ZEZA AMARAL

Juízes e bandeirinhas

Zeza Amaral
zeza@rac.com.br
30/09/2013 às 20:35.
Atualizado em 25/04/2022 às 02:11

Técnicos de futebol com prancheta na mão parecem aqueles poetas de botecos carregando uma sacola cheia de papéis rabiscados, quase sempre de madrugada, após uma carraspana: ideias e palavras, esquemas e experimentalismos — pequenos restos de uma noite ilusória onde se sonhou uma nova ordem literária, uma nova estratégia para vencer a burocracia da vida, do futebol e até mesmo o mau humor dos garçons do boteco.São tantos os poetas e técnicos de futebol que se reproduzem pelo País que muito me admira o fato de nunca termos um único Nobel literário e acharmos que é pouco um pentacampeonato de futebol mundial. Técnicos de futebol deveriam ser poetas e os nossos poetas deveriam ter pranchetas apropriadas para esquematizar as suas ideias.Gosto de poesia e, portanto, de futebol. Gosto até de ver as folhagens das árvores se balançando ao sabor do vento (perdoe-me, raro leitor, a breganice), pois o seu balé é uma gingada de um ponta direita rumo à linha de fundo, para cruzar a bola na cabeça do centroavante — quase sempre boa de penteado e vazia de precisão. Daí ficar admirando, em qualquer praça, o futebol das árvores, dos pássaros enganando a gravidade, mormente agora que as andorinhas chegaram com as suas equipes alegres, se preparando para o campeonato da Primavera.Não sou romântico coisa nenhuma. Apenas um apaixonado. E gosto de ver o jogo sendo jogado pela natureza, de forma cruel, fria e sobrevivente, pardal comendo borboletas, gavião comendo passarinhos e torcedores se alimentando da energia que os jogadores de seus times oferecem em campo. Torcedor é uma ave de rapina, um carcará faminto. Ele quer do jogador do seu time aquilo que ele não consegue dar a si próprio: uma vitória insofismável, digna dos deuses — ou dos patrões que lhes paga o salário — coisa que acham sempre infame e desprezível, mas nunca reclamando das pequenas fortunas que seus ídolos ganham e que não dignificam com gols e vitórias sobre seus adversários. São predados querendo mandar em seus predadores.Prefiro mais a natureza do futebol que observo até quando algum jogador erra um passe: chuva e vento também provocam desastres; raios matam e capivaras também hospedam a febre maculosa. Posso criticar quem erra um passe de cinco metros ou perde um gol debaixo da trave.Mas é o momento da torcida, aquele átimo que separa os homens dos animais, mas que, enfim, nos torna iguais em nossos erros, que não queríamos cometer, que nunca pensamos que poderiam acontecer, e eles acontecem e tentamos justificar a nossa falibilidade transferindo responsabilidade a quem nada tem a ver com o erro consumado. Todos erramos quando alguém erra. Em qualquer situação e momento. Mas isso não tem nada a ver com juízes e bandeirinhas. Eles estão acima de quaisquer regulamentos.

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