dois anos sem a celebração

Conheça as tradições e símbolos da Festa Junina

Pesquisadora explica o motivo da festividade ser tão forte e popular no Brasil

Aline Guevara
13/06/2022 às 13:45.
Atualizado em 13/06/2022 às 13:45
A festa junina foi abraçada pelo povo brasileiro, como na  comunidade de uma das paróquias mais conhecidas de Campinas (Gustavo Tilio)

A festa junina foi abraçada pelo povo brasileiro, como na comunidade de uma das paróquias mais conhecidas de Campinas (Gustavo Tilio)

Após dois anos sem que tivéssemos plenamente uma das celebrações mais queridas do país, eis que foi aberta a temporada de Festas Juninas de 2022. E com tudo o que temos direito: comidas gostosas, bebidas quentes, bandeirolas, quadrilhas, fogueiras e a animação que o período provoca. Para a doutora do curso de Dança da Unicamp e pesquisadora em Dança do Brasil, Paula Caruso Teixeira, existe um motivo para a festividade ser tão forte e popular no país: “nela, é a comunidade que toma a frente. Pode até ter uma participação da paróquia, mas é a comunidade local que se estrutura, monta as barraquinhas, faz a comida, organiza a dança. Isso dá autonomia para a população e identidade local para a festa. É um momento para as pessoas celebrarem a vida”. Ela explica que isso é especialmente importante porque esta alegria e comunhão fortalecem as pessoas mesmo diante de adversidades diárias. “É este significado que tem se perdido em algumas festas maiores e que precisamos trazer de volta”, completa.

A Origem

A versão mais aceita entre acadêmicos sobre a origem da festa junina, segundo Paula, é a partir dos rituais pagãos europeus da mudança de estação da primavera para o verão, o solstício, e que comemoravam, entre outros motivos, a colheita. “Vemos que alguns elementos da festa junina vêm de lá, como a celebração em torno da fogueira. Era o momento da colheita, portanto fartura, então o fogo representa essa renovação”, conta a pesquisadora. Os primeiros relatos de festas mais aos moldes das nossas juninas são as “Joaninas”, celebrações em Portugal que se sobrepunham às antigas pagãs, mas que, já sob influência da religião cristã católica, festejavam em nome de São João. “E virou um ciclo, pois no mesmo mês temos os dias de Santo Antônio, em 13 de junho, São João, em 24, e, fechando, São Pedro, em 29. Os três padroeiros. Portugal traz esta festa para o Brasil quando passa a nos colonizar”, explica.

Festas dos vários Brasis

Ao lembrar as diferenças nas festas juninas pelo país, a pesquisadora cita o antropólogo e sociólogo Darcy Ribeiro: temos vários Brasis. “As celebrações no estado do Maranhão trazem também a figura folclórica do bumba-meu-boi. No Nordeste, a figura de São João é muito forte. Enquanto que aqui na região de Campinas e interior paulista temos o Brasil Caipira, que influencia na formação da nossa festa”, diz. Muitas tradições populares podem ser agregadas à festa. 

Símbolos e comidas típicas

Além da fogueira, Paula discorre sobre alguns outros elementos tradicionais juninos. “Ainda que Santo Antônio seja o santo casamenteiro, São João também tem esse papel de união e a festividade traz isso com o casamento na quadrilha, as danças, o correio elegante - ou do amor - com trocas de mensagens. Nada está ali à toa, tudo tem um sentido e razão de ser”, ressalta. Na decoração, as bandeirolas, balões e a estampa xadrez estabeleceram-se como ícones da manifestação. A dança e a música, que podem assumir tons nordestinos ou caipiras e sertanejos, também marcam presença. Mas a comida ganha uma atenção especial. Afinal, desde a origem, é uma festa que celebra a fartura de alimentos após a colheita. “No Nordeste, nesta época de junho, temos a colheita do milho”, lembra Paula. Não é à toa, portanto, que o alimento e seus muitos pratos derivados, doces e salgados, são constantes na festa junina: pamonha, curau, pipoca, bolo de milho, broa, canjica, o cuscuz nordestino e o próprio milho verde cozido. O amendoim também surge com as guloseimas paçoca e pé-de-moleque. O frio da época do ano estabeleceu as bebidas aquecidas, como vinho quente e quentão, feito a partir da cachaça. “São aquelas comidas fartas e que são diferentes do que comemos no cotidiano”, reforça a pesquisadora sobre o caráter extraordinário da festa.

Preservando a tradição

A festa junina é coisa séria na casa do diretor teatral Heyttor Barsalini, de 52 anos. A moradia dos pais, na cidade de Itu, virou sede de uma celebração junina anual bastante tradicional. A primeira foi em 1979. Mesmo com intervalos, o carinho pela festa sempre fez a família voltar a celebrá-la. “O principal objetivo é resgatar as festas juninas que minha mãe frequentava quando criança, nos anos 1950, na região rural”, revela. Portanto, além de decoração típica com bandeiras, fogueira e mastro, e das comidas tradicionais, eles ainda recriam gincanas, como corridas dentro de saco e brincadeiras de tentar morder a maçã. “Existe essa ideia de que as crianças conheçam esse modelo de festa”, compartilha. Ele aponta para o fato de que muitas festas juninas atuais têm usado referências estrangeiras em detrimento da tradição popular brasileira. “Nós temos nossas músicas, nossas vestimentas típicas, folclore. No meu entender, essa é a festa mais importante da cultura nacional”. Estes hábitos cresceram profundamente arraigados em Heyttor, que também é pesquisador da história da alimentação brasileira e ator. Durante 16 anos ele interpretou em festas tradicionais juninas de Campinas o personagem Nhô Minino, um contador de causos caipiras que arrancou risadas de muitas pessoas. Mas conta que este humor não faz muito sucesso com o público jovem e parou com a interpretação. “Hoje tudo é muito rápido, as pessoas não querem mais ouvir toda uma história para entender a piada”, justifica.

Canjica comunitária

A canjica da quermesse de uma das paróquias de Campinas é muito popular entre os frequentadores. “Tem quem venha para a festa só para prová-la”, brinca Márcia Cristina Montagner, uma das responsáveis pela barraca. O motivo, explica, é a tradição. “Tudo começou com a minha mãe que junto com mulheres do grupo dos Vicentinos faziam a barraca de canjica na nossa quermesse. Era conhecida como a ‘canjica dos Vicentinos’”, conta. Ela não se lembra exatamente quando o preparo da guloseima começou, mas garante que há mais de 20 anos já ajudava a mãe em casa com a receita. Atualmente, seguindo os passos da matriarca, ela mesma está à frente da barraca e a guloseima junina é comunitária. “Eu gravei um vídeo com uma receita base para ensinar as pessoas da comunidade a prepararem e, para a festa, cada um faz um pouquinho. Depois, juntamos tudo na barraca para finalizarmos a receita, cozinhando, aquecendo e servindo pura ou com paçoca, canela ou coco ralado”, explica. Para Márcia, essa comunhão em torno da panela está totalmente de acordo com o significado da festa junina. “O objetivo maior é a união entre as pessoas e passarmos esse tempo gostoso juntos. Inclusive, os principais ingredientes da nossa canjica são carinho e dedicação”, complementa.

Receita secreta

Quando a aposentada Rosemeire Silva, de 55 anos, passou a participar das festas típicas da paróquia, assim como Márcia, sabia qual era a receita típica que mais a atraía. “Comecei trabalhando na barraca de lanche de pernil, mas sabia que meu forte não era aquele sanduíche. Gosto mesmo de fazer vinho quente e quentão, tem mais a cara da festa junina”, brinca ela, revelando que conseguiu mudar para a barraca desejada. Hoje, é a responsável ao lado do marido. A preparação é intensa e começa dias antes da festa acontecer, mas Rosemeire explica que é a união dos paroquianos que faz a festa acontecer. “Durante dois anos tudo parou e ficou um vazio imenso. Não conseguimos fazer a festa. Estamos voltando agora, com todos os cuidados, mas com bastante fé”. 

A responsável pela barraca se recusa a revelar a receita das bebidas tradicionais que elaborou com os colegas. “É segredo de estado. Precisa vir provar”, convida. 

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