MARCELO SGUASSÁBIA

Making of com Michelangelo

Marcelo Sguassábia
faleconosco@rac.com.br
16/04/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 16:32

Marcelo Sguassábia (Cedoc/RAC)

Vaticano, quarta-feira, por volta de duas da tarde. Michelangelo dá início ao mais célebre dos afrescos: o monumental teto da Capela Sistina. Um Cardeal, muito próximo do Papa Julio II, acompanha o trabalho. — Deus sabe que estou pegando esse serviço a contragosto. Meu negócio é escultura, Roma inteira sabe disso. — Então serão anos de penitência. Começando agora, em 1508, o senhor deve terminar lá para 1512. — Anos de penitência e de torcicolo. Muito torcicolo. Mas encomenda de Papa não se nega, né? Vou encarar esse inferno para tentar garantir um lugarzinho lá no céu. — Desculpe a indiscrição, mas como você combinou o pagamento? Por dia ou empreitada? — Por empreitada. Por dia, nem a Igreja Sacramental da Graça aguentaria pagar. — Lá isso é. — Multiplique 365 por 5 e vê só onde é que iria parar essa conta... — Se me permite o comentário... esse tom que o senhor deu na unha do profeta Isaías. Parece que tá com micose, tem amarelo demais... — E essa cor aí, da sua batina... Tá meio pink, não tá não? Para um cardeal honorável como o senhor, não pega bem. — Que heresia! Isso é desacato à autoridade eclesiástica. Eu só estou querendo ajudar. Papa Julio provavelmente vai reparar nessa unha esquisita, e é melhor dar uma garibada agora do que ter que refazer o trabalho depois. — Tá bom, daqui a pouco eu cuido disso, Cardeal. — Michelangelo, eu vejo que você pincela direto no teto. Não tem um esboço prévio. Os rostos dos personagens bíblicos vão surgindo na sua cabeça? — Não é bem assim, não. No caso do pessoal ficha limpa como Noé, Moisés, Isaac e mais uma pá de gente boa eu coloco rostos de amigos meus. Agora, quando é o capeta, o Caim e outros da galerinha do mal, esses ganham rosto de credor, de cobrador de imposto, de gente metida que não me olha na cara quando me vê na rua, de uns e outros pra quem eu fiz retrato fiado e nada de pagamento até hoje. — Mas vai que um belo dia eles se reconheçam na pintura, depois de tudo pronto? Entram com um processo na justiça e você perde todo o serviço. Fora a multa por danos morais. — Sei... — Bom, outra coisa: você solicitou ao setor de compras um estrado de cama de casal e quatro rodinhas. Não tenho a menor ideia do que isso tem a ver com seu trabalho. — O estrado é para colocar em cima do andaime, para que eu possa trabalhar deitado. As rodas são para movimentar o andaime com mais facilidade. Caso contrário, a cada meio metro de pintura pronta eu teria que descer do andaime, empurrá-lo um pouquinho para a frente, escalá-lo de novo e continuar a pintura. Essa sacada quem teve foi o meu amigo Leonardo, um cara muito engenhoso. Não demora muito pra que toda loja de material de construção só venda andaimes assim, já com as rodinhas incluídas. — Está bem, vou providenciar. — Ah, tem um detalhe importante: o estrado precisa ter um buraco no meio. Essa também foi meu amigo Leonardo que sugeriu. A gente instala um sistema de cordas e roldanas que leva bebida e comida aqui de baixo lá pra cima. Dessa forma eu não preciso ficar subindo e descendo a toda hora. Pelo mesmo buraco pode passar também a comida e a bebida depois de processada, se é que me entende... — Assim seja, Michelangelo. Só avisa o empurrador de andaime quando vier número 1 e número 2 lá de cima, pra ele ficar esperto. Misericórdia, não há cristão que mereça um castigo desses.

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