HENRIQUE NUNES

Libertadores e suas amarras

Henrique Nunes
21/02/2013 às 22:08.
Atualizado em 26/04/2022 às 03:46

As veias abertas da América Latina sangram como nunca desde a quarta-feira. Não há sensacionalismo barato, tampouco oportunismo na comoção e revolta causada após a morte do jovem torcedor boliviano durante a partida entre San José e Corinthians pela Libertadores.

O assassinato (não há outro termo viável) é a vitória às avessas dos que lutam há tempos contra a precária e desorganizada competição continental. Com exceção dos clubes e seus torcedores, sobretudo os brasileiros, a Libertadores tem caído em descrédito à medida em que a profissionalização do futebol avança em países antes com pouca tradição no esporte. É o paradoxo do progresso. Mas o acidente em Oruro não pode ser avaliado sem considerar todas as nuances de um fato que extrapolou o campo de futebol e corre o risco de gerar crise diplomática entre Brasil e Bolívia.

A discussão é longa, perigosa e repleta de armadilhas. Eis algumas das questões ainda sem resposta. Primeira: qual o tipo de punição, justa e eficaz, deve receber o Corinthians? Segunda: seja lá qual for a punição, ela resultará numa mudança geral de comportamento dos clubes, dos responsáveis pela segurança e dos torcedores? Terceira: o comportamento da torcida deve ser responsabilidade dos clubes, da segurança pública ou da responsável pela organização da competição? Ainda há muitas outras questões a serem respondidas, mas a história mostra que revolta e comoção nem sempre colaboram na decisão de um julgamento.

O que parece inevitável é a reformulação da própria Libertadores. Símon Bolívar e San Martin, os precursores da independência dos nossos vizinhos diante da soberania espanhola, sonhavam com a unificação dos territórios latino americanos, sem fronteiras entre as múltiplas culturas que se formam em cada região do continente. Mas ainda somos estranhos uns para os outros, aqui ou em Oruro, em Caracas ou Buenos Aires, e o reflexo é a falta de sintonia na hora de organizar uma competição do tamanho da Libertadores. Sermos inimigos dentro de campo é aceitável, fruto da rivalidade histórica. Mas levar a rivalidade para outros campos só nos distancia ainda mais. Até ao mais letrado dos torcedores, compartilhar a dor dos bolivianos é o mínimo que se pode fazer. O que não pode é se colocar no papel do juiz que anula o gol antes de a bola entrar.

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