opinião

Maria Alcina, uma transgressora

Aquiles Reis
28/08/2019 às 10:46.
Atualizado em 30/03/2022 às 18:31

Está em minha mão o CD Maria Alcina in Concert (Kuarup). Para celebrar seus quase 50 anos de música, ela aceitou o convite do maestro Ederlei Lirussi para cantar com a sua orquestra. Com esse álbum gravado ao vivo, produzido por Thiago Marques Luiz e tendo o maestro Lirussi como regente da sua SP Pops Simphonic Band, Maria Alcina foi à luta. Foi quando encasquetei, Maria Alcina cantando com orquestra? Tem tudo pra dar errado. Será que seu jeitão de escracho total e provocador seriam engessados pela sincronia de uma baita orquestra, com 39 músicos? A teatralidade de suas apresentações perderia força? Ela teria tolhida a sua verve vanguardista? – Liga não, leitor, insegurança de fã. Desafiando os possíveis obstáculos, Alcina deu-se ao desfrute de cantar com a orquestra. E não fez por menos, sentiu-se à vontade como se estivesse em casa. Sua simples presença incita a plateia e o ouvinte, esse que sou eu mesmo (olha eu de novo), e aos poucos as minhas dúvidas foram se dissipando. Maria Alcina entra no palco. Pronto!, eu nem preciso ver a cena para “adivinhar”: basta ouvir o CD. Logo a plateia alcança o primeiro e intenso clímax. Ora, calma, múltiplos apogeus ainda estão por vir, disse eu pra mim mesmo. A tampa abre: como intro de A Voz da Noite (Sidney Mattos e Augusto Magalhães), a orquestra toca um medley bem ao estilo das big bands norte-americanas. O clima ferve. Eu sou Alcina (Zeca Baleiro) tira qualquer dúvida – àquela altura, eu, por exemplo, já não tinha mais nenhuma. A orquestra cai no colo de Alcina. Amparadas uma na outra, elas vão. A plateia canta junto. O máximo! Os arranjos da orquestra são arrebatadores, meu Deus! Tome Polca (José Maria de Abreu e Luiz Peixoto) parece feita para MA. Ela canta, fala com a plateia e nutre a música com seu gogó singular. E convida o público para cantar Kid Cavaquinho (João Bosco e Aldir Blanc). Convite aceito, lá vão eles. Os sopros tocam a intro. A interpretação de MA, como se dizia lá em Niterói, é cheia de “nove horas”. Alô Alô (André Filho): a orquestra se esbalda na intro. O sucesso encontra abrigo novo na voz de MA. Chica Chica Boom Chic (Harry Warren e Mack Gordon) inicia uma sequência de músicas bem-humoradas – todas do CD têm essa virtude –, e vem Folia no Matagal (Eduardo Dusek e Luis Carlos Góes), numa interpretação que acalora a música safadinha. A seguir, Bacurinha (DP). Se Folia no Matagal pode ser considerada “safadinha”, o que dizer de Alcina arrepiando na Bacurinha, meu Deus! Fechando a tampa, duas de Jorge Ben Jor: Camisa 10 da Gávea, homenagem a Zico, o grande ídolo rubro-negro, e Fio Maravilha, no qual um trechinho do hino do mais querido dá pinta. Mas eu sou intrometido, já estou cogitando outra coisa: um espetáculo como esse deveria ser lançado em DVD. E por que não? Afinal, vendo discursos oficiais bizarros quase diários, carecemos de imagens de momentos inteligentes como os que nos oferece Maria Alcina.

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