CECÍLIO ELIAS NETTO

Mesa de bar, primas e confessionário

22/11/2013 às 05:00.
Atualizado em 24/04/2022 às 23:25

Já há muitos anos, tenho dado as mesmas respostas e, todas as vezes, pessoas estranham. Ou se escandalizam. Ou fingem. E, mesmo em tempos de libertinagem plena, há quem ainda arregale os olhos. Ora, então, por que me perguntam? Pois — quando querem saber a minha opinião sobre o que falta aos jovens e adolescentes de agora — minha resposta, simplista, é sempre a mesma: mesa de bar, “primas” e confessionário.Ora, coisas feitas às escâncaras, abertamente, sem mistérios e sem pecado — essas coisas, todas elas, perdem a importância. E o interesse. É — nada mais, nada menos — do que a sensaboria, a chatice da banalização. Se tudo vale, se tudo pode, onde está o despertar da curiosidade, a valorização do proibido, a ansiedade do pecado? A curiosidade é a mãe do conhecimento. Se se dá o prato feito, vira hábito. E monótono e sem graça.Fazer pecado é muito importante para se fortalecer o espírito. Ou era. Pois, desde que se espalhou não “haver pecado abaixo do Equador”, caiu-se no vazio. Para cometer pecado é preciso, pelo menos, uma vaga percepção do divino. Se já se aboliu o divino, matou-se, também, o pecado. E, então, sobraram apenas as transgressões às normas morais ou jurídicas. Penso ser fácil entender: sexo, antes do casamento, era pecado e podia ser contra a norma moral. Mas não infringia qualquer norma jurídica. Agora, fazer sexo antes do casamento não é pecado, não é transgressão a nenhuma norma moral ou jurídica. Com isso, perdeu-se a graça. E acabaram o mistério, a culpa e a sensação de alívio pelo perdão obtido no confessionário.Era bom pecar, muito bom. Mas também angustiante. E se tratava de uma angústia especial, completamente diferente dessa angústia boba diante do vazio. Moços e adolescentes de agora sofrem diante e por causa da inutilidade do vazio. Antes, sofria-se por coisas proibidas, tabus, proibições que instigavam à desobediência. Era diante da proibição, do mistério, do segredo que almas adolescentes e jovens se agitavam. Havia uma aventura de ver, de fazer, de tentar, de desafiar. Digamos que éramos rebeldes com causa, com muitas causas. Agora, qual a rebeldia realmente inteligente, justificável? Qual cortina há que desperte o desafio de ser descerrada? Nem mais cortinas da vida existem, pois tudo se escancarou.Mesa de bar era um lugar sagrado. Mais sagrado ainda, fosse de boteco. Mesa com quatro cadeiras, não mais do que isso. Logo, para quatro amigos. Apenas. Trocavam-se confidências, segredos, buscava-se ajuda diante de tantas perplexidades. E discutia-se o pecado, mas de maneira rebelde, até mesmo revoltada: “Por que é pecado, se ela e eu nos amamos?” Entre si, os jovens mocinhos conversavam, reformavam e reconstruíam o mundo que, na manhã seguinte, era destruído, ainda outra vez, pelos adultos.E havia as “primas”, as santas mulheres do meretrício. Eram elas as deusas que revelavam, aos garotos, o mistério da iniciação, os ritos de passagem. “Conhecer mulher” era, para os garotos, algo mágico, deslumbrante, posso dizer que heróico e retumbante. Um tio ou um primo — até mesmo um amigo da família — levava o garoto à zona onde o esperava uma mulher previamente contratada e sabendo ser “a primeira vez”. Sexo? O garoto nem sequer pensava nisso, de trêmulo, medroso, assustado. Mas a “prima” — cumprindo seu dever — era gentil, sábia, experiente e, a pouco e pouco, fazia o menino sentir-se o mais poderoso e viril homem do mundo. E “conhecia mulher” e o mundo se escancarava todo iluminado mas com sombras do pecado.Era, então, quando se tinha o remédio infalível para curar a dor da culpa, aquele remorso estranho de, ao mesmo tempo, ter conhecido o prazer e o grande susto. Pode ter ocorrido o mesmo com Adão, mas ele não teve o mais eficiente dos remédios já inventados, mas esquecido ou substituído por divã de psicanalista: o confessionário, o padre. Com medo, assustado, com remorso, bastava ajoelhar-se e, através da janelinha, falar: “Seo padre, eu pequei”. E ele, interesseiro: “Sozinho ou com alguém?” Mostrava-se arrependimento, prometia-se nunca mais fazer e o pecado ficava com o padre. E a alma saía leve, prontinha para pecar novamente. O perdão através de três Ave Marias e um Pai Nosso. Não é fantástico de tão simples?Depois, pecava-se novamente, voltava-se à mesa de bar, procuravam-se as “tias” para conversar e aprender. E retornava-se ao confessionário. Era uma escola para se formar homens. Agora, o pecado acabou e acabaram-se também mesas de bares, “tias” de verdade — não as banais que andam soltas por aí. E confessionário sumiu. Minha conclusão: foi burrice matar o pecado.

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