COMPORTAMENTO

O combate ao racismo é para todos

Convidamos quatro ativistas de Campinas para falar sobre o combate a essa prática que, infelizmente, ainda é muito presente no cotidiano da população

Cibele Vieira
28/11/2023 às 16:57.
Atualizado em 28/11/2023 às 16:57
O combate ao racismo, tema que se faz necessário não apenas no mês de novembro, mas nos 365 dias do ano (DIvulgação)

O combate ao racismo, tema que se faz necessário não apenas no mês de novembro, mas nos 365 dias do ano (DIvulgação)

Quem nunca sentiu na pele, dificilmente entende ou admite ter uma postura racista. Esse comportamento é comprovado pela pesquisa “Percepções sobre o racismo no Brasil” realizada este ano pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec). O levantamento mostra que 81% dos brasileiros consideram que o país é racista, porém apenas 11% admitem ter atitudes que configuram racismo. Essa situação é avaliada em Campinas por algumas pessoas envolvidas no movimento negro e que admitem avanços, porém lentos.

Produtor cultural Marcos Ferreira (Divulgação)

Produtor cultural Marcos Ferreira (Divulgação)

A DIFÍCIL LUTA CONTRA O RACISMO  

"As cobranças e denúncias na cidade ainda são intensas, mas a evolução prática do movimento antirracismo ainda caminha de maneira lenta”, opina o produtor cultural Marcos Ferreira. “A gente ainda vê a polícia tratando os negros de maneira muito diferente do que trata os brancos. Essa truculência racista e sua negação existem na cidade há muito tempo, então a gente tem sempre que tomar muito cuidado”, diz. Ele é um dos idealizadores da Feira Cultural Afro Mix, que acontece desde 2004 (inclusive neste domingo, dia 26 na Estação Cultura), para dar visibilidade e valorizar a cultura e o empreendedorismo afro-brasileiro, por meio da celebração da música, da dança, das artes, da gastronomia, da moda e outros costumes dessa parcela da população. Mas Marcos lembra que “fazer moda é fácil, o duro é lutar contra o racismo que ainda existe nesta cidade”

Advogada Thais Cremasco (Divulgação)

Advogada Thais Cremasco (Divulgação)

O PAPEL DA BRANQUITUDE  

A advogada Thais Cremasco é uma militante antirracista. Embora tenha a pele branca, ela entende bem desse assunto porque tem filhos pretos e se relaciona com um homem preto. Ela comenta que “o racismo existe por culpa das pessoas brancas, que cometeram a segregação, a violência e os abusos. Então nada mais justo do que elas evoluírem e se organizarem para combater o racismo”. A advogada defende que não basta a pessoa dizer que não se sente racista porque tem um amigo preto, sem ter atitude, intenção e objetivo - além de políticas públicas - para combater algo que é estrutural na sociedade. “No nosso cotidiano temos que privilegiar e trazer igualdade para pessoas que ainda estão sofrendo esse tipo de opressão”, afirma Thais, lembrando que as pessoas brancas têm dificuldade em reconhecer que estão sendo racistas porque isso é inconsciente, o que é diferente da intolerância pessoal consciente. Para ser antirracista, segundo ela, “tem que ter repertório (conhecimento, letramento e intencionalidade) e abrir espaços para os pretos poderem protagonizar”. Entretanto, ressalta que “racismo continua sendo um crime perfeito no Brasil, porque ninguém se acha racista, embora os pretos sintam esse racismo na flor da pele, então acho que a gente precisa mudar essa lógica.

Jornalista Silvia Nascimento (Divulgação)

Jornalista Silvia Nascimento (Divulgação)

O PIONEIRO MUNDO NEGRO  

A jornalista Silvia Nascimento, graduada pela PUC-Campinas, criou há 21 anos o primeiro produto digital de jornalismo, considerado hoje o principal portal de notícias para a comunidade negra na América Latina. O acesso ao site (https:// mundonegro.inf.br/), somado aos das redes sociais, alcança mais de sete milhões de pessoas de forma orgânica, graças ao conteúdo focado nas questões raciais. “O movimento negro continua atuante, porém ainda vemos questões estruturais com dificuldade de avançar, como a questão da violência policial”, relata Silvia. Ela comenta sobre o levantamento recente que constatou que a cada quatro horas uma pessoa negra morre no Brasil pela mão do estado. “Os movimentos estão mais falantes e com novos apoios – como a pasta dedicada à questão racial do Governo Federal – mas ainda tem uma questão estrutural política”, afirma. Sílvia está entre os 10 jornalistas negros mais admirados da imprensa nacional, tendo ficado em 7º lugar no Prêmio +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa em 2023. Esse potencial, entretanto, não a isenta de muitas vezes ter que desistir de alguns projetos por falta de investimentos. “O racismo atravessa muito a decisão das grandes empresas na hora de resolver se investem ou não”, pondera a campineira.

Historiadora Alessandra Ribeiro (Divulgação)

Historiadora Alessandra Ribeiro (Divulgação)

NOVEMBRO DE REFLEXÕES  

No mês em que se comemora a Consciência Negra, a historiadora Alessandra Ribeiro observa avanços para a comunidade preta na cidade de Campinas nos segmentos da segurança pública, saúde e educação. Mas como conselheira da Comunidade Negra alerta que “é tempo de continuar lutando pela vida dos nossos jovens pretos, pela equidade, dando visibilidade para que as pessoas consigam entender a importância de fazerem parte do movimento antirracista, independentemente de serem brancos ou pretos”. Alessandra acaba de ser nomeada conselheira do Patrimônio Cultural Brasileiro e considera que isso “é um sinal que o país reconhece e precisa do que estamos fazendo, embora a gente encontre em nosso município grandes desafios para sermos incluídos como uma pauta permanente”. Ela é gestora cultural da Casa de Cultura Fazenda Roseira, local que considera “ter o compromisso de ser uma lente que visibiliza não apenas as ações do jongo (da Comunidade Dito Ribeiro) e de salvaguarda do patrimônio, mas também as demais ações que acontecem na cidade em relação à diversidade da matriz africana”. 

Retratos do Brasil

A pesquisa “Percepções sobre o racismo no Brasil” foi encomendada ao Ipec pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e realizada no mês de abril em 127 municípios das cinco regiões do país. Veja alguns dos principais dados revelados:

✓ A percepção de que pessoas pretas são as que mais sofrem com o racismo foi compartilhada por nove em cada dez pessoas (96%), seguida pelos indígenas (57%) e os imigrantes africanos (38%).

✓ 51% dos participantes declararam já ter presenciado um ato de racismo e 88% concordam que os pretos são mais criminalizados do que os brancos.

✓ De 2 mil pessoas ouvidas, 79% concordam que a abordagem policial é baseada na cor da pele, tipo de cabelo e vestimenta.

✓ 84% concordam que pessoas brancas e negras recebem tratamentos diferentes por parte da polícia. Segundo o estudo, o racismo surge, principalmente, por meio da violência verbal, como xingamentos e ofensas (66%), o tratamento desigual (42%) e a violência física (39%).

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