SAÚDE DA MULHER

Encarando de frente o câncer de mama

Apoio emocional e pequenas atitudes no dia a dia fazem diferença para apoiar a mulher que busca a cura

Karina Fusco
30/10/2023 às 10:07.
Atualizado em 30/10/2023 às 18:37
A professora Keyla Ferrari diminuiu o ritmo de trabalho para se cuidar, mas continua na ativa buscando o que a faz feliz (Rodrigo Zanotto)

A professora Keyla Ferrari diminuiu o ritmo de trabalho para se cuidar, mas continua na ativa buscando o que a faz feliz (Rodrigo Zanotto)

Ficou no passado o tempo em que o câncer de mama era uma doença extremamente assustadora por um lado e, por outro, se parecia algo distante de nós. Hoje, com a evolução dos tratamentos e as campanhas de conscientização, como o Outubro Rosa, que anualmente chamam a atenção para a prevenção e diagnóstico precoce da doença, a possibilidade de cura é uma realidade. No entanto, com certeza todos conhecem alguém que enfrentou (e venceu) o câncer de mama.

Os dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) indicam que para cada ano do triênio 2023-2025 são esperados 704 mil novos casos no Brasil. Uma das pessoas que recebeu o diagnóstico em 2023 foi a professora Keyla Ferrari, de 47 anos. Na verdade, esta foi a segunda vez que ela teve a notícia. A primeira foi em 2017 após sentir um nódulo na mama esquerda e ter a confirmação após uma biópsia. Na época, o tratamento se deu ao longo de um ano e meio e envolveu quimioterapia, radioterapia e cirurgia quadrante, sem retirar a mama. E Keyla, que era a quarta mulher da família a ter o diagnóstico, seguiu trabalhando e voltou a praticar uma atividade que ama e há muitos anos ensina. “A dança foi o que me segurou. Voltei a dançar, a olhar mais para mim e a cuidar mais de mim”, relata.

Sabendo que o tipo de câncer é hormonal, ela tirou útero e os ovários, uma medida preventiva indicada por seus médicos. Agora em 2023, percebeu o local da cirurgia duro e o mamilo coçando. Sem plano de saúde, ela pagou os exames e logo soube que o câncer tinha voltado, mas como é metastático, os médicos optaram por tratamento com medicação, pois não valia a pena a cirurgia. A alegre dançarina conta que o diagnóstico certamente é sinônimo de um abalo, mas ela sempre procurou se manter positiva e descobriu pessoas que há 15 anos fazem o controle do câncer metastático, como o dela, e isso a fortaleceu ainda mais. Desanimadora tem sido a batalha que ela enfrenta para conseguir pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a medicação necessária para o controle da doença. “O câncer já é difícil porque mexe muito com a feminilidade, mas sei que é possível superar esta fase, pois a medicina está muito avançada, porém, ao depender de um remédio de alto custo e saber que não tenho condição de comprá-lo, me faz sentir muito vulnerável”, diz. 

Keyla precisou recorrer a um advogado e entrar com uma liminar na justiça para solicitar o medicamento. A primeira caixa ela conseguiu comprar graças à ajuda de amigos que fizeram uma vaquinha virtual para que ela tivesse acesso ao tratamento enquanto aguarda a decisão da justiça. “Sei que vou ter que conviver com o câncer como se fosse uma diabetes, mas para me manter otimista, preciso seguir com o tratamento prescrito”, afirma ela, que viu outras pessoas passando pela mesma situação e entendeu que não era a única com liminar.

O impacto emocional do diagnóstico

O suporte emocional é fundamental para ajudar as mulheres que enfrentam o câncer de mama. A secretária Juliana Gonçalves, de 54 anos, conta que só entendeu isso depois que passou a raiva que sentiu ao receber o diagnóstico. “Me revoltei e espantei as pessoas que queriam me ajudar no começo. Depois aceitei o apoio psicológico e desde então sigo em terapia”, afirma. Já Keyla relata que fez e ainda faz toda a diferença o suporte que ela recebe da família e de amigos. “Aqueles que me convidam para um café não imaginam o bem enorme que me fazem”, destaca.

A psicóloga Ana Luiza Teixeira, do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti – o Caism, da Unicamp, esclarece que a partir do diagnóstico, as mulheres podem vivenciar sentimentos de incerteza, insegurança, ansiedade, angústias, tristeza, medo, culpa, raiva, desespero e desesperança. Mas não é uma receita repleta de previsibilidade. “Cada mulher vivencia o diagnóstico e o tratamento de maneira singular, de acordo com sua história de vida, seu modo de enfrentamento e suas experiências anteriores”, destaca. É para minimizar os impactos que o adoecer pode proporcionar, que o acompanhamento psicológico se faz fundamental.

Keyla não poupou esforços para fazer uma apresentação de dança junto com uma aluna em evento do Outubro Rosa para as pacientes do Caism (Rodrigo Zanotto)

Keyla não poupou esforços para fazer uma apresentação de dança junto com uma aluna em evento do Outubro Rosa para as pacientes do Caism (Rodrigo Zanotto)

O psicólogo favorece um espaço de escuta terapêutica e de acolhimento das emoções e vivências. Além disso, o acompanhamento possibilita que a mulher identifique seus sentimentos, desenvolva maneiras de enfrentamento positivo perante a doença, tenha uma melhor compreensão e adesão ao tratamento. “Estudos indicam que o acompanhamento psicológico proporciona maior redução dos distúrbios emocionais, como ansiedade e depressão, e diminui os sintomas A preferência é sempre pela reconstrução mamária imediata Júlio César Narciso Gomes Mastologista adversos associados ao câncer e tratamento”.

Keyla, que já se deparou com a falta de empatia e se indignou com pessoas dizendo que câncer é algo da cabeça dela e até recomendando medicações visando a cura, assina embaixo e completa: “é de extrema importância criar uma rede de apoio e participar de rodas de conversa, onde uma mulher se espelha na outra”. A professora revela que, da mesma forma em que se inspira em mulheres que vivem com o câncer metastático há muitos anos, ela quer ser inspiração para outras que tiverem o diagnóstico. “O cuidado deve ser todo dia, não só em outubro”, finaliza.

Avanços na cirurgia 

São também do INCA os números que mostram que as chances de cura são superiores a 90% quando o tratamento começa logo que é feito o diagnóstico da doença em estágio inicial.

O médico Júlio César Narciso Gomes, coordenador do serviço de mastologia do Hospital PUC-Campinas, explica que o tratamento é personalizado e que a cirurgia conservadora (quando se retira apenas um quadrante) é sempre a primeira opção. “Somente em casos mais avançados é que se opta pela mastectomia, que é a retirada total da mama”, enfatiza. E quando a indicação é pela mastectomia, a preferência é a reconstrução mamária imediata. Até nesse aspecto houve avanço no tratamento, pois os implantes se modernizaram o que permitiu o aumento no leque de opções para essa reconstrução. “O acompanhamento médico pós-cirurgia reconstrutora é o mesmo que é feito com uma paciente sem reconstrução. Não existe nada em especial. O que nós temos são cuidados imediatos em relação à melhora da cicatrização e diminuição das taxas de complicações relacionadas à reconstrução”, completa. 

A psicóloga Ana Luiza Teixeira e o mastologista Júlio César Narciso Gomes (Divulgação)

A psicóloga Ana Luiza Teixeira e o mastologista Júlio César Narciso Gomes (Divulgação)

Como ajudar uma paciente?

Muitas pessoas se afastam das pacientes em tratamento de câncer por não saber o que falar e como ajudar. A psicóloga do Caism, Ana Luiza Teixeira, dá algumas dicas para quem quer dar apoio:

✓ escute de forma empática sem anular os sentimentos que estão sendo mobilizados pela experiência da paciente;

✓ encoraje e fortaleça a capacidade e os desejos da mulher;

✓ estimule que a mulher compartilhe suas emoções, medos, angústias e dificuldades;

✓ esteja presente durante consultas, exames e procedimentos;

✓ ajude a paciente com afazeres diários, como limpar a casa ou pegar os filhos na escola.

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