - IG (CEDOC)

MOACYR CASTRO - IG (CEDOC)

Berço do ‘Estadão’, da Abolição, da República e da aviação. Madeira de lei. Ajudou a tirar os brasileiros da escuridão, da tirania, e mostrou a trilha da liberdade. Lecionou caráter e livre arbítrio, irmanando brancos, negros, amarelos, vermelhos, pobres e ricos, ateus e de toda fé, rumo a uma só meta: a Nação de todos, nunca de dinastias. Ergueu a Humanidade do chão. Da mente inquieta e criativa daquele menino, nasceu na nossa escola a primeira pista de decolagem do homem rumo ao infinito.

Ensinou a todos que riqueza não se conquista com dinheiro, bancos, petróleo, minérios, monopólios, corrupção ou poder. Aprendemos que só o conhecimento é a base da prosperidade. Nossa escola foi uma casa inigualável de transmissão de conhecimento. Ensinaram a nós que a educação é a primeira alavanca da justa construção e distribuição de renda — entre os que a merecem. Ninguém é mais generoso do que quem ensina e educa.

Nunca passaram a mão em nossas cabeças; por isso, jamais nos enganaram. Sabiam ser duros, sim; perdiam a ternura, sim, porque não nos faziam confundir ideologia com demagogia — eram honestos, acima de tudo, e transparentes; jamais ocos, cheios de primeiras, segundas e todas as intenções disfarçadas.

Escola mágica. Nossos mestres de história pareciam ter visto quando o homem fez o fogo, lascou a pedra e forjou o metal. Se os de geografia não navegaram neste continente quando ele se descolou da África, certamente estavam lá no dia em que Gibraltar se fendeu e o Atlântico formou o Mediterrâneo. Os filósofos, socráticos ou pré-socráticos, pareciam fascinados ao ver seus pensamentos chegarem a nós por sua musa predileta. Tivemos na classe o discreto charme da filosofia, sim. Juro: as de português e latim nadaram com Camões para salvar os Lusíadas e a última flor do Lácio; as de grego usavam aquele alfabeto sonoro para nos mostrar a força milenar da democracia. As de espanhol sonhavam ser a Catalina ou a Dulcineia, tamanho o carinho dedicado a Cervantes, o fundador do romance moderno. Allons enfants de la Patrie! Bonjour Marie! Quando John Lennon passou por nós, o sonho ainda não tinha acabado. Nas vitrolas portáteis das aulas de inglês, teve tempo de nos deixar um heroico brado: “Help! We need somebody!”.

Quem lecionava matemática, como queriam demonstrar, nos levava de Pitágoras a Pier Paolo Pasolini e faziam delta ser igual a b2 menos 4ac, com a mesma retidão da matéria e do caráter de cada um. Química e física tinham um Nobel em cada sala. Os de desenho percorreram com nossas mãos as curvas da flor e do amor, no compasso das faixas decorativas — gregas ou mistilíneas. A geometria moldou os engenheiros; a biologia, os médicos e o canto orfeônico, artistas que até hoje declamam de memória o Hino a São João. O que fizeram por nós não tinha preço; tinha valor. Não nos legaram marcas, mas raízes.

Entrávamos naquele templo em progressão aritmética para viver a vida sem medo, e ganhá-la em progressão geométrica.

Pregado no poste: “A razão estava com eles; a gratidão, conosco.”

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