Não ia falar mais sobre esse assunto, mas uma notícia curiosa caiu no meu e-mail e resolvi comentar aqui. A Lei Seca é vista com simpatia pela maioria dos passageiros de voos internacionais. Segundo pesquisa realizada com 6 mil pessoas pelo site de busca de passagens aéreas Skyscanner, 71% delas são a favor de viagens com “zero” de bebidas alcoólicas.
Dessas, 43% disseram que passageiros alcoolizados atrapalham a experiência do voo e só 16% alegaram gostar de beber no avião e se mostraram contrárias a medidas restritivas. O resultado indica uma mudança significativa em relação a 2012, quando a mesma consulta aferiu apenas 38% de viajantes simpáticos à ideia de viajar a seco.
Bem, pessoas alcoolizadas são inconvenientes no céu, na água, na terra e até embaixo da terra (no Metrô, quero dizer). Em voos longos, o vaivém dos comissários com carrinhos oferecendo fugazes alívios para as intermináveis horas de tédio é, de fato, tentador. E eu me encaixo no time dos que não recusam nada do que é servido, porque isso ajuda a passar o tempo mais depressa.
Assisto aos filmes, leio jornais e revistas, faço palavras cruzadas e chego ao extremo de devorar barrinhas de granola. Aceito vinho, mas me mantenho no limite da convivência civilizada por
razões que vou descrever a seguir.
A pesquisa foi motivada a partir do pedido de oficiais russos de banimento do álcool em voos comerciais para evitar comportamentos de pessoas embriagadas a bordo. Por sinal, os mesmos russos aparecem em segundo lugar no ranking de passageiros que mais bebem no ar, perdendo apenas para os ingleses.
“Os números sugerem que os usuários preferem abrir mão de degustar suas bebidas favoritas a passar horas sentados ao lado de alguém que bebeu demais”, analisa o diretor da Skyscanner no Brasil, Mateus Rocha. Hum... Pensando bem, é justo.
Essa conversa me remete a um voo de retorno ao Brasil, depois de 11 dias pingando de vinícola em vinícola em terras portuguesas. Éramos um grupo de jornalistas convidados a desfrutar um programa enogastronômico com tudo pago, inclusive o voo em primeira classe. A viagem de volta ocorreu quase toda à luz do dia, com poucos passageiros a bordo e atendimento vip por parte da tripulação.
A certa altura, o comandante da aeronave juntou-se a nós e pôs-se a contar deliciosas histórias vividas ou testemunhadas por ele em sua vultosa milhagem.
Um romance aqui, uma traição ali, uma farra acolá... E vinho... Um atrás do outro. Eu não me desconcentrava do alerta do simpático anfitrião, que fizera questão de lembrar que ambientes pressurizados aceleram e potencializam o efeito do álcool. Pensava nas malas lotadas de garrafas, nas caixas lotadas de cristais, nas bolsas lotadas de suvenires, na viagem de São Paulo a Campinas, no táxi até minha casa... Enfim, tinha que desembarcar sóbria.
Estava com todos os alarmes acionados e apenas bebericava (ou simulava) um ou outro vinho que o comandante mandava servir sem economia. Estava tudo sob controle. Até que, de repente, por algum motivo, talvez o tal efeito da pressurização associado a uma possível saturação orgânica desenvolvida no roteiro entre Porto e Lisboa, cruzei a linha frágil que separa a lucidez da embriaguez.
As horas finais de voo estão perdidas na memória. A última imagem retida no cérebro foi a do sol invadindo a aeronave. Acordei no dia seguinte em casa com uma baita ressaca, mas as malas em ordem, nem um cristal avariado, documentos no lugar. Não me lembro de como desci do avião, retirei os pertences da esteira, tomei o traslado de São Paulo a Campinas. Nem me recordo de ter me despedido dos companheiros, de como cai na cama... Tudo apagado. O que eu acho de beber em voo? Nada. Mas, por precaução, não chego a completar a segunda taça. Não quero estressar meu competente anjo da guarda.