GAUDÊNCIO TORQUATO

Leviatã manda lembrança

Gaudêncio Torquato
14/06/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 12:13

Cidadãos brasileiros estão sendo induzidos a praticar o “dedurismo”, denúncia contra pessoas físicas e jurídicas e, desse modo, a fazer parte de um exército de agentes especiais que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda, está organizando. A iniciativa chama a atenção pelo abuso contra princípios constitucionais.Obriga pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência em operações a fazer um cadastro de clientes e guardá-lo por cinco anos. A par da exigência de declarar bens ou serviços prestados no valor igual ou superior a R$ 5.000, o “agente” que o Conselho está criando é obrigado a “denunciar” seu cliente caso, seis meses depois, este faça nova operação que implique valor igual ou superior a R$ 30 mil. E se o prestador se recusar a entrar nesse “grupamento”? Será submetido à multa de até R$ 200 mil, cassação do registro profissional e vedação do exercício da atividade.É mais que sabido que cabe ao Estado a tarefa de investigar, fiscalizar, controlar e combater todas as veredas que levam às ilicitudes. Passar o Brasil a limpo deve ser anseio contínuo dos órgãos públicos. Mas qualquer ação ou medida há de se ajustar aos primados consagrados na Carta Magna.Emerge, aqui, a primeira indagação: a ordem de obrigações e punições emanadas nas resoluções do Coaf fere ou não princípios da livre iniciativa e do sigilo de dados pessoais, garantidos na Constituição? O tributarista Raul Haidar lembra que apenas leis abrigam o poder de gerar obrigações e sanções. O princípio de que o direito deve se fundar na Constituição, jamais em medidas, decretos, resoluções e até em leis consideradas inconstitucionais, é um dos mais sagrados das nações democráticas.Desvios e ilegalidades que ocorrem na vida institucional revelam muito sobre o estado civilizatório que o país atravessa. É o caso de enxergar um viés politiqueiro na planificação e na execução de políticas de monitoramento do universo dos negócios, não se descartando a hipótese de que grupos, hoje imperando na administração pública, se esforçam para impor uma visão onipotente, onisciente e onipresente.Mais uma observação: ao contrário da cultura anglo-saxã, de rígida obediência a normas, a cultura tupiniquim usa frequentemente as curvas para se moldar aos climas impostos. Será que os inventivos controladores do Conselho não imaginaram no cadastramento de operações falsas malandragem para atrapalhar concorrentes? Na conta das probabilidades, não se descarta a beligerância entre amigos e clientes, quando uns descobrirem que outros apontaram o “dedo duro”.É o caso de indagar aos dirigentes do Coaf se as disposições que outorgaram aos brasileiros são condizentes com o império do direito ou desenham a imagem de Leviatã, o monstro bíblico, cruel e invencível, plasmado pelo ideário absolutista de Thomas Hobbes.

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