TURISMO

Pedalo, logo viajo

As viagens de bicicleta, sejam nacionais ou internacionais, têm conquistado adeptos que gostam da ideia de unir atividade física com o prazer de conhecer novos destinos

Karina Fusco
23/01/2023 às 18:38.
Atualizado em 23/01/2023 às 18:41
Lincoln Neves em acampamento no topo da Cordilheira dos Andes (: Arquivo pessoal)

Lincoln Neves em acampamento no topo da Cordilheira dos Andes (: Arquivo pessoal)

Ter uma bicicleta de boa performance, disposição e preparo para pedalar por longas horas, vontade de conhecer novos destinos ou visitar de forma diferente alguns já conhecidos, gostar de apreciar paisagens (predominantemente perfeitas, mas às vezes encobertas por neblina e chuva), gostar de estar ao ar livre e ter determinação para superar possíveis desafios. Eis os ingredientes necessários para encarar uma viagem de bicicleta.

O chamado cicloturismo vem crescendo no Brasil, seguindo uma tendência mundial. É também uma alternativa mais econômica e sustentável, afinal não requer gastos com abastecimento, nem gera emissão de gases poluentes. No entanto, não se trata de algo novo. No século XIX já havia o deslocamento turístico pedalando em países da Europa, sobretudo na França e na Inglaterra. Embora não existam dados exatos sobre a atividade no Brasil, o Clube de Cicloturismo do Brasil compartilha os dados da pesquisa nacional sobre o perfil do cicloturista brasileiro, coordenada pelo Planett, um núcleo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tendo 2018 como ano base. O levantamento apontou que 39,9% dos que viajam de bicicleta o fazem na companhia de amigos e que a duração média predominante do pedal (para 40,8%) é de quatro a sete dias.

Seja para o ciclista iniciante ou o experiente, há inúmeras opções de rotas que podem ser percorridas na magrela. É claro que para quem tem pouca experiência é aconselhável começar por rotas menores, de algumas horas ou de apenas um dia. Mas entre os bikers é comum se ouvir que basta fazer a primeira viagem para já pensar na seguinte e não parar mais.

Foi isso que aconteceu com a dentista Viviane Ferreira Santos, de 46 anos. Ela, que sempre gostou de praticar esportes, começou a pedalar há seis anos, quando se juntou a um grupo de mulheres e logo que se sentiu preparada começou a fazer viagens de bike pelo Brasil. As primeiras foram do sul de Minas para Aparecida, em 2017. O trajeto, que inicialmente era feito em três dias, com a prática se tornou possível em 12 horas. “A primeira vez foi muito desafiadora, pois a Serra da Mantiqueira tem muitos morros. Quando cheguei em Santo Antônio do Pinhal comecei a chorar de emoção por ter conseguido”, revela.

O Caminho da Fé, saindo de Águas da Prata, também já foi percorrido algumas vezes em um período de quatro dias e o Vale Europeu, em Santa Catarina, passando pela Serra do Rio do Rastro, numa mistura entre ônibus de São Paulo até lá e muito pedal em terras catarinenses, foi inesquecível. “Além de praticar uma atividade física que faz bem para a saúde, o contato com a natureza que as viagens de bicicleta proporcionam me fascinam. É uma combinação perfeita”, ressalta Viviane, que apesar de ter vivenciado alguns perrengues, como pneu furado, passar frio e tomar muita chuva, segue pedalando (seu recorde foi 120 km por dia) e mantém o sonho de fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Europa, já planejado para ser percorrido em 12 dias de pedal.

Viviane Ferreira Santos já encarou diversas aventuras e adversidades pedalando no Brasil e agora está pronta para experiências internacionais (Arquivo pessoal)

Viviane Ferreira Santos já encarou diversas aventuras e adversidades pedalando no Brasil e agora está pronta para experiências internacionais (Arquivo pessoal)

Caminhos no exterior

Quem ganha experiência pedalando pelo Brasil não vê a hora de ter suas experiências internacionais. Assim como aconteceu com o funcionário público Humberto Ludke, de 42 anos. Ele começou a pedalar com frequência antes da pandemia e intensificou no período em que as atividades ao ar livre eram as mais seguras. Diversas cidades da região foram visitadas de bike e ele também já fez trajetos de cerca de 100 km (até Conchal e Araras) voltando no mesmo dia. 

A ideia de pedalar no exterior surgiu quando o irmão, que mora em Londres, falou das facilidades de passear de bicicleta por lá e então Humberto programou com a esposa uma viagem à Europa que tinha no roteiro diversos trechos com pedal. “Em Londres recorremos às bicicletas de aluguel para pedalar em uma área para visitar pontos turísticos, sempre guiados por meu irmão. Percebemos que o passeio de bike torna a viagem mais produtiva. Além de se deslocar com mais rapidez, permite observar pontos da cidade que de carro ou de ônibus fica mais difícil. Apesar de não ter uma malha de ciclovias muito grande, os motoristas da capital da Inglaterra respeitam muito o ciclista”, revela.

A experiência positiva foi o impulso para outra viagem a Frankfurt, na Alemanha. O casal também alugou bicicletas pela manhã e foi até uma cidade vizinha pedalando para conhecer um parque aquático. “Foi muito especial, pois Frankfurt e as rodovias  próximas são muito preparadas para os ciclistas. No trajeto, fizemos algumas paradas em locais em que os alemães frequentam, o que nos permitiu participar de momentos que fazem parte da vida local”, relata. Agora, em todos os roteiros de viagens de Humberto, sobretudo ao exterior, a bicicleta está integrada. “É um transporte barato, você aproveita mais a viagem e há muitos destinos adaptados para os ciclistas. Entre um e outro passeio de bike aqui ou no exterior eu e minha esposa pretendemos fazer o trajeto de Santiago de Compostela”, completa.

O executivo de vendas Lincoln Neves, de 44 anos, pedala desde a infância, quando ia para a escola, em Barão Geraldo, de bicicleta. A sua primeira viagem foi em 2016, quando percorreu o caminho francês rumo a Santiago de Compostela. “Comprei a passagem aérea, assisti a uma palestra na associação em São Paulo e lá aluguei uma bicicleta. Fiz 900 km em 13 dias. Desde então faço geralmente duas viagens de bicicleta por ano”, conta.

Na volta, comprou uma bike melhor e passou a fazer roteiros por aqui em grupo, começando pelo Caminho da Fé. A escolha seguinte foi mais radical: a travessia da Cordilheira dos Andes por um caminho chamado Trilho dos Ventos, que sai da Argentina e chega ao Chile ao longo de cinco dias. “Foi a primeira vez que fiz uma viagem com preparação. Fui em um grupo de cerca de 30 pessoas, contando com carro de apoio, barracas”, afirma. Marrocos, Tailândia e Namíbia também foram visitados por meio do cicloturismo. “É muito diferente da viagem de carro. Gosto de apreciar as paisagens, sentir o vento e vencer os desafios. Chegar onde quero curtindo o caminho é o que mais me atrai”, completa ele, que aprecia tanto seguir de bike sozinho como também em grupo.

Humberto com a esposa (à esq.) em Londres (Arquivo pessoal)

Humberto com a esposa (à esq.) em Londres (Arquivo pessoal)

Preparo é fundamental

Pedalar exige condicionamento cardiopulmonar, trabalha os músculos, exige força e flexibilidade. “Alongar é essencial”, aconselha o professor István de Abreu Dobránszky, da Faculdade de Educação Física da PUC-Campinas. Outra orientação essencial é começar a pedalar distâncias curtas para só então encarar as longas e quem está começando deve alternar dias de pedal com dias de descanso e preferir trechos em asfalto.

Nesse universo do cicloturismo, os adeptos conhecem outros fãs da modalidade, fazem novas amizades, se sentem motivados a aumentar as quilometragens e até marcam viagens futuras em grupo. Por isso, quem pedala e viaja, já não consegue mais deixar de percorrer novos caminhos.  

Para pedalar e viajar, é só começar 

Veja o que não pode faltar para a viagem de bike ser inesquecível:

✔ Planeje bem o seu roteiro considerando o trajeto (subidas e descidas) e também o clima;

✔ Sempre saia cedo e evite chegar à noite ao destino;

✔ Faça um bikeFit (profissional que ajusta a bike para seu tamanho de corpo);

✔ Leve sempre água (verifique locais de abastecimento para calcular o volume);

✔ Esteja bem alimentado (consulte nutricionista);

✔ Leve mochila apenas com itens essenciais;

✔ Use protetor solar, mesmo em dias nublados;

✔ Não tenha pressa, faça os roteiros respeitando seu ritmo;

✔ Use capacete e óculos de sol;

✔ Certifique-se das boas condições da bike, sobretudo freio e pneus (leve 1 extra e aprenda a trocar sozinho); 

✔ Aprenda noções básicas de manutenção das bikes;

✔ Prefira usar roupas de cores fortes para se destacar no trânsito;

✔ Respeite sempre a sinalização e as regras de trânsito

Fontes: Professor István de Abreu Dobránszky, da PUC-Campinas, e ciclistas entrevistados

Lincoln Neves na chegada a Santiago de Compostela (Arquivo pessoal)

Lincoln Neves na chegada a Santiago de Compostela (Arquivo pessoal)

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