Zagueiro que ganhou a posição do capitão Oscar na Copa de 86 afirma que hoje o resultado é que importa
A Copa do Mundo é o ponto alto da carreira de um jogador de futebol. Nela, os atletas são expostos a momentos que podem levá-los da glória ao fracasso em poucos segundos. Júlio César, zagueiro revelado no Guarani e titular da Seleção na Copa de 86, passou por um desses momentos cruciais. Depois de barrar o até então capitão do time, Oscar, encantou a torcida e até mesmo a entidade máxima do futebol ao ser escolhido como o melhor zagueiro central daquele mundial.Porém, quis o destino que ele desperdiçasse o último pênalti do Brasil nas quartas-de-final contra a França, erro que eliminou a Seleção. Júlio teve capacidade para reagir e dar sequência a uma carreira vitoriosa, mas o olhar abatido ao comentar o assunto mostra que a lembrança ficará para sempre. Na entrevista que concedeu ao Correio, ele relembrou o episódio, comentou outros momentos com a camisa amarela e cravou: o futebol-arte acabou.Na Copa do Mundo de 86, você barrou o zagueiro Oscar, que até então era o capitão do time. Como foi que isso aconteceu?Naquela época, tínhamos cinco bons zagueiros: eu, Edinho, Oscar, Mauro Galvão e Mozer, sendo que só ficariam quatro para a Copa. Em um amistoso, eu fui muito bem e conquistei a confiança do Telê Santana. A partir daí, comecei a me destacar, a fazer jogos importantes e consegui minha vaga.Como foi assumir a responsabilidade de substituir o capitão?Eu estava pronto e preparado para isso. É lógico que assumir o lugar de um dos principais jogadores e de muitas Copas do Mundo como era o Oscar, é uma satisfação maior. E você acabou escolhido pela Fifa como o melhor zagueiro central daquela Copa...Antes do jogo contra a Espanha, o Telê me chamou e perguntou como eu estava. Disse que estava preparado e ele respondeu: ‘Então tá bom, vamos pro jogo!’ Daí, eu fiz uma partida maravilhosa e, a partir disso, ganhei confiança. Fizemos o que tinha que ser feito. Acabamos eliminados pela França, mas saí com uma satisfação muito grande por ter sido considerado um dos melhores zagueiros da Copa do Mundo de 86.O Brasil foi eliminado nos pênaltis. Você era um dos batedores do time, costumava treinar?Todos treinavam. Só que, na hora, alguns jogadores que tinham uma experiência maior poderiam bater, mas enfim... Me perguntaram como me sentia e eu disse que estava cansado como todo mundo, porque fizemos 120 minutos de partida. Sol muito forte no México... Foi massacrante, mas estava bem. Daí, o Telê perguntou se eu bateria e eu disse sem problemas que sim. Fui convicto, escolhi o canto e, infelizmente, a bola bateu na trave e voltou. Você vê o mundo desabar, né? Dá um branco... Você saber que fomos eliminados por detalhes e que teríamos condições de sermos campeões. Uma pena que saímos, foi um absurdo. No futebol, nem sempre o melhor vence.Se arrepende de ter batido?Não me arrependo. Quando se entra numa partida de futebol, é preciso ter personalidade. Aconteceu do mesmo jeito quando fomos campeões em 94, depois que o Baresi e o Baggio chutaram pênaltis para fora. Fico chateado, mas orgulhoso de, com apenas 23 anos na época, ir lá e assumir uma responsabilidade dessa. Em 90, você estava jogando muito bem na Juventus da Itália. Ficou chateado por não ter ido à Copa?Eu fiquei, porque em 86, com 23 anos, fui eleito o melhor zagueiro da Copa. Em 90, tinha que estar no grupo, né? São coisas que a gente fica sem entender. Com todo respeito aos que foram, eu teria plenas condições de fazer parte do grupo. Estava no auge da minha carreira. Gostaria que você explicasse o que aconteceu em 93 quando decidiu abandonar a Seleção.A gente estava disputando a US Cup nos Estados Unidos. Após o jogo contra a Alemanha, chegamos no hotel e houve um roubo em que eu fui o maior prejudicado. Levaram todos os meus pertences e perdi muito dinheiro. Fui falar com o Zagallo e com o Parreira para a gente tomar uma atitude e eles disseram que não era o momento. Fiquei muito chateado com aquela situação e acabei abandonando o time. Me arrependo porque poderia ter sido campeão mundial com aquela Seleção em 94, mas já passou e, agora, não adianta lamentar. Grande parte da sua carreira foi na Europa. Falando de Seleção, em 86, só dois jogadores atuavam fora do País. Hoje, são apenas quatro que atuam aqui. Como vê essa situação?O mercado abriu muito. Antigamente, os times podiam ter poucos estrangeiros e hoje não é assim, mudou o sistema. Os clubes não tem segurança de trabalhar e segurar jogador e eles vão saindo. Assim, o nível do futebol brasileiro vai ficando carente de ídolos e espetáculos. Acha que a Seleção perdeu a essência por causa disso? Ficou um jogo padronizado?O Felipão está no caminho certo, tem que ganhar e o que importa é o resultado. Não adianta querer espetáculo como foi em 82 e até em 86. O povo fala que acabou o futebol-arte e é lógico que acabou. O treinador perde um jogo e já é mandado embora, claro que tem que pensar no resultado. Tanto que o Brasil, hoje, tem sido reconhecido por formar grandes zagueiros, como o Thiago Silva e David Luiz. Acha que nossa escola se inverteu?Quando eu fui para a Itália, me questionaram muito. Diziam: "Pô, zagueiro brasileiro onde tem Baresi, Costacurta, Maldini?". Acabei indo e fazendo muito sucesso. Mas mudou mesmo a mentalidade do futebol brasileiro e o que importa é ganhar por 1 a 0. Hoje, futebol é isso. Você é contra esse tipo de futebol?É muito preparo físico e o futebol mesmo vai acabando. Por exemplo, o Neymar tem qualidade técnica e faz a diferença. Os caras que devem marcar ele, pô! Lógico que precisa ter um padrão de jogo, recompor, mas os outros que têm que marcar ele e não ele ajudar a marcar. Você jogou a Copa sendo jogador do Guarani. Acredita que o clube voltará a revelar jogadores de Seleção?Do jeito que as coisas caminham, acho muito difícil. É o que falei sobre o sistema, que favorece somente alguns atletas... Se isso não mudar, é difícil. Eram outras épocas e o futebol de Campinas estava estruturado. O Guarani sempre foi um clube que formou jogadores e hoje não revela ninguém, só contrata jogadores de aluguel. Com o clube na Série C e a Ponte na Série B, como que um jogador daqui vai para a Copa? Na minha época, a base das seleções juvenis era formada por atletas de Ponte, Guarani e outros grandes do Brasil... Quantos atletas nessas condições temos hoje? E para essa Copa, quais são as suas expectativas?Acho que o Brasil tem bons jogadores e um treinador competente. Estou bem otimista para que a Seleção faça uma boa Copa do Mundo, traga o caneco para nós e não aconteça o pior. Estamos jogando em casa e temos a obrigação de conseguir esse título. Acho que a Argentina e a Alemanha podem ser nossos concorrentes mais fortes. Sobre o legado da Copa, o Careca disse que o hexa dentro de campo poderia ser ruim para o país. Concorda?Futebol é divertimento, apesar de ter muitas questões envolvidas. Estou torcendo para ganhar. Pode ser ruim? Vamos ver lá na frente. Já estamos numa situação ruim. Vai piorar? Pode ser que sim. O que não podemos é aceitar tragédias dentro de estádios como temos visto. Isso é muito triste. Espero que o Brasil consiga fazer o que todos esperamos. Torço para que ganhemos e a Copa do Mundo termine em paz.