segredos do chef

Jardim à mesa

Flores, assim como folhas e frutas até agora pouco conhecidas, compõem pratos sofisticados na cozinha do chef Henrique Nunes

Ana Maria Gomes Fantini/Especial para a Metrópole
12/09/2018 às 15:38.
Atualizado em 22/04/2022 às 05:04
Tortinhas com pâtissière de lírio amarelo (Divulgação)

Tortinhas com pâtissière de lírio amarelo (Divulgação)

Sabe aquele “belíssimo” carré de cordeiro; ou a “linda” peça de contrafilé para se tornar um suculento entrecote? E a frescura acintosa dos legumes sazonais recém colhidos, ao lado das verduras idem nas bancas dos hortifrútis? Ou o inimaginável universo das ervas e temperos? São, normalmente, imagens que transportam os chefs para as melhores aventuras no fogão. Assim é também com o chef Henrique Nunes, mas ele vai além: está sempre com o olhar e a atenção voltados à vegetação espontânea. Seja do caminho da sua casa até a cozinha do restaurante ou nos canteiros que circundam sua competente cozinha dentro do casarão colonial do Plantarum Jardim Botânico, em Nova Odessa. Flores ou ervas, sementes ou talos, todas espécies já catalogadas como Pancs (Plantas Comestíveis não Convencionais), ganham sabor e aroma muitas vezes indescritíveis, através de sua habilidade em pratos cheios de imaginação e bom gosto. A convivência peculiar com as mais de 4 mil espécies cultivadas no Plantarum motivou o interesse crescente do chef Henrique Nunes, um entusiasta confesso, “motivado cada vez mais a demonstrar o potencial dessas plantas”. Com base nos trabalhos do engenheiro agrônomo e idealizador do espaço, Harri Lorenzi, garante que já estão catalogadas 352 espécies comestíveis. Atento à problemática social e econômica que envolve a alimentação, o chef avalia que apesar do “potencial gastronômico” essas plantas quase sempre apenas surgem e crescem nos quintais, jardins e ruas da cidade. Não acostumada a consumi-las, a maioria as ignora e não sabe que podem ser consumidas - depois, é claro, de “rigorosamente higienizadas com os cuidados essenciais”. E o consumo dessas Pancs, na opinião o chef, é uma forma de “nos tornarmos mais diversos e aproveitarmos mais do que a natureza nos entrega espontaneamente”. Nos salgados e nos doces Begoninhas, lírios amarelos, amor perfeito, para citar apenas algumas, são flores conhecidas que Henrique leva à mesa, em vez de as deixar secando nos jardins depois de alegrar os olhos com suas delicadezas. Mas a lista é vasta. Entre as folhagens, há o “peixinho da horta” (também conhecido como “orelha de lebre”), o alho selvagem, a buva, o malvarisco, o açafrão da terra, o mineiríssimo ora-pro-nobis (cada vez mais presente por aqui), a urtiga e até o picão branco. Há também uma grande quantidade de frutas, nada convencionais na culinária, caso da noni, do genipago e do jaracatiá; algumas bem próximas, como o jambolão, o jambo, o jatobá e a monguba. Esta última, conhecida como cacau selvagem ou castanheira da água, é usada na arborização de ruas. As sementes torradas de seus frutos transformam-se em “saborosas castanhas crocantes” e com elas o chef Henrique produz tortinhas, brigadeiros, pés-de-moleque e paçoca, todos muito apreciados, na semelhança com o amendoim. Por isso, quando ele vê as crianças arremessando mongubas umas nas outras, numa escola próxima, lamenta por não imaginarem “o quanto é nutritiva a castanha que têm nas mãos”. Passando pelos pés de monguba e jambolão ao longo de seu trajeto para o trabalho, Henrique Nunes decidiu, há algum tempo, fazer uma “breve estimativa”, considerando a quantidade dessas árvores e os frutos ali produzidos e não aproveitados num único ano, numa área da Nova Odessa. Espantou-se com o resultado: “Foram para o lixo nada menos que 925 quilos de alimentos com alto potencial nutritivo, gastronômico e até financeiro”, lamenta. O jambolão é aproveitado pelo chef em conserva, similar às azeitonas e também em geleias. Com base em todas as suas pesquisas e experiências nesses últimos anos - apresentadas também em workshops, aulas e palestras - Henrique Nunes reuniu no livro Panc Gourmet, mais de 50 formas de emprego delas em pratos da culinária. Há Fettuccini de Jasmim do Cabo, Cuscuz de Jatobá, Nhoque de Urtiga Vermelha, Espague de Vitória Regia e várias sobremesas com o Cheesecake de Begoninha, Mousse de Butiá e Tortinha com Creme de Lirio. Mas não gosta de classificá-las como receitas. Prefere chamar de “ensaio” - como os apresentados nesta matéria - a descrição de como preparou cada prato, deixando claro que “a ideia é o aproveitamento que cada um consegue fazer, de acordo com a quantidade de ingredientes disponíveis”. Alguns pratos já estão incluídos no cardápio do Naiah, seu restaurante dentro do Plantarum, como o Alfajor de Jenipapo, já considerada uma sobremesa clássica do chef Henrique, com sua peculiar massa azul escuro. RECEITA Do livro Panc Gourmet Tortinhas com pâtissière de lírio amarelo Os botões do lírio amarelo têm aroma característico e sutil, com sabor próximo ao do milho cozido. Pode ser usado em doces, salgados, saladas e como corante amarelo. Bata no liquidificador as flores do lírio amarelo com creme de leite e leve ao fogo, adicionando açúcar e cozinhando por uns 10 minutos; coloque amido de milho, separe e deixe esfriar. Servido como cobertura de massa assada à base de biscoitos triturados com manteiga. CheescakeBegoninha A begônia é uma flor de coloração branca, rósea ou vemelho intenso, textura suculenta, sabor ácido e característico, com aroma sutil. Utilizada em sucos, geleias, saladas e molhos para pratos doces e salgados. Leve ao fogo as flores de begônia com água e açúcar, e cozinhe até obter a textura de geleia. Sirva com mascarpone batido com açúcar, sobre uma base de massa preparada com biscoito triturado e manteiga.

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