STO. A. DE POSSE

Juiz pede laudo de vizinhos do Aterro Mantovani

Análise de propriedades pode definir indenização pedida por famílias da área de contaminação; caso é tido pela Defensoria da Água como o pior de contaminação ambiental do País

Inaê Miranda
26/06/2015 às 05:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 15:52
Sebastião Setim cultiva violetas em sítio próximo ao aterro e se diz prejudicado por ter o poço interditado  ( Janaína Ribeiro/ ANN )

Sebastião Setim cultiva violetas em sítio próximo ao aterro e se diz prejudicado por ter o poço interditado ( Janaína Ribeiro/ ANN )

A Justiça de Jaguariúna pediu na quinta-feira (25) à Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) um laudo para comprovar a contaminação do solo das propriedades vizinhas ao Aterro Mantovani — considerado pela Defensoria da Água como o pior caso de contaminação ambiental do País. As informações foram solicitadas pelo juiz Marcelo Forli Fortuna durante a audiência de conciliação entre as famílias de sitiantes, que pedem indenização por danos, e as empresas que descartavam resíduo no local. Não houve acordo e as empresas dizem não haver provas de que os vizinhos foram prejudicados. O aterro, instalado em Santo Antônio de Posse, recebeu entre 1974 e 1987 — quando foi fechado pela Cetesb — ao menos 326 mil toneladas de resíduos tóxicos descartados de forma inadequada. Quatro famílias — aproximadamente 30 pessoas — aparecem nos processos contra as empresas que fizeram o despejo irregular. Elas produziam frutas e hortaliças e tiveram que interromper ou restringir a produção em decorrência da contaminação ambiental no aterro. Alguns moradores tiveram os poços artesianos interditados, como é o caso de Sebastião Setim, do sítio 2 Irmãos, que cultiva violetas. Ele teve o poço fechado em 2003, quando a análise da Cetesb indicou presença de clorofórmio na água. A família vem recebendo água para consumo desde então, fornecida pelas empresas acusadas de contaminar a região. Casos de mortes por câncer também vêm sendo indicados pelas famílias como possíveis consequências da contaminação. Elas pedem indenização de R$ 10 milhões por danos materiais e morais.A família de Armando de Oliveira Campos, de 51 anos, cultivava hortaliças no sítio de 60 mil m2, que fica a 800 metros do aterro. O poço cacimba foi lacrado pela Cetesb há cerca de 10 anos. Ele conta que, em 2007 foi obrigado a interromper o cultivo no local porque os comerciantes deixaram de comprar os produtos por medo de contaminação. “Entregava para mercado e me falaram que se eu continuasse cultivando lá não iriam aceitar a minha mercadoria. Parei de plantar no meu sítio e fui obrigado a arrendar outra terra três quilômetros mais distante.”Já Setim continua plantando violetas, mas está impedido de expandir a produção, já que não utiliza a área do sítio mais próxima ao aterro e depende da água enviada pelas empresas — conforme ficou estabelecido em Termo de Ajustamento de Conduta. “A gente espera que eles façam pelo menos um acordo para a gente comprar uma nova terra, porque é duro viver sem água. Eles mandam, mas a gente não sabe até quando. Estamos parados no tempo, sem saber o que fazer”, disse. Setim perdeu o pai há 17 anos vítima de câncer e ele relata que outros vizinhos morreram de câncer. “Não temos um médico assinando um laudo dizendo que foi em decorrência da contaminação, mas suspeitamos que tenha ligação.”O advogado que representa as famílias, Anselmo Carvalho Santalena, disse que a indenização de R$ 10 milhões para cada família foi calculada com base no valor das propriedades, na perda do lucro imobiliário, do lucro cessante e nos danos morais. Durante a audiência realizada ontem ele propôs R$ 5 milhões, mas as empresas não aceitaram. “Não estão pensando nas perdas que essas famílias tiveram. Falam que não teve dano, mas o próprio fato dos poços terem sido lacrados e de eles estarem fornecendo água para as famílias já representa um dano. O lençol freático foi contaminado. Eles também estão impedidos de cultivar”, afirmou. A audiência teve a presença de aproximadamente 30 advogados das empresas envolvidas. Sérgio Emerenciano, representante de uma das empresas, afirmou que não há demonstração objetiva do dano. Segundo o juiz Marcelo Forli Fortuna, os advogados iriam levar a proposta para as empresas e paralelamente foi solicitado à Cetesb informação técnica sobre a situação dos sítios. “Esse relatório da Cetesb vai ser para que eu tenha uma ideia preliminar se os terrenos periféricos estão contaminados ou não. Já existem nos processos vários laudos, mas têm pontos que não convergem um resultado comum. Então, a partir desse novo laudo a gente tem um caminho a ser perseguido”, afirmou. Entre as informações solicitadas estão a situação da água dos sítios, se os poços artesianos foram contaminados e localização. Não ficou definido um prazo para apresentação dos resultados. Processo geralNo dia 14 de julho será realizada a primeira audiência que envolve o dano ambiental como um todo no aterro, em que o autor é o Ministério Público. “Nessa audiência, vamos verificar a responsabilidades das empresas a respeito do evento danoso”, disse o juiz. Segundo Fortuna, a audiência demorou para ser marcada pela quantidade de empresas. “A finalidade da Justiça é resolver o problema e a melhor forma é por meio da conciliação. E também é possível fazer a conciliação com o Ministério Público”, completou. HistóricoO Aterro Mantovani recebeu resíduos de 61 indústrias, entre elas multinacionais como Petrobras, Bosch, Rhodia, Philips, Cargil, Embraer, Johnson & Jhonson. Em 1987, foi fechado pela Cetesb devido a uma série de irregularidades. Em 1996, o proprietário do aterro, Waldemar Mantovani, foi condenado a fazer a recuperação ambiental da área. A sentença, que prevê o pagamento de uma indenização, não foi executada porque não se conseguiu estimar o valor da indenização e também porque os bens do proprietário — indisponíveis desde 1996 — eram muito inferiores ao mínimo necessário para a adoção das medidas emergenciais. Em setembro de 2001, MP e Cetesb fecharam um acordo com 40 empresas que utilizaram o aterro, em que se comprometeram a tomar medidas emergenciais. Em 2004, de acordo com relatório da Defensoria da Água, a contaminação no Aterro Mantovani atingiu o córrego Pirapitingui até as margens do Rio Camanducaia, cuja área de abrangência também afeta o Rio Jaguari, de modo que as análises das amostras de águas coletadas apresentaram níveis de contaminação muito superiores aos valores máximos permitidos pelo Ministério da Saúde.

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