CECÍLIO ELIAS NETTO

Menino que faz menino é homem

Cecílio Elias Netto
19/04/2013 às 05:05.
Atualizado em 25/04/2022 às 19:41
ig-cecílio (AAN)

ig-cecílio (AAN)

Sei ter, há alguns anos, escrito um artigo com o mesmo título: “Menino que faz menino é homem”. Trata-se de um ditado popular nordestino, com um profundo, em meu entender, senso de realidade. Ora, se adolescentes têm vida sexual ativa — e produzem frutos, por descuido ou por ignorância — qual experiência, na vida, pode ser mais desafiadora? Quando se penetra nos mistérios da vida sexual, cortinas da realidade se abrem. E, então, está feita a transição para o mundo adulto.

Entre os judeus, o rito do Bar-Mitzvá é altamente representativo. Ao completar 13 anos, o jovem atinge a maturidade religiosa judaica. E a cerimônia — da transição do adolescente para o adulto — se dá, entre outros ritos, com a primeira leitura da Torá. Isso significa que, no judaísmo, o jovem de 13 anos já é considerado suficientemente maduro para ser homem. Com as meninas, elas se tornam adultas aos 12 anos, com o Bat-Mitzvá.

Entre os católicos, essa cerimônia de transição acontece por volta dos 14 anos, com o Crisma, quando o adolescente adquire a maioridade religiosa, tornando-se, simbolicamente, “soldado de Cristo”. Portanto, para o sagrado — no judaísmo e no cristianismo — a maioridade difere das leis civis que, aliás, variam em muitos países. Se, para os religiosos abraâmicos, Deus é a suprema importância da vida, por que, então, uma criatura de 13 anos — que se tornou homem por poder ler a Torá, ou por ter sido crismado — não estaria preparada para as realidades mundanas?

Ora, já fui criança, adolescente, jovem, homem maduro, envelheço. Atravessei diversas épocas, conheci mudanças, transformações, modismos, novidades. Dessa aventura de viver, fica-me uma certeza plena: mudam-se contextos, mas o ser humano é o mesmo em sua essência. Tenta-se, em cada época, moldá-lo ou amoldá-lo, ao sabor de ideologias, interesses econômicos, novidades tecnológicas, até mesmo com o sequestro do espírito humano. Mas a natureza do homem resiste ao acidental.

Meus amiguinhos e eu começamos a trabalhar com 12 anos. Éramos engraxates, entregadores de encomendas, recolhíamos jornais velhos e garrafas de vidro. Fui, aos 12 anos, recepcionista no consultório médico de um primo nosso. O dinheirinho ajudava a diminuir a pobreza da família. E, com a mesma idade, professores me indicavam — aos pais dos coleguinhas — como acompanhante dos estudos caseiros deles. Ao mesmo tempo, eu praticava esportes com meu pai: natação, futebol, remo. Com tudo isso, fui um ótimo aluno.

Aos 13 anos — a pedido de meu pai — um primo meu me levou à zona do meretrício, onde acertara, com uma prostituta, minha iniciação sexual. Marilu, o nome dela. Nunca mais a esqueci. E sexo, para mim, mais do que misterioso, se me revelou com auréola do sagrado. Marilu, ao cuidar de mim, não foi prostituta, mas um anjo da guarda, tais a delicadeza, a seriedade, a bondade com que me acolheu. Com ela, aprendi que sexo implica, antes de mais nada, generosidade para com o outro.

Levei delicadas chineladas de minha mãe. Fui posto de castigo muitas vezes: não ir ao cinema, ficar fechado no quarto, não sair com os amigos, não jogar futebol. Meus amigos eram, também, punidos. Crescemos debaixo de regras e aprendemos a formar famílias ainda mais dialogantes. Nossos filhos — hoje, quarentões — não viveram violências domésticas, mas conheceram a autoridade dos pais. Castigos e punições não os traumatizaram. E nem se infantilizaram, como infantilizados estão, hoje, desgraçadamente muitos jovens. Nem, por excesso de mimos, foram crianças tiranas e desrespeitosas como muitas atualmente.

Ora, se um rapaz, com 16 anos, pode exercer um dos mais graves direitos — que é o de votar, de escolher o presidente da República — como se pode dizer não tenha, ele, responsabilidade diante de outros fatos da vida? Se é responsável para dar um voto que influirá nos destinos da nação, como não será responsável por crimes, delitos, malfeitos? Que lógica mais estúpida é essa? Ou seria a lógica dos políticos que buscam votos sem medir conseqüências?

Os tempos, hoje, favorecem a informação de crianças e jovens, muito mais do que antigamente. A sociedade, porém, quer infantilizá-los, impedindo-lhes o crescimento moral. Há — quando se volta a discutir a maioridade penal — de se pensar na sabedoria popular nordestina: “Menino que faz menino é homem”. E menina que gera filho é mulher.

O exercício da sexualidade deveria, também, definir a maioridade. Quem se julga competente para “fazer amor”, não pode ser visto como incompetente ao cometer crimes. A nação não pode mais ser vítima de filosofices etéreas e academicistas.

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