CHEF LAURO

Mandioca, inhame, taro...

Lauro Lucchesi
23/05/2013 às 06:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 15:01

Tarefa dura a de hoje, mas vamos lá!

Um dos vegetais que sempre trago para casa é este que conhecemos como inhame; é um dos meus prediletos pelo sabor, textura e suas reconhecidas propriedades terapêuticas, todas carimbadas por creditadas pesquisas. Mas há uma confusão semântica em torno do inhame e de alguns semelhantes, como o cará, o magarito, a taioba e o taro, todos cultivados ali sob a terra, como a cenoura, a beterraba e a batata.

Confusão muito antiga; começou quando o lusitano Pero Vaz de Caminha em sua carta enderaçada à corte confundiu as bolas e estampou nela que nossos tupiniquins se alimentavam fartamente com um tubérculo que chamou de inhame; o que ele chamou de inhame, no caso, era a mandioca, uma raiz única, mas semelhante ao inhame que muitos também chamam, no Norte e Nordeste, de cará.

O inhame a que se referia o escrivão é um tubérculo originário da costa ocidental africana, insumo importante na dieta daquele povo e, na época, já familiar aos portugueses pelo intenso trânsito de mercadorias em suas expedições pela costa daquele continente quando chafurdavam os mares em busca do caminho da Índia.

E, falando sério, pela cor e textura áspera da pele ele até lembra, à primeira olhada, uma raiz de mandioca. Este inhame que a gente encontra nas feiras, meio ovalado, com uma pele escura coberta de muitos pelos, com polpa branca, compacta e babenta, não é o inhame ao qual Pero Vaz se referia; ele tinha em mente o inhame africano, aquele marrom, com um fiapo aqui outro ali, volumoso, de forma longa e cilíndrica; também sua polpa é branca, porém com textura mais granulada, lembra uma batata-doce rechonchuda e, para diferenciar, são identificados nos mercados populares, onde é regularmente encontrado, como inhame do norte ou cará do norte.

Este inhame que a gente conhece por aqui como inhame, o mais comum nas feiras livres, não é inhame e sim o taro, originário da Índia e da Malásia. Juntando o equívoco de Pero Vaz e a origem deste último, talvez se explique um engano, o de muita gente chamar o inhame de comida de índio. Quando a primeira nau portuguesa ancorou na costa brasileira não havia nenhum vestígio de inhame ou taro nestas terras; ao contrário do cará, eram culturas desconhecidas pelos povos indígenas.

O cará, sim, integrava a alimentação dos nativos, já era cultivado pelos tupis e chamado de ká rá, do qual foi herdada a terminologia atual, cará. Já o termo inhame, compactuando com sua origem, deriva do africano nyame, que identifica algumas raízes desta família de planta ou, como querem outros, do iorubá iyã, do mandinga iyambi ou de yam, que na Guiné significa comer coisa boa (daí, quando alguém via um prato com aparência saborosa, disparava um nhame-nhame; lembram-se?). Mas, por aqui no Brasil, inhame e taro, antes dos portugueses, nadica de nada, só cará e mandioca.

INHAME NÃO, TARO!

O inhame, digo, taro, que vamos usar hoje em nossa receita é muito consumido pelos havaianos e asiáticos, que fazem dele sopas, assados, doces, tortas, cremes, purês e refogados. É apreciado também no sul (é chamado de taiá pelos gaúchos) e sudeste (mesmo alguns torcendo o nariz para o suco escorregadio que solta ao ser cozido, que lembra o quiabo), e apesar de todas suas excelentes qualidades nutritivas e custo acessível, é ainda ofuscado pela batata, mais procurada para consumo.

Eu o utilizo em sopas, refogado com carnes, para bolos doces ou salgados, chips, bolinhos fritos e até nhoque. Esta bagunça geral da literatura do inhame, taro, mangarito e cará ficará superficial e elucidada quando você provar de todos eles, mesmo que preparados de maneira semelhantes, irá detectar as características próprias de cada um. Com certeza, a maioria da população continuará chamando o taro de inhame e o inhame de cará e o cara de inhame-cará e assim vai.

Missão quase impossível reverter esta confusão nominal que já esta impregnada na cultura da cozinha popular. Vamos cozinhar!

ROSTI DE TARO COM ATUM E SHIITAKES

(para 4 pessoas)

Ingredientes

Para o rosti

700 g de taro;

50 g de manteiga sem sal;

50 ml de azeite;

1 colher (café) de noz-moscada raladinha;

Sal pimenta do reino a gosto.

Para o atum

4 filés de atum de + ou – 200g cada;

50 ml de azeite;

2 colheres (sopa) de gergelim preto e 2 de branco;

1 colher (chá) de sementes de coentro quebradinhas no pilão;

Sal e pimenta do reino a gosto.

Para o shiitakes

8 ou mais cogumelos shiitakes frescos, sem o talo;

1 tico de manteiga sem sal.

Para o molho

100 ml de vinagre balsâmico;

50 ml de shoyu;

50 ml de saquê para cozinha;

6 colheres (sopa) de açúcar demerara;

1 colher (café) de molho de pimenta vermelha.

VAMOS LÁ

Corto os inhames (êpa! taro, por favor) à Juliana, em tiras compridinhas e quadradinhas, fininhas (caso tenha dificuldade, faça na parte mais grossa do ralo ou use uma mandeline); coloco os tarôs picados em uma bol de inox ou uma vasilha de louça ou vidro e despejo sobre eles ½ litro de água fervente com 1 colher de sal grosso.

Espero 2 minutos, escorro e permito secar bem para eliminar a água. Feito isto, junto a noz-moscada, o sal e a pimenta do reino e, com a palma da mão ou com o auxílio de um aro de metal, moldo o taro; aqueço uma frigideira de fundo grosso borrifada com um pouco de azeite e nela acomodo os rostis; por cima de cada um deles coloco um pedaço da manteiga. Frito, alternando em fogo médio e baixo, virando-os, 3 ou 4 vezes, com o auxílio de uma espátula, até ficarem douradinhos.

Reservo todos em lugar aquecido. Em uma panela pequena junto todos os ingredientes do molho e permito reduzir pela metade, sempre em fogo baixo. Reservo. Elimino os talos dos shiitakes e salteio na manteiga em uma frigideira bem aquecida; esta operação não deve passar mais que 3 minutos. Reservo.

Usando a mesma frigideira que preparei os shiitakes, trabalho os filés de atum, já massageados com um pouco de sal: agrego mais um pouco de azeite e douro os filés do peixe por 2 minutos, no máximo, de cada lado. Retiro o atum e passo pela mistura feita com os gergelins, o coentro e a pimenta do reino. Sirvo assim, um pouquinho do molho, os shiitakes, o filé e o rosti, um ao lado do outro.

VEJA SÓ

O taro não precisa ser armazenado na geladeira; aguenta semanas em um lugar fresco, arejado e sem luz (a luz o fará brotar rapidamente). É um alimento um pouco calórico, mas de digestão fácil e rapidíssima. Quando comprar, averigue se não tem alguma parte mole ou muito esverdeada e também evite aqueles que apresentam cortes feitos quando são colhidos.

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