Para ser um bom mochileiro, basta apenas ter o desejo de aventurar-se pelo mundo
Lucilene em um dos passeios de barco desde que virou mochileira, na divisa entre o Peru e a Bolívia ( Divulgação)
A família da mineira Lucilene Marques sempre trabalhou com comércio de artigos voltados para o turismo. Em suas férias da escola, ela sempre os ajudava na loja e pensava: "Um dia vou poder viajar assim como esse pessoal". Durante a faculdade, diz que até poderia ter viajado, mas o dinheiro sempre foi contado. Com isso, prometeu a si mesma que assim que tivesse condições aproveitaria para viajar em todas as oportunidades que tivesse e que nem mesmo a falta de companhia a atrapalharia.Formada em administração de empresas, Lucilene, mais conhecida pelo apelido de Lu, trabalha numa empresa pública, em Fortaleza. Mudou para a cidade após ter aceitado uma transferência de Uberlândia. "Nunca pensei em trabalhar no exterior. Viajo por prazer mesmo". Sua primeira viagem internacional foi para o Peru e Equador, em 2009, com direito à passagem nas ilhas Galápagos com um mochileiro que conheceu no site (mochileiros.com). Dois anos depois embarcou para a Argentina. No ano passado Lu realizou o sonho de conhecer a Europa ao lado de duas amigas. Fizeram um tour pelo Reino Unido, Bélgica, Holanda, Alemanha, Áustria e República Tcheca.Neste ano, já foi para a França e Turquia. Em novembro, viajará novamente, desta vez, com destino a Portugal e Espanha. A fama de mochileira lhe rendeu a viagem totalmente gratuita, custeada por uma tia. Para 2014, ela planeja conhecer o circuito fora de Istambul e Capadócia, na Turquia, e também Israel e Grécia. No Brasil, ela continua decidida a fazer uma viagem de final de semana todo mês. A última foi para Salvador e as próximas serão para São Luis e Teresina. O destino é escolhido conforme as promoções de cada companhia aérea. No país, já teve experiências fantásticas, como em Fernando de Noronha (onde conheceu um grupo de mochileiros estrangeiros e decidiu ser como eles), na Floresta Amazônica, dentre outras.O primeiro mochilão do universitário Mauro Vinícius Brandão, de 24 anos, aconteceu em janeiro deste ano quando ele ficou 25 dias viajando e conheceu três países: a Bolívia, o Chile e o Peru. A maioria do percurso foi feito de ônibus (o trecho de Santa Cruz de La Sierra até Sucre, na Bolívia, foi feito de avião).Aos 16 anos, Mauro foi vender livros em Foz do Iguaçú. Ficou três meses na cidade e a experiência lhe rendeu muitas coisas positivas, como aprender a lidar com o desconhecido e com as situações adversas. Desde então, se habituou a viajar com amigos, seja para praias, trilhas ou travessias pelo Brasil. Brandão diz que adora acampar e que esse vício por viagens surgiu dos acampamentos de igreja. "A alma de viajante está no sangue. Você nasce com isso. Está dentro de nós. Só não sabemos bem o que é esse sentimento".O seu debut internacional começou a ser planejado em julho do ano passado numa conversa com a irmã mais velha sobre viagens e trilhas. Nesse papo, ela disse que tinha vontade de conhecer Machu Pichu, no Peru. Até então, ele afirma que nunca teve muito dinheiro para viajar e que sempre se virava como podia. Quando conquistou uma renda melhor decidiu que era hora de arriscar voos maiores. "Iria só para Machu Pichu, mas quando comecei a pesquisar, o roteiro foi aumentando. No final, uma viagem de dez dias se tornou um mochilão de 30 dias".Em todos esses países, Brandão ficou hospedado em hostels onde conheceu gente de vários lugares do mundo. Ele diz nunca ter feito cursos de inglês ou espanhol, mas o interesse por tradução de músicas acabou ajudando-o. "Não é necessário falar fluente para viajar, mas, sim, não ter medo de errar e estar aberto a aprender". CURIOSIDADESLucilene, Daniel e Brandão acumularam muitas curiosidades e experiências ao longo de suas aventuras pelo Brasil e também pelo mundo afora. Brandão relembra com sorrisos da entrada de três mulheres num ônibus da Bolívia vendendo frango com batata frita. "Aquele cheiro de frango assado meio velho infestou o ônibus, mas todos compraram. Foi uma das coisas mais estranhas que já vivi".Para Daniel, uma das coisas mais emocionantes de sua viagem foi a estada de 40 dias numa fazenda orgânica, na Dinamarca. Ele diz que o desejo de viver uma cultura do desapego foi o que o motivou a buscar um novo estilo de vida. Em pesquisas pela Internet encontrou o contato desta fazenda na cidade dinamarquesa de Fuglebjerg. "Mandei um e-mail na maior cara de pau dizendo que gostaria de trabalhar como voluntário em troca de alimentação e moradia. Expliquei que queria conhecer as culturas orgânicas e ver o que estava sendo feito ali. Curiosamente eles me deram o aval. Comprei a passagem e fui embora".Foi lá que Daniel encontrou o clima que precisava para escrever uma nova peça e para aprimorar o inglês. "Vivi com essa família por 15 dias. Eles são muito fechados, mas esse clima favoreceu a busca da minha espiritualidade e também a escrita. Depois disso, foram chegando vários voluntários e convivi com americanos, japoneses, franceses e alemães. Estendi minha permanência por dois meses".Daniel diz que a convivência com estas pessoas o fez enxergar um outro lado da vida, menos preocupado com dinheiro ou status. "Comecei a entender que é possível fazer as coisas de uma forma diferente. Para rodar pela Europa não é preciso ter grana no banco e uma boa agência de turismo, apenas vontade de conhecê-la".Dentre todas as emoções vividas por Lucilene em suas viagens, ela destaca os campos de concentração na Alemanha. "Chorei pensando no sofrimento dos que foram perseguidos pelo nazismo, mas vi uma nação fortalecida e que faz questão de relembrar o horror para que ele nunca mais se repita. Eles também são muito simpáticos".Lucilene diz que o mais surpreendente, porém, aconteceu na Turquia. Por ser um país muçulmano, ela esperava se sentir uma "estranha no ninho". "Lá eles convivem harmoniosamente com o velho e o novo. Há mulheres que se cobrem toda e também as que usam saias curtas como no Brasil. Todos são loucos por brasileiros e me senti muito segura". TESTE DOS MOCHILEIROSPrefere, uma cama confortável e um banho quente ou uma aventura em qualquer lugar sem muita estrutura, mas com paisagens fantásticas ?-Prefere comer uma boa comida ou não liga de comer em um restaurante popular?- Prefere dormir em um quarto sossegado ou está disposto a encarar um quarto compartilhado com 16 camas?-Se preocupa com transporte até os locais ou está disposto a pegar coletivos e transporte público? Se escolheu a segunda opção dessas questões, saiba que já é meio caminho andando para se dar bem como mochileiro. O diário de DanielViajo sozinho. Coloco a mochila nas costas e decido onde ir. Juntei tanta (pouca) coisa na vida e faz meses que vivo só com aquilo que cabe numa mochila. O que estiver pesando eu jogo fora. Nesse tempo todo percebi que fora um pouco de álcool, um pedaço de queijo e alguns pães, tudo parece supérfluo. Há de se perceber que nada que os outros pensam sobre você ou a vida será tão importante quanto o que você mesmo pensa. Viver contra o que os outros pensam é possível. Viver contra o que você mesmo deseja não! Tento criar um bolsão de liberdade na minha existência, mesmo que dure por pouco tempo. Ás vezes, isso tem um preço; dorme-se numa praça, sente uns vazios de incerteza e existe a necessidade de controlar os desejos e vontades. Uma coisa que se aprende e que dói um pouco é dizer adeus. Em cada praça, cada hostel, cada chegada do ônibus, você precisa dizer adeus a pessoas que realmente, por um curto espaço de tempo, fizeram profundamente parte do seu universo e talvez, devido à disponibilidade que todos na estrada se encontram, partilham mais vida do que alguns amigos que conhecemos faz muito tempo. Pode parecer irresponsável ou imaturo, mas parece esse o estado ideal pra mim. Respeito quem ama estar seguro, quem tem um alicerce em casas, carros e poupanças, mas o preço disso tem me parecido algo muito distante. Sim, o tempo passa, as oportunidades voam e teremos que acertar as contas no futuro, porém, nesse momento me sinto extremamente vivo. Me sinto bem como nunca antes me senti e sinceramente pouca coisa me faz falta. Realmente precisamos do essencial, o resto pouco importa. Eu não retruco com quem tenta me assustar com a insegurança ou quem me rotula irresponsável (imaturo?)... Eu sou como a YVES- personagem do ultimo texto que escrevi. Em dado momento (última fala acho) ela exclama o que durante toda vida grito internamente: EU VIM SALTAR!