ig - Rodrigo Moraes (CEDOC)
Há alguns anos, minha irmã trouxe de uma de suas viagens um livro de bolso com poemas sobre Nova York (devo estar equivocado, mas até hoje entendo “livro de bolso” como um livro cujas dimensões quase lhe permitem caber dentro do bolso da calça).
"Poems of New York" (Ed. Everyman’s Library Pocket Poems) é um volume pequeno, de capa dura. Traz uma sobrecapa com uma ilustração, ao que tudo indica antiga, do Empire State Building dominando — como cabe a um prédio cujas dimensões míticas e físicas se confundem — a paisagem de concreto, com o rio Hudson ao fundo.
Dentro, várias dezenas de versos forjados por autores que pertencem à nata da literatura americana, de Walt Whitman a Langston Hughes, de Dorothy Parker a Allen Ginsberg. Para um poeta, não deve ser difícil encontrar inspiração na cidade e seu cosmopolitismo, sua enormidade, seu caos e sua heterogeneidade.
O atarefado cais nova-iorquino e seus atarefados estivadores (vistos por Whitman como se tudo estivesse sob um sol irreal), o Inverno, o trânsito, as multidões, a solidão, o Harlem (que Hughes canta de uma maneira incrivelmente bela e melancólica), as folhas de Outono, tudo parece ter recebido o devido olhar, a devida abordagem.
Os poemas estão dispostos em ordem cronológica (organizada pela editora Elizabeth Schmidt), e há uma clara linha divisória nessa progressão. Os escritos pós-11 de Setembro (a primeira edição é de agosto de 2002) tratam, quase que obrigatoriamente, da perda e do luto. Dentro do tema, os olhares vão do espanto à impotência, e tratam desde as sombras oblíquas que a tragédia lançou sobre as almas dos cidadãos à tragédia em si. Um desses poemas me chamou especial atenção, a começar pelo título, que faz referência à Guerra de Tróia e que , em português, é “As Últimas Horas de Laodiké, Irmã de Heitor”. Dentro das escassas referências que encontrei sobre esses nomes, descobri que Laodiké é uma personagem da Ilíada, filha de Príamo e Hécuba, assassinada após a morte de Heitor na Guerra de Troia.
O autor do poema, Nicholas Cristopher, morador de Manhattan, testemunhou a queda das torres do World Trade Center e conta ter sentido o cheiro da fumaça e da poeira ao longo de semanas. Para ele, Laodiké ficou sendo uma “vítima arquetípica da guerra, uma espectadora inocente (innocent bystander) — o tipo de pessoa que hoje, na linguagem asséptica, eufemística dos militares e da mídia, é classificada como ‘dano colateral’”.
Me atrevi, me desculpe o autor e me desculpem vocês, a traduzi-lo. Sei que um poema se constrói também pela métrica, que se perde completamente quando as palavras são vertidas para outro idioma. Tentei manter o ritmo do original de Nicholas Christopher, mas fracassei na segunda metade. Resolvi, no entanto, deixá-lo registrado: talvez diga alguma coisa a alguém.
Mísseis frios e uma chuva
de brasas acompanham os homens
Que deslizam como sombras cidade adentro
Lama cobre seus rostos
Pedras como dentes
Sem olhos
Eles degolam todos que encontram
Até que derrubam minha porta
Me arrastam para a escuridão que inunda o corredor
E me trancam numa câmara gelada
Onde uma tocha de espinhos crepita
E um homem, pele e osso, toca música
Antiga como o próprio tempo em uma flauta
E uma moça apertando com força os joelhos
Arde em febre
Antes de eu aplicar uma nesga de luar ao seu cenho
Antes dela sussurar seu nome
Meu nome
Nós dois caindo agora
O quarto caindo também e a cidade
E ninguém para ouvir nossos gritos
Só os mortos aguardando no abismo sem fundo
E o som implacável dos deuses
Reduzindo este mundo a pó