Uma simples concha de um bom molho faz a diferença e dá um toque especial, mágico até, em muitos pratos que conhecemos. Não é possível precisar na linha do tempo a origem dos molhos, mas vários estudiosos desconfiam que eles tenham um parentesco muito estreito e íntimo com as sopas.
Faz sentido.
A mais primitiva comida elaborada ou criada pelo homem é a sopa; quando nossos parentes pré-históricos descobriram um jeitinho de aquecer a água e nela cozinhar alimentos, sejam eles carnes, grãos, ervas, legumes e transformá-la em um caldo saboroso e confortante, bingo: eis que surgia a primeira cozinha e quiçá o primeiro cozinheiro ou cozinheira do planeta.
Há alguns milhares de anos atrás já era habitual povos orientais como chineses e indianos conservar legumes, peixes e carnes de caças em infusões de água, sal e ervas para prolongar a vida destes alimentos; o caldo obtido deste processo participava solenemente das refeições, nada era descartado; reelaborado e enriquecido, teria então a função de um molho. Até pouco depois da idade média, quando a ciência começaria a se livrar das garras da inquisição, o molho era uma alquimia familiar, patrimônio de matriarcas; sua elaboração era um ritual intuitivo em parceria com o que o entorno ou quintal oferecia para prestigiar e enobrecer o cozido.
Bem, meia volta lá; aos molhos modernos. Simplificando (e muito), os molhos são preparações obtidas a partir de misturas de líquidos e outros ingredientes, com densidades variáveis, que podem ser usados quentes ou frios, cuja função é umidificar, condimentar ou apenas completar uma preparação culinária. Imaginem uma carne, um peixe, ou uma massa sem um molho? Na gastronomia de ponta, a alta e elaborada por profissionais diplomados, ou mesmo naquela praticada em casa, o molho tem importante participação na preparação dos pratos.
Ele vai muito além da simples decoração. Seria, digamos, um ator coadjuvante, mas daqueles que mantém a cena em pé, vibrante, viva, que sustenta e dá suporte a estrela ou ingrediente principal. Expõe-se descaradamente e chama para si responsabilidades importantes como a apresentação, a harmonização e o sabor final do prato. Alguns deles são tão importantes que dão nome aos pratos. Portanto, deve ser trabalhado e preparado com carinho e atenção, caso contrário, a refeição cairá em ruínas.
Foi somente no final do século 18 e início do século 19 que dois chefs franceses começaram a botar ordem na casa, ou melhor, na cozinha: Antoine Carême e Auguste Escoffier foram os primeiros a contribuírem para a padronização de boa parte das receitas de molho que conhecemos atualmente, estabelecendo o que hoje é reconhecido em todas as academias como duas divisões, a clássica francesa e a contemporânea, que contemplam os molhos básicos e suas derivações.
Mas isto é história para outro dia; vamos agora pra cozinha!
Entrecôte sauce Bordelaise
(Contrafilé a Bordalesa)
Ingredientes
(para 4 pessoas)
4 bifes de contrafilé (+ ou – 220 g cada);
6 échalottes, picadas (ou 1 cebola branca, média, ralada);
400 ml de vinho tinto seco e encorpado, de preferência um Bordeaux;
60 g de tutano de boi;
120 g de manteiga sem sal, em temperatura ambiente;
3 folhas de louro;
3 ou 4 raminhos de tomilho fresco ou ½ colher (café) do desidratado;
1 xícara (chá) de cebolinha verde picada em rodelinhas;
Sal e alguns grãozinhos de pimenta do reino preta.
Mãos à obra
Escaldo rapidamente o tutano, escorro e corto finamente. Em uma frigideira alta, em fogo moderado, derreto 2/3 da manteiga e junto a ela as échalottes ou cebola, as fatias de tutano e a cebolinha verde; mexo delicadamente e deixo os ingredientes se renderem ao calor, sem queimar. Adiciono o vinho tinto, as folhas de louro e os raminhos de tomilho, junto um tico de sal e pimenta do reino; aumento o fogo e espero o molho reduzir pouco mais da metade.
Enquanto isso massageio cada filé com um pouco de sal e pimenta do reino quebrada e estalo a carne sobre uma grelha ou frigideira de ferro bem quente com meia colher de manteiga e um fio de azeite; deixo 3 ou 4 minutos de cada l ado ou até o ponto de preferência do freguês.
Acomodo cada filé em um prato, passo o molho por um chinoise ou peneirinha fina, descarto as ervas, junto o restante da manteiga ao molho e amalgamo tudo rapidamente batendo com um chicote ou um garfo até a manteiga se integrar completamente ao molho; acrescento 2 ou 3 colheres de sopa do molho sobre a carne e sobre o molho e a carne salpico algumas rodelinhas de cebolinha verde. Sirvo imediatamente acompanhado de purê de batatas ou mandioquinha baroa.
Você sabia?
Bordelaise (bordalesa, em português) é algo feito à moda de Bordeaux, cidade ao sudoeste da França e mundialmente famosa pelos seus vinhos. O molho bordelaise é um clássico francês, um molho celebre encorpado com manteiga, apesar de estarmos aqui apresentando uma versão pouco simplificada (mas muito agradável) e acompanha diversos pratos de carne (Bordeaux é uma cidade carnívora por excelência). Assim, o contrafilé, neste caso, pode ser substituído por outro corte, como alcatra ou mignon.
Veja só
O vinho usado na receita pode ser substituído por um cabernet sauvignon bem encorpado e de boa procedência. Alguns açougues vendem pacotinhos com o tutano ou você poderá retirá-lo do interior de ossos como do mocotó ou mesmo ossobuco; caso não consiga o tutano, acrescente uma pitada de farinha de trigo ou araruta quando começar a fritar a cebola do molho. Existem algumas variações da receita, onde é acrescentado junto ao vinho caldo de carne ou vitela e ainda nós moscada e salsinha.