Antes mesmo do nascimento do bebê, a mulher já se depara com situações que impactam as expectativas da maternidade; mas a realização do sonho de ser mãe depois compensa todo o esforço
A terapeuta Luciana Contin com as filhas Giovana, de 10 anos, e Julia, de 4. Mãe também de Lucca e Gabrie (Alessandro Torres)
Não há dúvidas de que entre as maiores realizações de uma mulher está a de gerar um filho em seu ventre e se tornar mãe. Há muita poesia que envolve o tema gravidez, que nos dias de hoje ganha forma com belos ensaios fotográficos acompanhando o crescimento da barriga, chá revelação e filmagem do momento do parto. Mas, paralela ao lado romântico, tem a vida real, que pode ser repleta de desafios esperados, como a necessidade de repouso, enjoos, dores e desconfortos, mas também os não esperados, geralmente mais complexos. Mesmo assim, os nove meses de espera para ver o rostinho do filho e pegá-lo no colo, valem cada minuto.
Ser mãe era o sonho que a terapeuta Luciana Contin, de 41 anos, trazia da infância, tanto que na fase adulta, a vida pessoal era sempre o seu foco. Já trabalhando como advogada, ela se casou em 2010 e no ano seguinte engravidou pela primeira vez. Tudo corria bem até que aos quatro meses de gestação descobriu que Lucca não tinha os rins e acabou falecendo. Foram três dias de trabalho de parto. Algo muito doloroso.
A situação, obviamente, abalou o casal, mas o sonho de vivenciar a maternidade falou mais alto. Após consulta com um médico geneticista, ela acreditou, teve muita fé e logo estava esperando Giovana. Foi uma gestação tranquila, sobretudo a partir do ultrassom de transluscência nucal. “O nome dela significa ‘presente de Deus’. Foi a realização do meu sonho!”.
Feliz por ter acabado de fazer uma transição de carreira e decidida a aumentar a família, Luciana engravidou mais uma vez em 2015. No ultrassom morfológico do sexto mês descobriu que Gabriel também tinha problema nos rins, e 24 horas após o nascimento, em janeiro do ano seguinte, ela e o marido se viram diante de mais uma triste despedida. “Fiz todas as buscas espirituais, energéticas e médicas. Para me sustentar diante daquela dor, fui estudar, fiz uma pós-graduação em psicologia transpessoal e tive a certeza de que queria ser mãe novamente”, conta. Em 2018 nasceu a caçula Julia. “Meus quatro filhos foram grandes agentes de despertar na minha vida e me permitiram ser uma pessoa melhor. Hoje há um equilíbrio entre minha vida pessoal e profissional e sou inteira em todos os meus papéis”, garante.
Para as mulheres que sonham com a maternidade, mesmo que se deparem com desafios tamanhos como os que a terapeuta vivenciou, ela aconselha “faça o que estiver no seu limite para realizar o seu sonho”.
Confiar e agir
A pesquisadora Ana Paula Lima Azevedo, de 42 anos, logo que se casou com o engenheiro Rafael Alcântara da Cunha, em fevereiro de 2017, se viu preocupada A terapeuta Luciana Contin com as filhas Giovana, de 10 anos, e Julia, de 4. Mãe também de Lucca e Gabriel A maternidade trouxe equilíbrio com o relógio biológico e, certa de que queria ser mãe, fez todos os exames, começou a tomar ácido fólico e ficava na expectativa para que a menstruação atrasasse já que, segundo a orientação do médico, até um ano é normal a demora para engravidar. Só depois seria recomendado investigar se havia algum problema de fertilidade do casal. Foi numa madrugada, incomodada com sintomas de uma infecção urinária que a levou ao pronto-atendimento, que ela fez o teste de gravidez e recebeu a notícia que tanto esperava. A alegria e a emoção do casal tomaram conta do corredor do hospital.
O primeiro ultrassom mostrou um hematoma coriônico, um descolamento do saco gestacional, o que a obrigou a fazer repouso e tomar medicação para evitar um aborto. “Eu tive muita fé, pedi licença do doutorado que fazia em Fortaleza e deu tudo certo”, relata. José Lucas, hoje com quatro anos, nasceu de parto natural, tal como foi desejado e Paula realizou o sonho da maternidade.
Com o passar do tempo, o primogênito foi crescendo e pedindo um irmão e ela com a vontade de ter mais um filho, engravidou em maio de 2022. Outra gestação com deslocamento de saco gestacional, repouso até que no ultrassom morfológico, com 14 semanas, veio a notícia de que o bebê João estava sem os batimentos cardíacos. “Fiquei sem chão”, recorda-se. Tão dolorido quanto dar a notícia para o filho mais velho e viver aquele momento foi aguardar o feto expelir naturalmente, conforme a orientação médica.
Era setembro e mais um teste positivo de gravidez, mas logo veio um aborto espontâneo e o casal, sempre unido, fez mais um ritual de despedida, desta vez do Theo. A tristeza e o esgotamento daquelas dolorosas vivências impulsionaram o casal a procurar ajuda médica, ocasião em que até uma fertilização em vitro foi sugerida. No entanto, mesmo já tendo doado as roupas de gestante, Paula estava decidida a esperar um pouco mais. E em janeiro deste ano veio a notícia da quarta gravidez e, mesmo com a necessidade de repouso nos primeiros meses e a bagagem anterior, a escolha foi viver um dia de cada vez, sempre com muita fé. Agora, aos quatro meses e meio da gravidez de Lorenzo, que segue tranquila, Paula mantém a certeza de que tudo valeu a pena. “Tem que confiar. Não pode perder a esperança”, aconselha. Em breve, a família estará completa e José Lucas logo estará brincando com o irmão mais novo.
Quando a mulher engravida, ela passa por alterações significativas, inclusive emocionais, afinal, ela está incorporando um novo papel. Como lembra Gabriela Cattel Albaçarin, psicóloga do Caism da Unicamp, “é um processo marcado por uma série de expectativas”. No caso de intercorrências, como um aborto espontâneo ou um bebê natimorto, pai e mãe, que estão em construção, ficam sem chão, querendo respostas como a causa e a culpa. “É um luto difícil de ser elaborado. Exames depois trazem respostas, mas a dor é imensa e as pessoas que passam por esta situação precisam de acolhimento e de escuta, assim como de espaço para chorar e desabafar”, afirma Laise Poterio dos Santos, psicóloga especialista em saúde materna e perinatal, supervisora da seção de Psicologia do Caism.
Os pais são os mais afetados, mas toda a família também sofre, assim como os amigos mais próximos. É quando se faz necessária ajuda, mas da maneira certa. “Não falar nada, deixar um vazio, às vezes dói muito mais. Um abraço bem dado, dizer com empatia que sente muito e que está com o casal para o que for preciso ajudam muito. Ignorar o acontecido não é a melhor saída”, aconselha Laise, que defende a necessidade de elaborar o luto e usar a vivência para unir o casal. Esse processo ajudará na gravidez seguinte. “Claro que são comuns inseguranças intensificadas pela perda anterior, mas é preciso reforçar para essa mãe que é uma outra gestação, outro bebê, outro nome”, completa. Gabriela acrescenta que a mulher se manter positiva, confiante, fazer o acompanhamento médico e exames corretamente e buscar a psicoterapia para falar sobre seus medos, emoções e vivências contribuem muito. “Vem aí o bebê arco-íris, aquele que chega depois da tempestade”, finaliza.