ARTESANATO

RETRATOS DA VIDA

Artesãs do Satélite Íris mostram na exposição ?Bordadeiras Fazendo Arte? que o dia-a-dia na comunidade pode ser escrito com agulha e linha, em clima de história em quadrinhos

Adriana Giachini/ Correio Popular
16/02/2021 às 16:54.
Atualizado em 22/03/2022 às 03:31
Senhoras do bordado e Kaíto, cujos desenhos inspiraram o projeto de HQ (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Senhoras do bordado e Kaíto, cujos desenhos inspiraram o projeto de HQ (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Com inauguração agendada para a próxima sexta-feira (dia 19), a exposição on-line Bordadeiras Fazendo Arte é, mais do que uma expressão artística, um instrumento de representação social. A reunião de dez bordados, que juntos formam uma história em quadrinhos e é parte da programação do Festival de HQ, da Biblioteca Municipal Ernesto Manoel Zink, revela não só os autorretratos das bordadeiras, a partir dos desenhos do menino Kaio Soares Miranda, de 12 anos, mas o convite para refletir sobre ser (e se ver como) protagonista da própria história.

“É uma sensação gostosa, como a de voltar a ser criança e acreditar que se pode tudo. Ver o meu rosto no desenho me deixou bastante emocionada”, conta a bordadeira Maria Marinho. “O Kaio é um menino muito talentoso e inteligente, ele falava assim: tira a máscara e fica longe que eu vou fazer o seu desenho”, completa.

Dona Maria, como é chamada na comunidade, aos 72 anos, faz parte do grupo de bordadeiras do Jardim Satélite Iris (que engloba a comunidade de moradores dos bairros ao entorno como Maria Alva, Ouro Preto, Uruguai e Jardim São Judas), desde 2019, quando foi fundado como parte de um projeto social, em parceria com a Prefeitura Municipal. “Bordar é uma coisa deliciosa, você começa e não quer parar, mas existem outras coisas legais que é a reunião com as pessoas e também poder conhecer e contar histórias de mulheres negras”, recorda.

Ela faz referência ao primeiro livro bordado pelo grupo, no ano passado, inspirado na trajetória de mulheres negras que se destacaram por sua luta em prol de igualdade e reconhecimento. A história, desenvolvida junto com outro projeto – o da Biblioteca Municipal “Leia Ursula”, em homenagem ao romance Ursula, da escritora Maria Firmina dos Reis (1822-1917), primeira romancista negra do Brasil - foi construída pelas crianças da comunidade, inspirada na filha de Dona Maria: Rose.

No livro, Rose é uma menina que questiona a mãe sobre o que é ser mulher e negra?. Como resposta, é apresentada a biografia de ícones do movimento feminino negro como Dandara dos Palmares, que lutou contra a escravidão, ou a cantora brasileira Dona Ivone Lara, a primeira mulher a assinar um samba-enredo no País. Cada personagem está em um bordado. Ao final do livro, descobre-se que Rose, já adulta, virou professora.

Não por coincidência, a mesma escolha de Rose Rodrigues, filha de dona Maria que, para orgulho da mãe, dá aulas no ensino básico da rede municipal. “Estamos inseridos em uma comunidade de alta vulnerabilidade onde a arte é também uma forma de trabalharmos o fortalecimento de vínculos e de debate sobre questões de convivência”, explica Juliana Siqueira, agente cultural da Prefeitura, que coordena o grupo de bordadeiras.

De acordo com ela, os bordados são feitos no único espaço de convivência do bairro . Ali, entre as sessões de desenho, a comunidade é convidada a refletir sobre temas relacionados à violência contra a mulher, proteção à criança, consciência negra e relação do homem com o meio ambiente, uma vez que parte dos moradores vive no terreno ocupado, onde foi no passado um aterro sanitário.

Ainda segundo Juliana, da coordenadoria de ação cultural da Secretaria de Cultura, o grupo nasceu de uma iniciativa intersetorial, que começou a pedido do Cras (Centro de Referência da Assistência Social) Satélite Íris e vem sendo desenvolvida com a rede Novas Atitudes para oferecer oficinas de artesanato na região. “Por meio do bordado, queremos trabalhar e fomentar ações para elas cuidarem de si mesmas. Assim, uma das campanhas que desenvolvemos em paralelo no ano passado foi a Gota Vermelha, que defende o acesso ao atendimento ginecológico na rede pública como prevenção”, afirmou.

AUTODIDATA

Como em bordado, onde fios se juntam na construção do resultado final, a própria comunidade se uniu para a criação da HQ. Após o convite da organização do Festival de HQ, um das integrantes do grupo comentou sobre o primo, de 12 anos, que era desenhista. Desta forma, o menino Kaio Soares Miranda, entrou no projeto. Ele criou as formas transpostas para os bordados, inspirado nas artesãs. Autodidata, o pequeno artista fez de sua vivência do universo dos quadrinhos a fonte de inspiração para criar. A exposição on-line Bordadeiras Fazendo Arte fica em cartaz até 28 de fevereiro. Em sua 8ª edição, o Festival Dia do Quadrinho Nacional da Biblioteca Ernesto Zink tem como tema “liberdade de expressão”.

Legenda:

Senhoras do bordado e Kaíto, cujos desenhos inspiraram o projeto de HQ

Varal exibe alguns trabalhos produzidos pela bordadeiras

Programação do Festival de HQ da Biblioteca Ernesto Manoel Zink está aqui

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