CIDADE

Marco zero pode ganhar merecido destaque

Projeto prevê obelisco para o local onde o Frei Antonio de Pádua celebrou, em 14 de julho de 1774, a primeira missa de Campinas

Erick Julio/ Correio Popular
15/02/2021 às 17:09.
Atualizado em 22/03/2022 às 01:06
Vistas de costas, as estátuas de Carlos Gomes e Bento Quirino (ao fundo). A marca branca entre os monumentos é o marco zero da cidade (Ricardo Lima/ Correio Popular)

Vistas de costas, as estátuas de Carlos Gomes e Bento Quirino (ao fundo). A marca branca entre os monumentos é o marco zero da cidade (Ricardo Lima/ Correio Popular)

uem caminha pela Rua Barão de Jaguara em direção à Igreja do Carmo, em Campinas (SP), nota, ao chegar na altura da Praça Bento Quirino, o imponente e histórico monumento-túmulo do maestro Carlos Gomes. A obra de granito, do escultor Rodolfo Bernadelli, ostenta uma estátua de bronze do ilustre campineiro em uma posição de regente de uma orquestra invisível. Alguns passos à frente, antes de chegar à Basílica, o caminhante nota – ou sente o irresistível cheirinho de pastel frito – da tradicional Feira do Carmo.

Ao fazer esse trajeto, a maioria das pessoas, provavelmente, não percebe que acabou de passar em frente ao marco zero de Campinas, local em que foi realizada a primeira missa da cidade, pelo Frei Antônio de Pádua, em 14 de julho de 1774. Mas como saber? Não há nada na Praça Bento Quirino que remeta à fundação da então Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso.

Bem, para sermos exatos, não há quase nada que marque o local: de fato, olhando bem, com olhos de lupa, vemos uma modesta e pequena indicação no calçamento da praça, que passa despercebida por quem trafega apressado pela Bento Quirino ou Barão de Jaguara.

Diante da singela referência ao evento seminal e carregado de simbolismo do surgimento de Campinas, o empresário Renato Squarizi Simões, de 55 anos, resolveu sugerir que a Prefeitura construísse ali um monumento para lembrar o fato. E como ocorre em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, Simões propôs que fosse erguido ali um obelisco para ser um “importante símbolo de Campinas”.

Apaixonado pela cidade, o empresário campineiro revela que teve a ideia após ver uma publicação sobre o marco zero de Campinas no grupo do Facebook Campinas Antiga, do qual é moderador. “Eu sempre gostei muito de estudar a história da cidade. Um dia postaram uma foto do marco zero no grupo e eu pensei: ‘que vergonha não ter um referencial sobre a história desse momento tão importante para Campinas’. Aí resolvi me mobilizar para tentar fazer com que ali fosse construído algo que realmente representasse a importância desse marco para Campinas”, aponta Simões.

Com a ideia na cabeça, o empresário conta que começou a procurar os contatos na Prefeitura para sugerir a construção do monumento. A escolha de um obelisco, por sua vez, teve como inspiração a obra de São Paulo.

“Há uma tradição de um obelisco como ponto referencial que norteia as cidades. Por isso, do meu ponto de vista acho que poderíamos ter algo parecido com o de São Paulo ali na Bento Quirino. Seria um obelisco indicando, inclusive com uma placa, a história do momento da fundação de Campinas. Acredito que poderia ter também referências às localidades próximas da cidade naquela época”, explica Simões que considera que as pessoas perderam o interesse pelos símbolos e patrimônios da cidade por falta de cuidado da parte do poder público.

“Hoje temos uma falta de respeito com o marco zero de Campinas. Não adianta ter uma feira ali se não mostrar a história da cidade. Eu nasci aqui, tenho um carinho especial por Campinas e fico indignado com o descaso das pessoas, com lugares pichados e sujos. O marco zero, hoje, nada mais é do que um quadrado no chão, em pedra portuguesa, com uma pedra redonda ao centro. Além de não chamar a atenção, as barraquinhas de feira tampam a visão”, aponta.

A ideia da construção de um obelisco tem o apoio de quem é especialista na preservação do patrimônio histórico e cultural de Campinas como o professor de arquitetura João Verde, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), que integra o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc). Para ele, a atual marcação do marco zero é “algo muito simples para representar a história da cidade”.

Verde acredita que grande parte da população de Campinas não conhece a história da própria cidade, seja porque são pessoas que vieram de outras localidades e estados, ou por falta de medidas que destaquem e realcem os eventos históricos. “Eu sou professor de um curso sobre a história de Campinas na PUC. Sempre percebo que há alunos, que nasceram na cidade, que sequer repararam nos edifícios históricos, ou que alguma vez tenham entrado no Mercadão ou conhecido o belíssimo trabalho de entalhe em madeira da Catedral”, diz.

A curiosa história dos monumentos da cidade

O professor de arquitetura celebra iniciativas como a de Simões e acredita que a construção de um obelisco no marco zero vai fazer um reajuste no que considera a “curiosa história dos monumentos de Campinas”.

“Eu sou favorável a que se construa um obelisco bem característico no marco zero na Praça Bento Quirino. O que temos hoje ali é uma pedrinha no chão, no meio da praça. Campinas tem uma história curiosa com seus monumentos. Por exemplo, na Bento Quirino, temos a estátua do Carlos Gomes. Na Praça Carlos Gomes, temos um monumento do Ruy Barbosa. Na Praça Ruy Barbosa, que está atrás da Catedral, tem o Thomaz Alves, que não está na rua que leva o seu nome. O mesmo ocorre com o monumento das Andorinhas, que até ficou por um tempo no Largo das Andorinhas, mas hoje foi levado para a frente da Biblioteca Municipal”, aponta Verde que explica que o monumento foi transferido do local original e ficou no depósito da Prefeitura, em 1974, por conta do bicentenário de Campinas.

“Eu lembro até que um dia alguém escreveu no Correio Popular, reclamando que o monumento das Andorinhas havia sumido e aí resolveram colocar ele atrás da Prefeitura na frente da biblioteca. Ou seja, o Largo das Andorinhas não tem mais andorinhas. Elas voaram para outro lugar”, brinca Verde.

Aprovada, cosntrução aguarda licitação

A sugestão do empresário Renato Squarizi Simões foi recebida pela diretora de Turismo da Prefeitura Alexandra Capriolli. Segundo o idealizador do obelisco, a representante da administração pública informou que a construção aguarda a elaboração do processo licitatório.

Em setembro de 2019, Capriolli chegou a anunciar um concurso regional de ideias, coordenado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), para a construção do obelisco. Na época, a diretora informou que a Prefeitura já dispunha de R$ 115 mil para a obra, recurso disponibilizado pelo Ministério do Turismo.

A diretora de Turismo explica que, por conta dos prazos para utilizar a verba federal, não foi possível realizar o concurso em parceria com a IAB. De acordo com Capriolli, a Prefeitura resolveu elaborar um projeto inernamente com uma arquiteta concursada da administração pública.

“A ideia do Renato é maravilhosa e por isso tentamos viabilizar o concurso, que seria a forma mais legítima de se construir um marco desse para a cidade. Infelizmente, não haveria tempo hábil e tivemos que recorrer a um plano B para não perder o prazo para utilizar a verba disponibilizada pelo Ministério do Turismo. Estávamos aguardando uma resposta da Caixa Econômica, que é quem libera o recurso. Na sexta-feira, dia 5, tivemos esse aval e agora o projeto está com a Secretaria de Infraestrutura para a elaboração da licitação”, revela Capriolli que explicou que o processo deve levar cerca de três meses.

Resgate da História de Campinas

Para o conselheiro do Condepacc, a construção do obelisco vai “marcar pontualmente” o exato marco zero de Campinas. Verde explica que a curiosa história dos monumentos da cidade, citada por ele anteriormente, proporcionou confusões sobre o marco zero, inclusive.

“Há um fato tão curioso como os anteriores que é a construção do monumento da fundação de Campinas na Praça Guilherme de Almeida, que é aquela em frente ao Fórum. Na época que fizeram a praça e reformularam o então Largo do Visconde de Indaiatuba, hoje conhecido como Largo do Rosário, eles resolveram derrubar a Igreja do Rosário. Para acalmar a população que era contra a demolição, eles colocaram ali um monumento em homenagem à fundação, mas ele deveria ter sido feito na Praça Bento Quirino”, explica o conselheiro.

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