comportamento

Maternidade não está nos planos

A sociedade ainda cobra, mas muitas mulheres modernas não hesitam em afirmar que não pretendem ter filhos

Kátia Camargo
28/01/2019 às 15:46.
Atualizado em 05/04/2022 às 10:49

A blogueira e empresária Tábata Boccatto, 36 anos, que mora em Campinas, declarou recentemente, em seu canal no YouTube, que não faz parte dos seus planos ser mãe. E, para sua surpresa, recebeu muitos comentários de pessoas que também não priorizam a maternidade. “No momento que falei sobre isso, muita gente levantou a mesma bandeira e disse que não pensava em ser mãe. Percebo que muitas pessoas sentem vergonha de assumir que não querem ter filhos. A sociedade ainda cobra, principalmente das mulheres, que elas precisam ter filhos para serem felizes”, diz. Vale destacar que, no Brasil, de acordo com os últimos dados do IBGE, 14% das mulheres não têm planos de engravidar. Casada há nove anos, Tábata conta que um filho não está nos planos dela e do marido e que essa decisão não tem nada a ver com gostar ou não de crianças, pois o casal se dá muito bem com os pequenos. “No começo, as pessoas da família e os amigos nos cobravam muito. Hoje, entendem que é uma opção de vida e que estamos felizes com essa escolha”, conta. Tábata destaca que ainda existe um preconceito em relação a isso e que algumas pessoas podem até classificar essa escolha como egoísmo, mas é uma opção de vida. “Gostamos de ter tempo livre para nós, queremos ainda viajar bastante pelo mundo e aproveitar outras coisas da vida. E o mais importante: me sinto completa, feliz e realizada sem ser mãe. Se caso algum dia eu me arrependa dessa escolha, podemos pensar em adotar uma criança. Mas isso não faz parte dos nossos planos neste momento”, diz. A pedagoga Valéria Paiva, 49 anos, conta que também nunca sonhou em ser mãe. “Para ter uma ideia de como isso sempre fez parte da minha vida, me lembro de ser pequena e quando brincava de casinha só queria ser a filhinha, nunca a mamãe”, diz. Mas isso nunca a impediu de ser apaixonada por crianças e se dar muito bem com elas. Tanto que fez magistério, pedagogia e mesmo depois de terminar pedagogia trabalhou para uma família cuidando de duas crianças até ficarem adultos. “Brinco que só fiquei com a parte boa da maternidade, pois nunca sonhei em ficar grávida”, comenta. Casada há 15 anos, o marido, que já tinha outros filhos de outro casamento, deixou nas mãos de Valéria a opção de querer ou não ser mãe. “Continuei firme na minha escolha. As pessoas me perguntam se eu me arrependi de não ter filhos ou se eu não tenho medo de ficar sozinha na velhice. Eu digo que não me arrependo, fiz uma escolha consciente e sou bem feliz com ela”, diz. Recentemente, a apresentadora da previsão do tempo do Jornal Nacional, Maju Coutinho, 40 anos, também falou em seu programa de rádio, Papo de Almoço, da rádio Globo, que não sonha em ser mãe. “Gosto de crianças e elas gostam de mim. Mas é outro lance, não sei explicar muito bem o que é. Não sinto vontade de ser mãe. É de dentro”, revelou. Tese de doutorado As três personagens citadas acima reforçam a tese da doutora em demografia, Joyce Meneghim Fujiwara, 28 anos, defendida em novembro do ano passado, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O título do trabalho é: Mulheres sem filhos no Brasil: uma análise de características socioeconômicas e demográficas, razões e repercussões. “As características socioeconômicas e demográficas que estão mais relacionadas à ausência de filhos estão baseadas na situação marital, na escolaridade e na renda. “A ausência voluntária de filhos é maior em mulheres com maior escolaridade e que tem uma renda mais alta”, diz. Sobre a questão da aceitação de não ter filhos, a pesquisadora acredita que este é um movimento muito recente. Isso está ligado a essa nova era do feminismo que está em ascensão, tão presente nas redes sociais, no compartilhamento de informações e de ideias. “Há indícios de que o estigma da mulher sem filho é cada vez menor, porém ainda não podemos falar em generalização. Não podemos esquecer que a maternidade ainda pode ser entendida, em outro extremo, como uma forma de pertencer a um novo grupo: o das mães. Temos muitas realidades ao mesmo tempo, muitos Brasis dentro de um mesmo Brasil”, diz. Já a ginecologista e obstetra Maria Gabriela Loffredo D’Otaviano, do hospital Vera Cruz, afirma que a cada dia tem se tornado mais comum as mulheres chegarem ao consultório falando que não desejam engravidar. “Hoje em dia, as mulheres se cuidam mais, fazem atividades físicas, cuidam da alimentação, fazem exames preventivos, então o fato de optarem ou não por ser mãe não acarreta prejuízos para elas. É mais uma escolha pessoal, e isso independe de ser casada ou não. O fato é que é preciso respeitar como cada mulher lida com o corpo e com a vida dela”, avalia. NoMo As inglesas da Gateway Women - organização com sede no Reino Unido - criaram uma sigla NoMo (sigla de ‘No Mothers’, ‘Não Mães’, em inglês) que oferece suporte para as mulheres que não querem ter filhos. Elas querem ser livres ou simplesmente não estão a fim, querem cuidar da carreira, salvar o planeta ou qualquer outra coisa. Seja qual for o motivo, elas tem uma certeza: não querem ser mães. Entre os livros mais vendidos sobre este tema estão dois best-sellers mundiais Rocking the Life Unexpected (Balançando a Vida Inesperada), da inglesa Jody Day, umas das fundadoras da Gateway Women, ainda sem tradução no Brasil, e Mães Arrependidas, da antropóloga israelense Orna Donath, lançado aqui pela Civilização Brasileira. O primeiro livro a autora relata sua própria experiência, uma mulher que, aos 40 anos, deparou-se com o fato de que não seria mãe. Já o segundo livro traz relatos de mães que jamais imaginaram o que enfrentariam na maternidade, tendo como pano de fundo a discussão do mito do instinto maternal. Maternidade e feminismo A escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir nunca se casou com seu companheiro, Sartre. Para ela, o casamento não era necessário para se estabelecer uma relação de amor. Ela criticava duramente a opressão da sociedade às mulheres, que praticamente obrigava que elas se cassassem e dedicassem toda a sua vida ao marido e aos filhos. Também lutou pelo direito de escolha das mulheres. Uma delas era a opção da mulher por não ser mãe, como ela fez.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por