ESPECIAL/CRIMINALIDADE

Maioridade penal em xeque

Assassinato do universitário Victor Hugo Deppman por um adolescente fez ressurgir o antigo debate sobre maioridade penal

Fábio Galacci
gallacci@rac.com.br
29/04/2013 às 19:08.
Atualizado em 25/04/2022 às 18:17

Internos da Fundação Casa durante rebelião ocorrida em agosto de 2010 na unidade localizada no Jardim Amazonas, em Campinas (Edu Fortes/12ago2010/AAN)

A morte do universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, no início deste mês — assassinado com um tiro à queima-roupa na cabeça por um adolescente de 17 anos durante uma tentativa de assalto quando chegava em sua casa, na Zona Leste de São Paulo — fez ressurgir o antigo debate sobre a ação de menores de idade em crimes graves no Brasil e a possibilidade da redução da maioridade penal como forma de punição mais rigorosa.

Novamente a sociedade mostrou indignação, cobrou atitudes e as autoridades se apressaram em mostrar serviço. Dias depois do fato, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) esteve na Câmara dos Deputados e no Senado, em Brasília, para apresentar uma proposta que aumenta a punição para menores infratores e para maiores de 18 anos que usam adolescentes para cometer suas ações criminosas. As diferentes posições em relação aos caminhos para uma solução do problema têm provocado um embate entre parlamentares, principalmente do PT e do PSDB. A sociedade, que assiste a tudo, apenas espera por respostas concretas. Além do mais recente, mofam nas gavetas do Congresso, desde 2000, mais 12 projetos sobre menores/crimes.

O texto do projeto de lei n 5.385/2013, de autoria do deputado federal de Campinas Carlos Sampaio (PSDB-SP) (foto), atual líder do partido na Câmara, altera pontos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O tempo máximo de internação de menores infratores passaria dos atualmente fixados três anos para até oito anos quando a acusação for de crime hediondo, como homicídio, sequestro e estupro. Se o infrator chegar à maioridade e ainda tiver pena a cumprir, ele passaria para algo denominado Regime Especial de Atendimento, ainda na Fundação Casa. Vale lembrar que, em 2003, Alckmin esteve em Brasília para apresentar outro projeto sobre o mesmo tema. A proposta está engavetada até hoje.

Dessa vez, os parlamentares se mostraram mais interessados em discutir. Assim que recebeu o novo projeto de lei, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), determinou a criação de uma comissão especial para discutir o assunto, com prazo limite de 60 dias para apresentar uma solução. O colega Vieira da Cunha (PDT-RS) foi escolhido presidente e o tucano Sampaio é o relator. Ambos são promotores de Justiça. “É uma comissão formada por um relator e um presidente que atuaram na área (da segurança) através do MP, que têm consciência jurídica do problema e consciência social em função do próprio mandato” , afirma o deputado federal de Campinas. “A criação dessa comissão é um passo importantíssimo no sentido de dar celeridade à discussão dessa proposta. A comissão vai se debruçar em relação aos temas que foram dados como norte pelo governador.

Todos os outros projetos que tenham afinidade com a proposta serão apreciados no sentido de aprimorar o projeto”, detalha Sampaio, lembrando que o Congresso tem um total de 12 projetos sobre o mesmo tema, que vêm sendo apresentados desde 2000, mas que ainda não viram a luz do dia.

Na defesa do projeto apresentado por Alckmin, o deputado aponta ainda que, nos últimos dez anos, houve um aumento de aproximadamente 138% no número de adolescentes envolvidos na prática de atos infracionais no Brasil. “Só para se ter uma ideia, na época em que o ECA foi promulgado, sequer existia o crack no País. Então é necessária, em razão do tempo decorrido, uma adequação. Qual é a grande vantagem dessa proposta que nós apresentamos aqui?

Primeiro, ela foge da questão da maioridade, o que implicaria em mudanças na Constituição. Para a aprovação disso, o quórum deveria ser muito maior e a discussão seria infinitamente mais longa. O governador conseguiu desviar dessa questão, na medida em que ele não propôs a redução da maioridade. A espinha dorsal do ECA também foi mantida. Não se impôs uma pena ‘de’ oito anos, mas de ‘até’ oito e para especificamente crimes hediondos. Não se permitiu que esse adolescente, quando fizesse 18 anos, fosse encaminhado para o sistema prisional. Ele continua na Fundação Casa, que é outra espinha dorsal do ECA. Não se impediu que, de seis em seis meses, fosse feita uma avaliação psicológica dos adolescentes, como hoje prevê o Estatuto. Ou seja, o governador não descaracterizou o ECA.”

Críticas

Para completar, o deputado ainda faz questão de rebater algumas críticas feitas ao projeto de sua autoria. “Ouvi, por exemplo, um ex-secretário-geral do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana dizer que,(o período de) até oito anos, fere o princípio constitucional da brevidade da medida socioeducativa de internação para adolescentes. A primeira crítica que eu faço a essa avaliação é que esse princípio não é constitucional; a brevidade está prevista no ECA e não na Constituição. A segunda é que esse princípio da brevidade não é absoluto. O que o governador fez foi excepcioná-lo.

Um exemplo: estupro contra incapaz. A pena pode ser de até 20 anos. Homicídio qualificado. A pena pode ir até 30 anos. Nós estamos respeitando o princípio da brevidade quando dissemos que um adolescente com 17 anos só pode ser internado até oito anos. A brevidade tem que ser comparada à pena dada aos adultos. É preciso existir uma certa proporcionalidade. A pena pela prática daqueles mesmos crimes. A justiça está em tratar-se desigualmente os desiguais exatamente na medida em que se desigualam. Então, essa crítica me pareceu desprovida de uma lógica”, comenta o tucano. O recado vai para o ex-secretário Ariel de Castro Alves, que recentemente fez o seguinte comentário: “Oito anos de internação representa a metade da vida de um jovem de 16 anos.”

PONTO DE VISTA

O sistema prisional iria falir

por Fabrízio Rosa*

Em primeiro lugar devemos ressaltar que o menor não incorre em delinquência por ser menor. Assim como o adulto não pratica crime por ser adulto. O criminoso é fruto de uma conjunção de fatores sociais, que muitas vezes passa longe da questão da idade. E os principais fatores são a falta de estrutura familiar, a falta de educação com qualidade nas escolas, onde o professor não possui mais sua autonomia de cátedra, enfim, fatores muito distantes do direito penal.

Não podemos olhar o direito penal como panaceia, na esperança de que a criação de crimes, a redução da maioridade penal ou o incremento das penas venha a reduzir a criminalidade e resolver o problema. Direito penal que se respeita e que funciona não está na quantidade de penas, mas sim em sua eficácia, na certeza de sua aplicação.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, criado em 1990, prevê medidas de proteção e medidas sócioeducativas que, se aplicadas, efetivamente, com a devida estrutura, talvez pudessem melhorar o perfil do adolescente que enveredou para a seara do crime. Acontece, entretanto, que a realidade nos mostra que a Fundação Casa representa, nos dias de hoje, verdadeiro “curso técnico para a criminalidade”. Então, a pergunta que se faz é: reduzir a maioridade penal pra quê? Seria decretar de vez a falência do sistema prisional brasileiro ou a falácia do ordenamento jurídico, que reconhece condutas como crimes, mas é incapaz de punir os agentes delituosos. Precisamos sim de um direito penal eficaz e que cumpra sua função de, ao retirar o criminoso do âmbito social, possibilite ao condenado sua ressocialização, e não um aperfeiçoamento para o mundo do crime! Devemos pensar, antes de abrir o debate para a redução da maioridade penal, em profundas mudanças sociais e culturais na população brasileira. O problema é que isso leva tempo, e não reelege ninguém. São necessárias pelo menos cinco gerações para sentir as melhorias, com efetivo acesso à saúde, educação, meios de transporte dignos, cultura, esporte, lazer, instituições sérias. 

*Fabrízio Rosa é advogado criminalista, mestre em direito penal e professor de direito penal e processo penal na PUC-Campinas

Vacarezza nega que tema tenha sido partidarizado

Questionado sobre o tema da redução da maioridade penal, o deputado federal Cândido Vaccarezza (foto abaixo) (PT-SP) entende que não é o momento para precipitações. “Esse é um debate mantido pela sociedade brasileira e que não é uma coisa para se aprovar agora como algo em que você seja contra ou a favor. Para quem defende a redução da maioridade penal existem argumentos que devem ser considerados, mas não pode ser uma coisa onde todos achem que isso vai resolver o problema... Ou simplesmente algo eleitoral.

Tem que ser um debate mais aprofundado. Eu não tenho uma opinião ainda a esse respeito, mas acho que temos que começar a discussão”, diz. “A população está com pressa para que se resolva o problema da criminalidade, mas nós temos que ter a responsabilidade de quem faz a lei. Com isso, vamos reduzir a maioridade penal e está resolvido? Claro que não está!”, acrescenta.

O deputado petista indica a sua posição contrária à redução da maioridade penal: “No Estado de São Paulo tem aumentado a criminalidade e não são só os jovens, os menores de 18 anos, que cometem os crimes hediondos. Aí, se faz um debate como se fosse a salvação da lavoura e não é isso. A necessidade de resolver o problema do aumento da criminalidade e dos abusos que ocorrem no Estado de São Paulo, por exemplo, é algo que precisa ser feito no curtíssimo prazo. Aliás, já deveria ter sido resolvido. Mas isso existe no Brasil inteiro”, diz, negando que esteja havendo qualquer partidarização do tema no Congresso Nacional.

“Todo debate tem a participação dos partidos. Eles fazem parte da vida democrática. O problema é quando o debate é mal conduzido” , comenta.

Silêncio

O líder do PT na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), foi procurado pela reportagem para dar uma opinião sobre o assunto, mas sua assessoria informou que ele preferiria não falar nada antes de um “debate interno” com os colegas de partido.(FG/AAN)

Mentor prega investimentos na prevenção da delinquência

O deputado federal José Mentor (PT-SP)  (foto abaixo)  acredita que é preciso ter cautela em relação ao tema da maioridade penal no Brasil para que não haja radicalismos na aplicação da lei. Para ele, o caminho é investir na prevenção. “Hoje, há crianças de 10, 12 anos que cometem infrações. Então, o remédio tem que ser sobre a causa do problema, senão, daqui a pouco, a criança será condenada ao nascer. É necessário investir na prevenção, impedir que a criança vá para a delinquência e, mais tarde, quando adulto, ingresse no mundo do crime. O Estado deve aumentar o investimento em escolas de período integral, investir no ensino técnico, em projetos de educação, lazer e cultura na periferia, evitando assim que mais crianças e jovens cometam delitos”, opina o parlamentar.

O petista reforça a sua preocupação com a necessidade de uma real recuperação dos jovens infratores e faz críticas ao sistema adotado pelo governo estadual em São Paulo. “Isso não significa defender a impunidade. Ao contrário, acredito que para crianças e adolescentes que cometem um delito é preciso medidas socioeducativas num sistema que, de fato, ressocialize. E a Fundação Casa não é sinônimo disso. A única diferença que tem da Febem é o nome, pois segue como exemplo de falência do sistema penitenciário no Estado de São Paulo”, afirma. “Na minha avaliação, a proposta de redução da maioridade penal servirá apenas para aumentar o número de jovens dentro de um sistema penitenciário falido, que promove a troca de experiências criminais, aguça a raiva desses adolescentes vítimas de maus tratos, e perpetuar a violência nessa juventude”, avalia o deputado.

ONG campineira é referência no País

Reportagem recente do Correio  mostrou que pode haver uma luz no fim do túnel em relação à ressocialização de menores envolvidos com o crime. O Centro de Orientação ao Adolescente de Campinas (Comec) é um desses pontos de referência. A organização não governamental (ONG), que tem convênio com a Prefeitura e é responsável hoje pela ressocialização de 240 adolescentes, tem mais de três décadas de atuação e apresenta uma das mais baixas taxas de reincidência do Brasil. O índice é de 11% para os garotos em liberdade assistida (LA) e de 8% entre os menores no programa de prestação de serviços à comunidade (PSC). No País, o percentual de jovens que volta a cometer infrações é de 43%, de acordo com pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “O principal obstáculo é fazer com que eles pensem a longo prazo, tenham objetivos”, diz a coordenadora Juliana Vedovello.

PONTO DE VISTA

Impunidade estimula os delitos

por Geraldo Alckmin*

Ele (o projeto apresentado) modifica a lei, pode ter uma tramitação mais rápida e são pontos bem objetivos. São quatro mudanças no ECA, no Estatuto da Criança e do Adolescente, que é uma boa lei, que preserva direitos das crianças e dos adolescentes, mas não responde aos casos mais graves reincidentes e casos graves que nós verificamos hoje. Não tem limite, então, a impunidade. Ela estimula a atividade delituosa. São quatro mudanças: a primeira quando diz que até três anos há a privação de liberdade. Nós ampliamos para até oito anos nos casos de crimes hediondos. Homicídio qualificado, latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro e estupro de vulnerável. A segunda: completou 18 anos, a pessoa vai para o regime especial de atendimento. Pouca gente sabe que, nas fundações que fazem o trabalho socioeducativo, têm pessoas com 20 anos e 11 meses, que não são nem crianças e nem adolescentes. Então, completou 18 anos, fica na própria Fundação, não vai para o sistema penitenciário. Fica na Fundação, mas separa imediatamente para o regime especial de atendimento, que são alas isoladas. A terceira: hoje, há vazio legislativo nos casos de problema de saúde mental. Nós temos até um caso em São Paulo que teve que haver uma interdição de um menor que cometeu assassinato e com três anos teria que sair, mas não tem como sair porque ele não tem a responsabilidade, não tem o juízo de valor, em razão do problema mental. Então, nós estamos prevendo, nos casos de saúde mental, a possibilidade de um atendimento ambulatorial ou internação hospitalar. E, finalmente, o agravamento da pena para o maior que usa o menor, que coopta o menor para fazer crime, o que é hoje muito comum. Então, se o maior cometer um crime junto com um menor, a sua pena é agravada pelo fato de estar cooptando, se utilizando do menor para cometer atividade criminosa.

* Geraldo Alckmin é governador do Estado de São Paulo. O texto é uma transcrição da declaração do governador no último dia 16, em Brasília, na entrega do projeto que altera o ECA

Fundação Casa tem 9 mil internos

De acordo com o último boletim estatístico interno da Fundação Casa, realizado no início deste mês, a instituição conta atualmente com 9.016 adolescentes no Estado, de ambos os sexos, em atendimento inicial, internação provisória, internação, internação-sanção e semiliberdade. Do total de jovens, 96% são do sexo masculino e 4% do feminino. A maior parte — 6.614 pessoas — possui idade entre 15 e 17 anos. Outros 1.740 adolescentes têm 18 anos ou mais. Na faixa etária dos 12 a 14 anos há 661 jovens no local.

Quando se trata do perfil dos atos infracionais dos ocupantes da Fundação Casa em diversas regiões do Estado, o tráfico de drogas (41,8%) é predominante, seguido pelo roubo qualificado (39%), roubo simples (5,1%) e o furto (1,9%). O ato infracional de porte de arma de fogo corresponde a 0,65% do total de infrações cometidas. O latrocínio corresponde a 0,9% do universo dos atos infracionais de jovens atendidos na instituição, o que corresponde a 82 adolescentes que cumprem medida socioeducativa por esse tipo de infração. Desses, 33 jovens possuem mais de 18 anos e 49 estão abaixo dessa faixa etária.

Desde 2006, a instituição descentralizou seu atendimento pelo Estado e 62 pequenos centros de atendimentos socioeducativos foram construídos. Desses, 55 têm capacidade para 56 adolescentes, sendo 40 na internação e 16 na internação provisória.

Antes de 2006, praticamente todo o atendimento a adolescentes era concentrado nos grandes complexos da Capital, que reuniam muitos jovens. O bairro do Tatuapé, por exemplo, chegou a abrigar 1,8 mil adolescentes em 18 unidades. Em 2005, 82% dos adolescentes do Estado estavam na Capital, contra 18,8% no Interior. “Com tantas pessoas juntas não era possível fazer um bom trabalho”, admite o material de divulgação institucional da fundação. “Hoje, o adolescente é atendido próximo de sua família, o que facilita sua recuperação”, cita o texto.

Atualmente, 38% estão na Capital, 44% no Interior, 6% no Litoral e 12% na Grande São Paulo.

Rebeliões

A assessoria da Fundação Casa aponta que o número de rebeliões vem caindo desde 2005. Naquele ano, ainda como Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), foram registradas 53 rebeliões. “Esse índice caiu para duas em 2013, havendo uma média de 3,5 rebeliões por ano entre 2007 e 2012”, informa a instituição, que presta assistência a jovens de 12 a 21 anos incompletos.

Colaborou Cecília Polycarpo

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