SAÚDE DA MULHER

Simples de entender, difícil de mudar!

Estima-se que a cada 12 minutos, no Brasil, duas mulheres morrem de doenças cardiovasculares, índice que poderia ser reduzido com mudança de hábitos e prevenção

Cibele Vieira
03/11/2023 às 17:50.
Atualizado em 03/11/2023 às 17:50
Mudança de hábitos e a prática regular de exercícios são fundamentais para a saúde (Divulgação)

Mudança de hábitos e a prática regular de exercícios são fundamentais para a saúde (Divulgação)

Os conselhos da vovó nunca foram tão uteis como agora: precisa dormir mais, se alimentar direito, não trabalhar tanto! Mas incorporar esses conceitos no ritmo de vida atual das mulheres não é uma tarefa fácil. Sobrecarregadas por um estilo de vida que envolve um excesso de atividades e o estresse permanente, as consequências têm sido o aumento dos fatores de risco, como tabagismo, obesidade e diabetes. Tudo isso aliado às questões hormonais e sintomas genéricos, faz com que as estatísticas sobre as doenças cardiovasculares em mulheres ultrapassem a temível incidência de câncer de mama e de útero.

Existe uma tendência recente de aumento principalmente de infarto em populações que tinham menor risco classicamente. As mulheres tinham essa incidência mais tardiamente, após os 60 anos, no período pós-menopausa. “Agora, elas estão expostas mais precocemente aos fatores de risco, pelas condições de vida mais estressantes, o aumento do tempo dedicado ao trabalho, a má qualidade de sono, a falta de tempo para exercícios físicos (sedentarismo), a má alimentação e o cigarro”, relata o médico Aloisio Marchi da Rocha, coordenador da área de cardiologia do Hospital da PUC-Campinas e professor na faculdade. 

Ele ensina que a melhor maneira de evitar problemas cardiovasculares é mudar o estilo de vida, mas admite que embora seja uma teoria fácil, na prática é difícil implementar. Sua experiência mostra que “é mais fácil o paciente aceitar tomar um remédio para um problema que poderia ser evitado, do que mudar o hábito que o provoca, como ter disciplina para fazer exercícios, manter uma alimentação saudável e reduzir o tempo de telas para diminuir estresse e melhorar o sono, por exemplo”.

A alimentação é uma das vilãs que tem inflado as estatísticas negativas. Hoje no Brasil mais de 50% da população está acima do peso –sobrepeso ou obesidade – e isso tem impacto muito grande para as pessoas terem mais precocemente fatores de risco como diabetes, hipertensão e alteração de colesterol e triglicérides, reforça Aloísio Rocha. A orientação das nutricionistas no sentido de “descascar mais, desembalar menos” é correta, afirma o médico. Ele alerta que o consumo excessivo de sal, de carboidratos simples (açúcar e farinha) e gorduras presentes nos alimentos processados e ultraprocessados são ruins, mas facilitadas pelo mercado. “É uma alimentação mais fácil, mais barata e em alguns casos até mais gostosa, enquanto a alimentação saudável acaba sendo mais trabalhosa, pois precisa comprar com frequência, é fresca e exige conservação, tem que preparar, é mais cara”, comenta.

Atenção aos sintomas 

“Toda vez que tiver dor no peito (que não passa rápido), associada à sudorese, falta de ar ou tontura, deve procurar imediatamente um Pronto-Socorro, onde os pacientes com estes sintomas têm prioridade”, orienta o cardiologista. Ele afirma que todos os protocolos atuais orientam que um paciente com dor no peito em pronto atendimento tem que ser avaliado e estar com um eletrocardiograma feito em até dez minutos desde sua chegada. Entretanto, nem todos os hospitais conseguem implementar isso, em função da alta demanda. “Tempo é fundamental”, diz o médico. Ele comenta que tem visto muitos casos em mulheres e jovens subdiagnosticados como uma dor genérica ou às vezes nem procuram atendimento para um tratamento adequado.

Aloisio Rocha, cardiologista (Divulgação)

Aloisio Rocha, cardiologista (Divulgação)

Para quem já teve um infarto ou AVC os controles são muito mais rigorosos, com metas (de colesterol, pressão e glicemia) a serem atingidas. “Na última década houve uma evolução muito grande de terapias, técnicas e novos medicamentos nesse segmento da saúde, então há mais ferramentas para tratar os problemas cardiovasculares. Só que nem todo mundo tem acesso a elas, por várias questões”, comenta o médico. E embora as mulheres tenham cada vez mais doenças cardiovasculares, os estudos clínicos no mundo ainda têm baixa representatividade feminina.

Para se ter uma ideia da preocupação com essa situação, no ano passado a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) lançou, durante o Congresso Mundial e Brasileiro de Cardiologia, um posicionamento sobre a saúde cardiovascular nas mulheres. Intitulado “Carta às Mulheres”, o documento propõe a redução da mortalidade feminina relacionada às doenças cardiovasculares em 30% até 2030. Para isso, propõe mais acesso a protocolos de prevenção, tratamento e reabilitação adequados. “As cardiopatias em mulheres Metrópole Campinas, 2/4/23 9 permanecem pouco estudadas, pouco reconhecidas, sub-diagnosticadas e subtratadas, especialmente o infarto do miocárdio, comentou na época a presidente do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC, Maria Cristina Costa de Almeida. 

Diante dessa nova situação, os médicos reforçam a chamada ‘prevenção primordial’ considerada essencial e pouco divulgada. É aquela que desde a infância e a vida jovem já previne o aparecimento da hipertensão, a diabetes, entre outros fatores de risco. “Porque hoje na infância já existe uma alta taxa de obesidade e sedentarismo. Muita tela e videogame e pouco futebol, aliada a uma má alimentação com muitos alimentos processados. É um caminho perigoso. Então cultivar bons hábitos desde cedo é essencial”, comenta Aloisio.

A advogada mineira Rosane Amélia Vieira, de 68 anos, é diabética e sofreu dois infartos este ano. Um em fevereiro e outro em setembro. Embora não tenha ficado com sequelas, a recuperação tem sido mais lenta do que ela gostaria. “É um episódio assustador e só não foi pior porque meus familiares me levaram rapidamente ao hospital. A gente não costuma ouvir o corpo, mas hoje vejo que eu estava tendo alguns sinais de alerta e não levei a sério”, comenta.

Alerta assustador 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que as cardiopatias respondem por 1/3 das mortes de mulheres no mundo, com 8,5 milhões de óbitos/ano (mais de 23 mil por dia). Entre as brasileiras, principalmente acima dos 40 anos, elas representam 30% das causas de morte, a maior taxa da América Latina.

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